"Animal indireto", de Daniel Lentini (2019)
Longa de estréia do cineasta Daniel Lentini, teve a sua estréia mundial no prestigiado Festival de Rotterdan, na Holanda, em 2019, dedicado a filmes com narrativas mais experimentais. O filme entrou em competição e é certamente, uma carta de entrada de Lentini ao universo de autores ousados da filmografia brasileira. Tendo em seu currículo dezenas de trabalhos como assistente de direção, é uma honra enorme tanto prestígio em um Festival tão importante, um carimbo que poucos cineastas tiveram.
O filme foi idealizado em função de uma doença mental que o autor passou a conviver quando assistia a um filme no ano de 2014. Lentini teve taquicardia, suor, sensação de pânico. Mais tarde, foi diagnosticado com TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada) e Depressão. - NOTA: Eu mesmo tive síndrome do pânico, por conta do excesso de trabalho e ansiedade, uma doença infelizmente comum aos assistentes de direção, que precisam lidar com muito stress em seu trabalho. O diagnóstico de Lentini foi bem mais forte- Lentini procurou ajuda médica e teve a percepção de que para poder entender a sua condição, ele precisaria ter um período sabático e filmar.
"Filmar é um escape", diz o autor, que durante as imagens que percorrem o documentário, emula narrativa proveniente do movimento da Nouvelle Vague, de filmes de Alain Resnais, Chris Marker, exemplos de cinematografia onde imagem, narração trazem metáforas e percepções do universo que habitamos. Filmando em São Thomé das Letras, MG, Brasil, depois Cuba e Haiti, Lentini , ao mesmo tempo que busca ajuda de curandeiros/e ou profissionais informais (Cartomantes), filmando as sessões, e se colocando como o objeto da ação, ousando e tendo coragem de se expôr em cena. Em off, de narração monocórdica, revelando seu estado de espírito e mental, sobre imagens aleatórias, abstratas, trazendo memórias ou simplesmente a vontade de filmar.
A frase clichê que todo profissional de audiovisual e cinéfilos usam, que Cinema é Terapia", é usada literalmente por Lentini, que faz uma sessão de análise espiritual e metafísica ( o filme dura menos de 50 minutos) , o tempo de um analista ou psiquiatra atendendo seu paciente. O cinema em si vira o analista, e questiona o autor: porquê usar o cinema, quando foi ele que deflagrou a sua depressão? Lentini responde através do filme e conclui que "Filmar é uma contradição entre buscar uma cura e continuar filmando."
Compartilhar com o público a sua condição de portador de ATG é um ato corajoso. Parabéns e que outros filmes catárticos surjam na sua bela trajetória profissional.
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