terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Sing

“Mindenki”, de Kristóf Deák (2016) Vencedor do Oscar de melhor curta em 2017, essa produção húngara é baseada em uma história real. Nos anos 90, em Budapeste, Szofi é a nova aluna de uma turma na escola. Liza se torna sua melhor amiga. Apaixonada por cantar, ela entra para o prestigiado coral da escola, de onde Liza faz parte e é uma das melhores vozes. No entanto, Szofi acaba descobrindo um segredo que fará com que seu sonho seja destruído. Assistindo a esse lindo e comovente filme, fica fácil entender porque os jurados da Academia o premiaram. E’ um filme que fala sobre intolerância, repressão e sobre bullying. Não dá para falar mais, pois seria spoiler. Além da segura direção, o que mais impressiona no filme é o brilhante trabalho dos jovens atores mirins, em espacial, Dorka Gáspárfalvi e de Dorka Hais, nos papeis de Szofa e Liza. Espontâneas, sem quererem se comportar como adultas (como a gente vê muito por ai).

Fábula americana

“American fable”, de Anne Hamilton (2016) Escrito e dirigido por Anne Hamilton, “ Fábula americana” é um drama com toques de realismo fantástico que se passa na zona rural dos Estados Unidos nos anos 80. Vivendo uma crise econômica que fez com que vários fazendeiros tivessem que vender as suas fazendas para bancos para sanar dividas ( alguns se suicidaram), a família de Gitty faz de tudo para não perder a sua. Gitty é uma menina esperta de 11 anos. Sua única amiga é a sua galinha Happy. Sua mãe está gravida e seu pai esconde a real situação da familia para ela. O irmão adolescente de Gitty, Martin, ee um rapaz ignorante e violento, que pratica bullying em Gitty o tempo todo. Um dia, ao percorrer uma área próxima a um reservatório (local que seu pai a proibiu de ir), Gitty descobre que existe um homem preso ali. Ele é um executivo responsável em vender as fazendas, e Gitty fica sabendo que foi seu pai quem o prendeu ali. Mas o homem se faz passar por seu amigo, e conta historias mágicas para Gitty, que faz ela pensar que ele quer ser seu amigo. Na mídia, o filme é vendido como uma mistura de Spielberg, Terrence Malick e Guilhermo del Toro. Absolutamente nada a ver. Dos 2 primeiros, não tem nenhum pingo de referencia. De Guilhermo Del Toro, a diretora rouba o visual do personagem do Fauno. Quando o homem conta histórias, ela imagina o Fauno cavalgando na região. Porém, essa parte lúdica no filme é completamente forçada, não leva a lugar algum. Outro elemento que me irritou bastante e fez com que eu desistisse de ver o filme ( não o fiz, mas deu muita vontade), é a construção do personagem do irmão de Gitty. Absolutamente irritante, só o vemos irritado com Gitty o tempo todo, desde o inicio, e os pais não fazem absolutamente nada. Ele faz de tudo para machucea-la. Um personagem unidimensional, sem humanidade. A construção do filme tenta também buscar elementos dos irmãos Coen ( homens comuns roubando, psicopatas, sherifes trapalhões). Aliás o desfecho ee dos mais imbecis que já vi recentemente, Gitty pede ajuda para a sherife e ela vai sozinha para o local? Pelo amor de Deus. O que salva no filme é a atuação da jovem atriz Peyton Kennedy, no papel de Gitty, e a bela fotografia.

A general

A general
“The general”, de Clyde Bruckman e Buster Keaton (1927) Presente em quase todas as listas de melhores filmes de todos os tempos, “A general” é um primor de realização. Uma superprodução baseada na história real de James Andrews, um soldado do Sul que em 1862, liderou um pequeno exército para sabotar a ação dos soldados confederados que estavam se aproximando da região. Ele derrubou postes impedindo telegramas e explodiu a ponte de acesso `a sua cidade. Buster Keaton interpreta Jonnhie Gray, um maquinista de trem que tem 2 paixões na vida: seu trem, chamado de A general, e sua amada Anabelle (Marion Mack, em excelente atuação e assim como Keaton, também realizando façanhas em cena). Ela pede para que se aliste na guerra, mas por ser maquinista, é impedido ( O capitão considera mais importante ele continuar sendo maquinista). Anabelle e seu pai rejeitam Joohie por acharem que ele se acovardou, até que ela e o trem são sequestrados por desertores sulistas que as entregam para uma tropa do Norte, Jonnhie resolve ir resgatá-las. Cada cena do filme impressiona pela sua marcação e pelo constante perigo real que Buster Keaton, Marion Mack e os atores participantes passaram. Fico imaginando que hoje em dia, existe todo um aparato de segurança, dubles, computação gráfica etc, que assegure o trabalho do ator, mas na época era na cara e na coragem. O filme é repleto de cenas antológicas: Keaton sentado na braçadeira do trem em movimento, ele colocando Annabelle disfarçada dentro de um saco em um vagão de trem e os soldados jogando caixas pesadas em cima dela; a cena que ele tenta colocar toras de madeira no trem, fora o desfecho, que é muito emocionante, apesar da mensagem armamentista que o filme passa (talvez na época não tivesse esse olhar). A cena da explosão do trem e da ponte impressiona pela sua grandiosidade, além da quantidade de figurantes em cena. Um tema polemico é que os nortistas são considerados os vilões da historia ( assim como “ E o vento levou”, O nascimento de uma nação”, etc). Os sulistas eram escravocratas e queriam a separação do Norte do Pais. Espertamente, o roteiro do filme não foca na questão dos escravos, se atendo apenas a uma batalha que na verdade a gente fica sem saber porque acontece, só somos avisados que a confederação do norte está a caminho. Buster Keaton, para muitos críticos, é considerado melhor comediante do que Charles Chaplin, seu “ rival” na época. Keaton era considerado em seus personagens como “ o homem que não ria”, mantendo sempre aquele semblante sério, mesmo nas maiores trapalhadas. As suas gags até hoje são copiadas ininterruptamente, e se pensarmos que “A general” tem 90 anos, podemos afirmar com certeza s sua genialidade como Artista em todos os níveis.

Mulheres do Século 20

“20Th century women”, de Mike Mills(2016) Escrito e dirigido por Mike Mills (Diretor de “Thumbsucker”, com Keanu Reeves, e ”Toda forma de amor”, com Christopher Plummer e Ewan Macgregor), “Mulheres do século 20” é um ambicioso painel sobre o papel da mulher no ano de 1979, através da historia de sua mãe, interpretada no filme por Annete Bening. Ambientado em Santa Barbara, California, no ano de 1979, Dorothea (Annete Bening, formidável) mora com o seu filho adolescente Jamie (Lucas Jade Zumann, de “A entidade 2”). Seu marido se mudou e para ajudar a pagar as contas, ela aluga os quartos de sua casa. Abbie (Great Gerwig, de “Francis Ha” é fotografa e acredita que tem um câncer. Willian (Billy Crudup, o jornalista em “Jackie”), é um mecânico de carros, ex-hippie e ainda faz cerâmicas artesanais. Jamie (Elle Faning, de “ O Demonio de Neon”) não mora na casa, mas passa todos os dias ali com Jamie, seu melhor amigo. Sentindo-se sem jeito para lidar com as angústias de Jamie, um adolescente questionador e inconformado com a vida, Dorothea pede ajuda para Abby e Jamie. Mas na verdade, o que todos esses personagens estão em busca, é de uma forma de poder lidar com suas vidas e relacionamentos, sejam eles familiares ou amorosos. “Mulheres do século 20” se passa durante o Governo de Jimmy Carter, do movimento negro ativista, do feminismo que chegou com força total, do auge dos “Talking heads” e outras bandas punks. O mais interessante é que o cineasta Mike Mills discute o feminismo através da personagem de Abbie, que tenta fazer com que Jamie e os outros leiam livros de cunho feminista, e isso provoca discussões entre Dorothea e Jamie, que acham que Abbie está indo longe demais. Os diálogos são primorosos, e além do mais, o formato criativo que Mike Mills desenvolveu a narrativa do filme, onde cada personagem narra o futuro e o passado de cada um deles, é excelente. Não `a toa, o filme foi indicado para o Oscar de melhor roteiro original em 2017. Uma pena que Annete Bening não tenha sido indicada ao Oscar, a sua atuação está excelente, alternando momentos de carinho, ódio, melancolia, tudo bravamente defendido. O que prejudica um pouco o filme é a sua longa duração, duas horas. São muitos personagens e muitos sub-plots, alguns com certeza poderiam ter sido eliminados ( as excessivas cenas de bar, por exemplo). A fotografia do filme valoriza bastante a região ensolarada da região litoranea. O filme tem uma vibe parecida com “Manchester a beira mar”, poreem sem aquele peso extremamente dramático do filme de Casey Affleck. O Desfecho do filme é bem emocionante, narrando a trajetória de cada personagem. A cena final, enfim, é uma linda reverencia ao cinema, em especial “ Casablanca”, e a essa mulher forte e criativa, que foi a mãe do Diretor Mike Mills.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

O enigma de Kaspar Hauser

“Jeder für sich und Gott gegen alle”, de Werner Herzog(1974) Com o curioso e contundente titulo original em alemão “ Cada um por si, e Deus contra todos” ( que virou até nome do disco da banda Titãs, aqui no Brasil), “ O enigma de Kaspar Hauser” é uma daquelas obras-primas do cinema que precisa ser visto por um grupo e debatido na sequencia. As questões que o filme proporcionam são extremamente ricas: critica `a Igreja católica, criticas a sociedade burguesa e principalmente, uma discussão acerca da educação. Na época histórica onde o filme se passa, a ciência estava pouco evoluída e estudos de doenças mentais não haviam sido realizadas. Baseado em história real de Kaspar Hauser, um adolescente de 16 anos que surgiu abandonado em uma praça no centro de Nuremberg, Alemanha, em 1828. Sem saber falar (só proferia a palavra “Cavalo”, por conta de um cavalo de brinquedo que ele tinha em mãos”, ela também mal andava e tinha um raciocínio de deficiência mental. Descobriu-se depois que ele passou a vida toda encarcerado, sem contato com nenhum humano. A sua comida era colocada de noite, quando ele dormia. A pessoa que cuidava dele o abandonou na praça. A principio visto como um charlatão, logo a população começou a criar histórias sobre quem era aquele rapaz. Alguns diziam que atração de um circo e que ele fugiu, mas boa parte acreditava que ele fazia parte de uma linhagem de nobres, e por conta de herança, resolveram abandoná-lo. Kaspar recebe então educação de um nobre professor (que ensina até ele a tocar piano) , de clérigos da Igreja e por fim, de um lorde inglês, que procura adotá-lo. Kaspar vai aos poucos aprendendo a falar e a se portar socialmente. Mas essa evolução trará fim trágico a ele. O filme é repleto de cenas antológicas. Kaspar tem a sua lógica, e o filme discute o que é o certo e o que é o errado em uma educação. Em uma cena, ele é confrontado por um professor de matemática com um questionamento. No entanto, o professor só aceita a sua interpretação. Quando Kaspar dá uma versão possível, o professor surta. A relação de Kaspar com as crianças, com a criada da casa são amorosas, mas toda vez que vai ter alguma aula, ele sofre bastante com os educadores. Com os clérigos a mesma coisa: Werner Herzog cutuca o pensamento cristão e a brutalidade de seus ideaias de perfeição humana: um dos clérigos diz que Deus não permitiria uma criatura defeituosa., e por conta disso, abomina a existência de Hauser. E’ um dialogo chocante. Outro momento aterrador, que lembra bastante o filme de David Lynch, “ O homem elefante”, é o circo dos horrores onde Hauser é apresentado ao publico como um freak. O cineasta Werner Herzog , que escreveu o roteiro, realiza aqui um de seus filmes-chave. Vencedor de 3 prêmios em Cannes 75 ( Grande premio do Juri, Fipresci e Juri ecumênico), ele faz um relato quase documental do dia a dia cruel e aterrador de Hauser. Direção brilhante. A trilha é toda composta por peças de música clássica. Mas nada disso seria justificável sem a presença magnética do protagonista Bruno der Schwarze, também chamado de Bruno S. Herzog o conheceu quando assistiu a um documentário sobre ele; Bruno sempre apanhou de sua mãe desde pequeno, sofrendo traumas físicos e mentais. Acabou sendo internado em uma Instituição mental ate os 23 anos, até ser liberado e ir trabalhar como operário. Herzog o viu em um documentário sobre a sua pessoa, e o escalou para o filme e dizem, sofreu bastante para faze-lo dele um Ator, para que entendesse o que estava fazendo em frente `as cameras ( deve ter sido aterrador para Bruno, uma vez que o personagem e sua vida pessoal eram muito próximos). O sucesso do filme foi tanto, que Herzog o escalou para protagonizar outra obra-prima sua, “Stroszek”. “O enigma de Kaspar Hauser” foi também adaptado com muito sucesso como peça teatral.

O anjo exterminador

“El angel exterminador”, de Luis Bunuel (1962) O filme da fase mexicana de Bunuel, “O anjo exterminador”, concorreu em Cannes 1962, mas perdeu para o brasileiro “ O pagador de promessas”, de Anselmo Duarte. Quando foi lançado, “ O anjo exterminou” provocou uma grande polemica, pois foi acusado de ser um filme contra a Igreja e contra os princípios burgueses. Revendo o filme, vê-se que é clara essa mensagem, apesar de revestida pelo mais puro simbolismo e metáforas que Bunuel colocou nas situações e diálogos. E’ difícil reduzir o filme a uma sinopse. O filme é muito rico em informações, e provavelmente, cada espectador entenderá de uma forma diferente. Rodado em preto e branco, e composto de um excelente grupo de atores mexicanos, “O anjo exterminador” narra uma história surreal e instigante: um grupo de amigos milionários, todos amigos, saem de uma ópera e aceitam o convite de um casal para jantarem em sua mansão. Chegando lá, eles passam a noite, porém, na madrugada, compelidos para irem embora, acabam não fazendo, e todos dormem ali. Dai em diante, por algum motivo que ninguém sabe explicar, esses “exilados” não conseguem sair lá de dentro, mesmo que não exista nenhuma barreira física que os prendam ali. Não conseguem simplesmente sair da sala de jantar, como se houvesse uma parede invisível, ou um “ anjo exterminador”, que lhes obrigasse a ficar ali dentro. Mesma coisa acontece do lado de fora: Policiais, familiares, padres e crianças também não conseguem passar do portão principal. Logo no inicio do filme, misteriosamente, os empregados da mansão vão embora da casa, abandonando seus patrões. Ai já temos uma das critica que Bunuel, simpatizante do comunismo, faz: o conflito entre classes sociais, e na relação PatraoXempregado. Logo depois, a óbvia pontada que ele faz aos burgueses decadentes, que com o passar dos dias, revelam sua verdadeira faceta: sujos, infiéis, violentos, assassinos, impiedosos, individualistas e desalmados. Um dos convidados morre, e ninguém lhe dá a mínima. Quando falta comida e estão todos desesperados, subitamente, surgem ovelhas que entram no salão e servem de alimento ( outro tema comum: o ataque a religião crista. Ovelhas representam os servos de Deus, e esses “cristãos” serão os alimentos dos burgueses. Poderia focar aqui citando inúmeras metáforas que o filme propõe ( claro, opinião pessoal). Como falei, é um filme que merece constante revisão, pela riqueza de detalhes que ele propõe. O brilhante trabalho do elenco como um todo, que se comprometeu a abraçar uma história tão louca e ao mesmo tempo, tão instigante para o trabalho do ator, merece aplausos, ainda mais se considerarmos que esse filme tem mais de 50 anos. Vanguardista, Bunuel sempre foi um artista muito além de seu tempo. Li em uma entrevista, que ele se arrepende de não ter filmado em Paris e ter radicalizado ainda mais em sua proposta: ele queria que os convidados começassem a se devorar, praticando canibalismo. Seria, de fato, um filme chocante. O filme foi tão influente na cultura, que o termo “ O anjo exterminador” acabou virando jargão para situações onde alguém não consegue sair de um lugar.

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Já não me sinto em casa nesse mundo

“I Don't Feel at Home in This World Anymore”, de Maicon Blair. Produzido pela Netflix, esse thriller de humor negro, dirigido e escrito pelo estreante Maicon Balir, arrebatou o Grande Premio do Júri em Sundance 2017. A linguagem e a historia é totalmente em cima do universo dos Irmãos Coen. Ou seja: pessoa comum se vê envolvida com assassinos psicopatas. Resultado disso? Violência extrema, com mãos mutiladas, tiros na cara, cérebros estourando. Nesse mundo de decadência vive Ruth (Melanie Lynskey), uma enfermeira que cuida de pacientes em estado terminal. Em um dia normal, uma paciente morre sob os cuidados de Ruth. Depois ela vai até um pub beber para espairecer a cabeça e um cliente faz um spoiler de um livro que ela está lendo. Ela chega em casa e vê que o gramado está todo cagado de coco de cachorro. Entra em casa, vê que sua casa foi assaltada. Vai reportar pra policia, e o delegado simplesmente caga pra Ruth. Ou seja: no auge de sua ira, ela resolve ir atrás dos assaltantes. Para isso, ela vai contar com a ajuda do vizinho Tony(Elijah Wood), o dono do cachorro que caga direto em seu gramado. O filme alterna momentos de tensão com humor e algum drama. A parte final é um verdadeiro desfile de loucuras, com direito a tiroteio, espíritos e cobra venenosa. O filme diverte, apesar do lugar comum que ele navega o tempo todo. O ritmo muitas vezes arrasta, mas o desfecho salva o filme todo. Melanie Lynskey, de “ Almas gêmeas” de Peter Jackson ( ela era a apaixonada pela personagem de Kate Winslet) está excelente no papel. Que bom que ela está construindo uma carreira nos Estados Unidos. Elijah Wood, pela milésima vez interpretando um tipo esquisita, infelizmente está desperdiçado. Seu personagem até que é divertido, mas está mal aproveitado e aparece pouco.

O desprezo

“Le Mepris”, de Jean Luc Godard (1963) Critico de cinema da Revista Cahiers du Cinema, Godard usou o cinema como forma de romper com a linguagem do cinema clássico narrativo feito por Hollywood. No inicio de “O desprezo”, temos duas situações totalmente iconoclastas para o cinema de entretenimento: a primeira, os créditos não aparecem em letreiros, e sim, inteiramente narrados por uma voz.(Orson Welles viria a fazer o mesmo no final de “ O processo”). A segunda, vemos uma filmagem acontecendo, com uma atriz sendo filmada, uma câmera e uma equipe. De repente, a atriz sai de quadro, e a câmera corrige para o espectador, como se dissesse: “agora é você que nos interessa.” Depois, surge o texto: ”O cinema substitui o nosso mundo por um outro mundo em mais harmonia com os nossos desejos. Esse filme fala sobre esse mundo.”. O convite está feito. “O desprezo” é um filme sobre o Amor. O amor de um cineasta, Godard, pela sua nova musa, Brigitte Bardot (Godard teve Ana Karina como sua grande estrela, inclusive eram casados. Recém-separados, Godard faz uma provocação: em uma cena, Brigitte usa uma peruca preta corte Chanel igual ao de Ana Karina e entra em cena, como sendo a própria). Amor de Paul, personagem de Michel Picolli, por Camille, personagem de Brigitte. Amor do produtor Jeremy americano (Jack Palance) por Camille. O Amor do filme pelo cinema autoral. O Amor da câmera por Brigitte. O amor do Fotógrafo Raoul Cottard pelas locações deslumbrantes em Roma e Capri. O amor do compositor Georges Delerue pelo filme, compondo uma das trilhas mais lindas que você já ouviu. Tanto amor só poderia resultar em uma das obras-primas mais veneradas do cinema mundial. Até hoje, ele é comentado, muito por conta da sua discussão acerca do que é o Cinema e o seu propósito. ( Arte X Comercial). De uma forma bastante simplista, a história narra o convite feito a Paul, escritor de teatro, por Jeremy, para que ele reescreva o roteiro do filme “A odisséia”, de Homero, que estea sendo filmado pelo cineasta Fritz Lang, o próprio. Jeremy ficou puto com o material que Lang filmou, achando-o autoral demais, e quer que Paul torne tudo mais comercial. A partir do momento que Paul aceita o trabalho, a sua relação com sua esposa, Camille, vai se deteriorando. Cabe a ela, uma ex-datilógrafa, levantar a questão do porque Paul deve se envolver com um projeto que não é a cara dele. Jeremy acaba seduzindo Camille por duas razoes: uma, pela sua extrema sensualidade, e outra, para tirá-la do caminho de Paul e fazer com que ele aceite o trabalho. O cinema apresentado por Godard, em sua metalinguagem, é glamuroso, porem, cruel. Fritz Lang sofre nas mãos do produtor interpretado genialmente por Jack Palance. Ele representa tudo o que há de pior nesse universo: arrogante, galanteador, surtado. Em um determinado momento, ele diz a sua famosa frase:” Toda vez que ouço falar em cultura, saco o meu talão de cheques”. Outros momentos brilhantes de diálogos: Numa discussão entre Camille e Paul, ele comenta que acha feio ela proferir palavras vulgares, que não combinam com ela. Provocativa, ela começa a desfilar vários palavrões, e depois solta: “ E ai, continua achando que eu não combino com os palavrões?” Um personagem coadjuvante, mas hilário e que mostra esse universo louco que é o Cinema, é o de uma tradutora, aspirante a atriz: ela está sempre do lado traduzindo o inglês pro francês pro italiano e pro alemão. Os diálogos acabam sendo divertidos, idem as situações. Outro momento genial de diálogo, apesar de machista, proferido por Paul: durante uma filmagem, Paul assiste as atrizes tirando as roupas e ficando nuas. Ele comenta: “O cinema é maravilhoso: vemos mulheres e seus vestidos. Daí elas fazem cinema, vemos suas bundas.” Agora, o que realmente me impressionou, são os enquadramentos e as marcações de cenas feitos por Godard e por Raoul Cottard: sublimes, aproveitando ao máximo as locações. A cena ambientada nas escadarias e no terraço de uma casa suntuosa em Capri, com o mar ao fundo, é deslumbrante, inclusive virou cartaz de uma edição do festival de Cannes. Li que o produtor real do filme pediu para que Brigitte fosse escalada pro filme, e que Godard a mostrasse nua em vários momentos. Só de sacanagem, Godard enfiou filtros coloridos em sua nudez, tornand as cenas artísticas.

Corações gelados

"Dois amantes e um urso", de Kim Nguyen (2016) Dirigido e escrito pelo canadense Kim Nguyen, “Corações gelados” foi exibido na Quinzena dos realizadores em Cannes 2016. Kim Nguyen realizou um filme totalmente diferente do seu grande sucesso anterior, o drama “A feiticeira da guerra”, que foi indicado ao Oscar de filme estrangeiro em 2012. Ao invés de um Pais em guerra civil na África, “Dois amantes e um urso” mostra um outro tipo de guerra: a emocional, provocada por traumas do passado. O filme se passa no Polo Norte e acompanhamos a história de um jovem casal: Roman (Dane DeHaan, de “A cura” e “ Poder sem limites”), e Lucy (Tatiana Maslany, da série “Orphan black”). Ambos possuem uma tragédia familiar que eles procuram esquecer, sem sucesso. Lucy passou na Faculdade de biologia e precisa ir embora. Ramon reage mal `a noticia. Decidem então, que irão juntos para o Sul, porém seguindo as montanhas geladas, de carrinho motorizado. No caminho, são pegos por uma tempestade, e se isolam em uma base militar abandonada. O filme é uma mistura de gêneros: drama, romance, fantasia, suspense. Não diria que essa mescla ficou boa. Ficou meio estranha, principalmente com a aparição em cena de um grande urso polar que tem o dom de se comunicar com Roman. Sim, isso mesmo. Fora isso, o filme é bem arrastado, e a história do jovem casal nem é tão sedutora assim. Me lembrou até um pouco do filme com Juliette Binoche, “Ninguém deseja a noite”, onde ela também precisa se refugiar de uma tempestade de neve no Polo Norte. O grande atrativo do filme, além das belas locações e da fotografia, é o trabalho dos 2 atores, intensos dentro da proposta depressiva e esquizóide da história. Os efeitos também são ótimos, principalmente os referentes ao urso polar. Comercialmente, é um filme bastante arriscado, mas achei ótimo que ele foi realizado, provando que quando um cineasta possui o dom de produzir o seu projeto, ele consegue, mesmo que em circunstancias difíceis. Pelo menos lá fora.

sábado, 25 de fevereiro de 2017

Polaróides urbanas

“Polaroides urbanas”, de Miguel Falabella (2008) Adaptação cinematográfica da peça de grande sucesso escrito pelo próprio Falabella e protagonizado por Claudia Jimenez. A estrutura do texto foi adaptado para a tela grande: o que era um monólogo de Claudia interpretando cinco personagens, se transformou em personagens interpretados por 5 atrizes diferentes. O elenco é formado por grandes mulheres: Marilia Pera, Arlete Salles, Stela Miranda, Neusa Borges, Natalia do Valle e Jaqueline Lawrence, e em participações especiais, Berta Loran, Ingrid Guimaraes, Guida Vianna, além de jovens atrizes que estavam despontando, como Juliana Baroni e Roberta Gualda. No elenco masculino, Marcos Caruso, Otavio Augusto e começando na carreira, Marcelo Adnet e Alexandre Slaviero. Destaque para Nicholas Trevijano no papel do stripper. As cinco histórias se entrecruzam, naquele esquema de filme painel típico dos filmes de Robert Altman: temos uma mulher de classe média entediada com a vida ( Marilia Pera); uma psicóloga que tem uma filha depressiva ( Natalia do Valle; uma voluntária que trabalha em uma Ong contra suicídios (Stela Miranda); uma jovem que sonha em ser atriz mas joga a sua vira pelo ralo ( Juliana Baroni); a filha suicida da psicóloga ( Gualda), e a empregada da psicóloga (Neusa Borges). Todas essas histórias irão se entrecruzar, formando um registro tragicômico de mulheres de uma grande metrópole, sufocadas pela solidão, pela pressão que a vida e a profissão impõem nelas. Como se vê, muito de Almodovar pode ser visto no filme. Tanto nas histórias, como na fotografia, no figurino e maquiagem, além do tipo de humor histriônico próprio do humor latino. Falabella faz o seu debut cinematográfico acompanhado de uma equipe de primeira (Gustavo Hadba na fotografia, Marcelo Pies no figurino, Claudio Amaral Peixoto na Arte, Jorge Saldanha no som), justamente para não fazer feio. Na montagem, alguns momentos poderiam ter sido apertados, para ficar mais dinâmico. O filme pode não agradar a boa parte dos espectadores que esperavam rir com um humor mais próximo de programas como “ Sai de baixo” ou “ Toma lá da cá”. Mas a comédia do filme não é essa. Mesclando a poesia com tragédia e drama, o humor passa distante. O que vemos são personagens que querem reaprender a viver. E a vida, como todos sabemos, não e nada fácil. Mais lágrimas do que sorrisos. Falabella ousou nas cenas de nudez, e também em uma sacana cena de peep show com Nicholas se exibindo nu para vários clientes gays. Para quem é fa de Marilia Pera, o filme é um grande presente.

O pântano

"La ciénaga", de Lucrecia Martel (2001) Lançado em 2001, quando fez um grande alarde em vários Festivais importantes no mundo ( onde levou prêmios especiais em Berlin, Sundance, etc), “ O pântano”, revisto agora, não me provocou o mesmo impacto. Motivo: Foram tantos os cineastas que fizeram uso de seu estilo narrativo, que fiquei apático que nem os personagens do filme ( incluindo Selton Mello com o seu “Feliz Natal” fez uso do mesmo tipo de direção de arte ( a piscina cheia de folhas secas, a fotografia granulada e suja, a inquietação dos personagens). Mesmo assim, é inegável a importância de Martel para o cinema latino, mais especificamente a Argentina. Ela foi uma das responsáveis por botar a filmografia de volta para os grandes Festivais. Lucrecia trabalha bastante com a edição de som. Desde o inicio do filme, vemos personagens arrastando cadeiras metálicas na beira da piscina; ouvimos pedras de gelo batendo nos copos de vidro; telefones que tocam insistentemente. Os personagens são totalmente retraídos, letárgicos. Essa sensação de claustrofobia e tédio total é passado para o espectador, que também fica angustiado. Cenas que induzem a grandes tragédias ( a pescaria com facões no rio, os meninos com as armas vendo um boi se atolar no lamaçal) acabam dando em nada. Pois é isso que o filme quer falar no final das contas: tudo continua igual. A história narra a relação entre duas famílias em volta de uma mesma casa de campo decadente na Região de Salta ( lugar aonde nasceu Martel e aonde ela filmou quase todos os seus longas). Com predominância feminina, as duas famílias são numerosas: cada uma com 4 filhos. A família de Mecha (Graciela Borges) é mais abastada, mas nem por isso eles são os típicos burgueses. Relaxados, sujos, incestuosos, alcoólatras, inertes. Já a família de Tali (Mercedes Moran) já vem de uma linhagem de classe media. Elas são primas. Durante um acidente domestico onde Mecha se acidenta, as duas se reconectam. O filme vai sendo conduzido por vários sub-plots: a relação entre uma das filhas de Mecha, apaixonada pela empregada; uma irmã apaixonada pelo irmão, um menininho que tem obsessão pela morte; fosse no Brasil, todo mundo diria que tem um pouco de Nelson Rodrigues nisso tudo. O que interessa de verdade, é a forma como tudo isso é mostrado. A estilização do filme acaba falando mais alto. Fotografia escura, granulada. Direção de arte que apresenta os ambientes totalmente desoladores e decadentes. As pessoas sem maquiagem, enfim, um mundo muito feio e sujo. Aos atores, coube entrar nesse universo e se adaptar ao estilo estranho e sem vida dos personagens. Com certeza, Lucrecia trabalha com metáforas sobre a sociedade e a crise econômica pelo qual passava a Argentina na época. O contraste social entre as duas famílias ( a rica mal sai da cama; a pobre precisa atravessar a fronteira com a Bolivia para comprar material escolar mais barato). As crianças empunhando armas, como uma critica a violência que a Ditadura impôs a sua população. E um filme rico em simbolismos, e por isso vale sempre rever.

Belíssima

"Belíssima", de Luchino Visconti (1951) Obra-prima do neo-realismo italiano, foi o 3o filme dirigido por Luchino Visconti, que logo depois mudaria radicalmente a sua estética e faria filmes glamurosos retratando a burguesia decadente. Ate hoje, Visconti é referencia para o bom gosto na Direção de arte e figurinos, devido ao seu extremo apuro visual. Mas não é o caso de "Belíssima". Filmado em locações reais depois da 2a guerra ( essa era a cartilha do movimento Noe-realista), o filme apresenta a face mais cruel do mundo do entretenimento, no caso, o Cinema. Madalena é uma dona de casa que trabalha como enfermeira para ganhar um sustento. Ela, seu marido e sua filha pequena, Mara, vivem em um cortiço. O sonho deles é de se mudarem para uma casa própria. Eles moram próximo do famoso Estúdio Cinecittá, ao lado da casa deles tem o telão de cinema onde eles assistem filmes de graça. Madalena sonha com o mundo do glamour do cinema e deseja que sua filha seja atriz. Até que surge um concurso para escolher a protagonista mirim de um filme. Madalena faz de tudo para que sua filha seja a escolhida, mesmo que a menina seja contra a idéia. Com um roteiro primoroso de Cesare Zavattini ( que também escreveu "Ladroes de bicicleta", "Milagre em Milão"), "Belissíma" encanta e nos deixa muito triste pelo lado mais cruel do ser humano: a ganancia e a hpocrisia. Rodado boa parte nos Estudios da Cinecittá, o filme faz um raio-x do mundo do cinema. Atrizes que são obrigadas a mudar de fisionomia, diretores e produtores que riem dos atores durante o seu teste, aproveitadores, e principalmente, as mães das crianças mirins. Elas são as piores e retratadas fielmente aqui no filme ( incrivel que o filme, de 1951, já tivesse esse olhar sobre os pais que querem se dar bem através de seus filhos, algo muito comum hoje em dia.) O filme é repleto de cenas antológicas: a primeira aula de atuação de Maria, sua aula de balé, a cena da montadora explicando para Madalena porque abandonou o cinema, a cena de Madalena discutindo com o Diretor. O filme deve muito ao talento irrepreensível da Diva Anna Magnani, que com seu jeitão histrionico e viril, sustentou um tipo de personalidade que perdura até hoje. Basta ver Dona Herminia de Paulo Gustavo, é exatamente igual. A curiosidade do filme fica quando Madalena diz em determinado momento, que Burt Lancaster é um ator interessante. Ela viria a contracenar com ele 3 anos depois, no filme " A rosa tatuada", no qual ganharia seu Oscar de melhor atriz.

Contracorrente

"Contracorrente", de Max Gaggino (2013) Rodado com recursos próprios de 20 mil reais, "Contracorrente" foi dirigido pelo cineasta italiano radicado no Brasil ( mais precisamente, na Bahia) Max Gaggino, em 2013. Max ganhou um Kikito em 2015 pelo curta "Haram", que ele filmou com 5 mil reais. Adepto do cinema independente e barato, feito com amor, Gaggino realiza nesse seu longa algo que seria próximo de um filme que poderia ser intitulado "How to be a Baiano?", uma sátira ao "How to be a Carioca", espécie de manual de como se adaptar aos costumes de Salvador. Marco é um jovem italiano que mora em Genova, na Italia. De classe media baixa, ele mora com sua família e trabalha como lavador de louças em um restaurante, Cansado de tanta reclamação em sua casa e de sua namorada, Marco resolve abandonar tudo e vir pro Brasil, mais precisamente, Salvador ( ele ouviu de um casal de turistas de Salvador que ali é o lugar da felicidade). Chegando em Salvador, ele é enganado por um taxista, assaltado por pivetes negros e enrolado por tudo quanto é gente, até conhecer um jovem negro malandro, Neca (Leandro Rocha), que lhe ajuda, arrumando um lugar para ele ficar (pagando, claro). Marco começa a dar aulas de italiano e se apaixona por uma de suas alunas, Mariana (Laíse leal). O filme é bem simplório: realizado por voluntários que participaram das filmagens em Salvador e Genova, a parte técnica ( fotografia principalmente) deixa a desejar. Os enquadramentos também muitas vezes não ajudam ( excesso de contra-plonge na cena de Marco com o atendente de uma lanchonete acabam tornando monótona a relação dele com o dono da barraca). A trilha sonora parece ter saído de um filme nacional dos anos 80 que se passa na praia de Ipanema. O roteiro, co-escrito por Gaggino, é simples, repleto de clichês sobre o dia a dia de um turista estrangeiro que vai morar em algum litoral paradisíaco brasileiro. O que torna o filme simpático, é o carisma ingênuo do ator protagonista, Francesco Morotti, e a presença de atores baianos cheios de alegria, como é o caso de Leandro, Laise e a atriz que interpreta a mãe de Neca. Cheguei a rir varias vezes pelo total descompromisso do filme, com diálogos repletos de brasilidade e de situações ingénuas ( as piadas de que baiano é tudo preguiçoso, por ex, quando Marcos pede algo para um atendente de lanchonete e ele responde que não tem nada). Por fim, valeu a iniciativa do Cineasta de bancar com dinheiro próprio um filme que vale mais pela experiência de exercitar a linguagem do cinema, e as suas varias possibilidades inclusive de distribuição.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

A lei da noite

"Live by night", de Ben Afleck (2016) Enquanto eu assistia ao filme, 3 informações vinham na minha mente: 1) Ninguém tirava de mim que aquela voz off do Ben Afleck narrando o filme, não era a voz do Batman 2) Foi anunciado prejuízo de 240 milhões de reais com o filme. Pudera, direção de arte exagerada, figuração pra caralho, calhambeques a rodo nas cenas de rua... 3) Sienna Miller botou a boca no trombone que teve que ficar 9 horas fazendo cenas de sexo e que chorou logo após as filmagens..mas..cade as cenas de sexo? O que aparece no filme é um clip dela e Ben Affeck vestidos, simulando sexo com roupa em 3 cenários diferentes..nem sessão da tarde exibe mais cenas de sexo assim Bom, o filme, baseado em livro de Dennis Lehane, narra a historia de Joe (Afleck), ex-soldado americano que lutou na primeira guerra na Irlanda. Seu pai é um Policial em Boston. Ao voltar para lá, o Pais está tomado pela crise económica dos anos 20, e a bebida está proibida de ser comercializada. Vários grupos mafiosos surgem pelo Pais. Joe namora a amante de um gangster, Emma (Sienna Miller) e acaba gostando de fazer parte do crime. Quando ele planeja uma fuga com Emma, ele sofre uma emboscada do gangster e quase morre. Emma é dada como morta. Joe vai preso, acusado de matar 3 policias durante uma fuga. Anos depois, solto, ele acaba indo trabalhar para o grupo mafioso de um italiano, com a intenção de se vingar do gângster que quase o matou e matou a mulher que amava. Bom, a sinopse que eu narrei não é nem a terça parte do que acontece no filme. E esse é um dos principais problemas do roteiro: personagens demais, sub-plots demais ( Ku Klux Klan, jovem atriz que acaba se viciando e depois se torna pastora ( Elle Fanning), um sherife vingativo (Chris Cooper), uma cubana negra irmã de mafioso que se apaixona por Joe (Zoe Saldana) e muito mais. Fosse um seriado, poderia até ser mais interessante. Mas como filme, ele se torna arrastado, burocrático, sem alma e longo, bastante longo. Difícil simpatizar pelo filme, que nem é ruim, apenas não empolga. Talvez Ben Affleck tenha que começar a diminuir o ritmo de envolvimento em um seu próximo projeto: aquilo ele roteirizou, co-produziu, dirigiu e atuou.

Mamma Roma

Mamma Roma", de Pier Paolo Pasolini (1962) Filmado em 1962, com uma Italia ainda em reconstrução pós-Guerra, "Mamma Roma" é uma obra-prima que usa o nome da protagonista como metáfora para as agruras de um Pais em crise e com perspectivas de um futuro melhor. Também é uma critica feroz ao capitalismo que surgia impassível na Italia ( Pasolini era de esquerda e comunista). Anna Magnani faz aqui o seu debut com Pasolini, após ter ganho um Oscar por "A Rosa tatuada", em 1955. A sua personagem tem muito de Giuletta Masina, de "Noites de Cabiria", de Fellini. São prostitutas de bom coração, e que sonham com um futuro melhor. Assim, Mamma Roma economiza dinheiro para poder comprar um pequeno apartamento decente, uma barraca de feira e poder dar um futuro melhor ao seu filho Ettore (Ettore Garofolo, que Pasolini conheceu em um restaurante trabalhando como garçon). No entanto, Ettore contradiz todos os sonhos de sua mãe: nao quer estudar, nem trabalhar, e só pensa em vadiar e roubar na rua com os seus colegas. Mamma Roma faz de tudo para tentar reverter a tragédia eminente que paira sobre seu filho, inclusive sendo chantageada pelo seu antigo cafetão, que exige que ela retorne para as ruas para sustentá-lo. Anna Magnani é daquelas atrizes eternas que sempre que revemos uma interpretação em algum filme, lembramos de muitas outras atrizes que fizeram homenagem ao seu tipo histriónico, pulsante e forte. Extraordinária no papel principal, alternando momentos de alegria, lúdico e melancolia, Mamma Roma de Anna Magnani está no rol dos grandes personagens da história do cinema. Pasolini colocou não-atores para contracenarem com ela, uma prática comum em quase todos os seus filmes. Pasolini dizia que não gostava de escalar atores burgueses para interpretar gente do povo, e ai escalava não atores advindos da classe operaria e proletariado. O jovem Ettore Garofolo está impressionante no seu personagem: a câmera é apaixonada por ele, e em suas cenas, o seu carisma e fotogenia impressionam. O filme possui várias cenas antológicas, entre elas a de Mamma Roma ensinando o seu filho a dançar, o seu passeio de moto com o filho e a cena final do menino " crucificado". Fotografia do grande Mestre Tonino Delli Colli, dos filmes de Sergio Leoni e de "A vida é bela", de Robert Begnini. O filme tem 2 Planos-sequencias filmados d enoite, e fico imaginando como na epoca, com aquela camera pesada, era possível fazer um travelling out de mais de 5 minutos sem corte, acompanhando os personagens andando pela rua.

Um gato de rua chamado Bob

"A street cat named Bob", de Roger Spottiswoode (2016) Filme baseado na série de livros best-sellers do gato Bob e seu dono e amigo James Bowen. Interessante ver a mudança de trajetória do cineasta Roger Spottiswoode, que nos anos 80 e 90 dirigiu blockbusters de ação com James Bond, Schwarzenegger, Mel Gibson, entre outros. O filme se baseia na história de James Bowen: expulso de sua casa pelo pai, James vai morar nas ruas de Londres. Para poder sobreviver, ele canta com o seu violão nas ruas. No entanto, o dinheiro que ele ganha, ele gasta com Heroina. James faz um tratamento acompanhado por uma psicóloga, Val. Sabendo das dificuldades de James, Val consegue um apoio de um apartamento na periferia para quem está no programa de abstinência química. Ao se mudar para o apartamento, James encontra um gato ruivo que invade o local. Logo, ambos se afeiçoam. A vizinha Betty se torna sua amiga, e ela dá o nome pro gato de Bob. James leva Bob para as suas cantorias na rua, e acaba fazendo sucesso com os passantes, até que um dia uma redatora de uma editora de livros lhe faz um convite para escrever um livro. O mais curioso no filme, é que o gato usado para a filmagem é o próprio Bob. Grande e bonito, é impossível para quem gosta de animais não ficar apaixonado pelo bichano. Tranquilo, exuberante, dono de si, ele tem um carisma gigantesco que conquista a todos. Outro ponto forte do filme é o excelente trabalho de todo o elenco, desde a performance de Luke Treadaway, no papel de James, dando vida a um papel extremamente dificil que é o de um viciado em heroína e ao mesmo tempo de bom coração. Tem também Ruta Gedmintas no ótimo papel de Betty, e Joanne Froggatt no papel da psicologa Val. O elenco de apoio também consta com aqueles ótimos atores ingleses que estamos acostumados em ver nos filmes. O filme é vendido como comédia dramática, mas ele é bem puxado para o drama. Como o tema do vicio de drogas é bastante forte no filme, inclusive com cenas de uso, o filme provavelmente deve ter ganho um certificado de censura alto, o que inviabilizou que ele fosse visto por crianças, o que é uma pena. Não é um filme colorido, apesar do animal, e sim, ele faz uso de cores escuras para dar um tom sombrio e dark na pesada historia de James. Que bom que no final tudo dá certo na vida dele, mas até lá fica uma aflição enorme.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

A excêntrica família de Antonia

"Antonia", de Marleen Gorris (1995) Filme holandês vencedor do Oscar de filme estrangeiro em 1995, é uma linda e comovente fábula sobre uma família apresentada por 5 gerações, todas capitaneadas pela força de Antonia, uma mulher forte e determinada, que não se deixa abater por nenhum homem e nenhuma circunstancia trágica. O filme começa com Antonia idosa dizendo que vai morrer. Logo voltamos na história para contar quem é Antonia. Após o fim da 2a guerra, Antonia retorna para a fazenda de sua mas, junto de sua filha, Danielle. Sua mãe está doente e senil, e acaba morrendo. Cuidando sozinha da família junto de sua filha, aos poucos vão surgindo pessoas que irão se incorporando ao seu dia a dia. Moradores excêntricos, que habitam a pequena cidade: um padre tarado, uma mulher que uiva nas noites de lua cheia procurando pelo seu amor, um casal de doentes mentais que se apaixonam, um filosofo depressivo que pensa em suicídio. Danielle ainda tem o dom de enxergar as coisas de uma forma lúdica, imaginando mortos que ressuscitam, estatuas que se mexem, etc A cineasta Marleen Gorris também escreveu o roteiro, e pelo tom do filme, deve ser auto-biográfico. O filme é todo narrado pela bisneta de Antonia. Mesclando muito bem o surrealismo com a forte dramaticidade da história, o filme lembra o tom de realismo fantástico de filmes como " Como agua para chocolate" e " A casa dos espirito". Ótima fotografia, trilha sonora envolvente e mágica, e um trabalho excelente de todo o elenco. Fora isso, a maquiagem discreta, que vai marcando aos poucos a passagem de tempo dos atores, sem ficar aquelas próteses horrorosas. E' um filme com forte tom feminista, que de certa forma mostra os homens ou meio infantis, ou vilanescos, ou meio bobões. As mulheres são em sua maioria fortes e perseverantes, dando a volta por cima.. O filme discute como tema principal a aceitação da morte, que ou vem de forma trágica, ou natural, ou corriqueira.

A grande muralha

"The great wall", de Zhang Yimou (2016) Fantasia de ação ambientada em uma época incerta. Quando eu li a respeito do filme, anos atrás, achei que seria um drama sobre a construção da Grande Muralha e a invasão dos Mongóis. Ai surgiu o trailer e vi que tinham uns monstros, e além deles, Matt Damon. Achei estranho. Depois te ter assistido ao filme, continuo achando tudo muito estranho. Não que eu não tenha gostado do filme. Valeu a sessão da tarde. Mas misturar um fato histórico ( Grande muralha) com monstros, me pareceu algo bem doido. Tinha horas que eu achava que estava vendo "Game of Thrones" Vs " "Guerra mundial Z". Explico: O visual dos guerreiros, as armas e a presença de Oberyn Martell, digo Pablo Pascal no elenco. Fora isso, o exagero visual dos milhares de monstros me lembravam os zumbis do filme de Brad Pitt, que vinham em hordas. Adoro o Cineasta Zhang Yimou, que em seus filmes de ação é mega chegado em exageros, mas aqui ele exacerbou em tudo. O filme visualmente é um escândalo: os balões, as cenas de batalha, a direção de arte, tudo. Mas o roteiro é fraco. Tudo muito obvio, a presença sem assunto de Willen Dafoe, totalmente deslocado em papel de vilão. Matt Damon está super no automático, e a grita geral dos politicamente correto e que precisou chegar um homem branco pra dar conta da situação, pois um exercito de milhares de soldados chineses não deu conta. Bom, se levarmos em conta que o filme é de mercado, e que Damon é a grande estrela do filme....nada me surpreende.

Quase 18

"The edge of seventeen", de Kelly Fremon Craig(2016) Longa de estréia da cineasta americana independente Kelly Fremon Craig, que também escreveu o roteiro, é o que os críticos chamam de "Coming of age", um gênero sobre o desabrochar emocional de um adolescente. Vencedor de prêmios em Festivais independentes nos Estados Unidos, o filme, erroneamente vendido como comedia, é um drama acri-doce sobre uma adolescente, Nadine (Hailee Steinfeld, indicada ao Oscar em 2010 por "Bravura indomita"), que sofre bullying na escola desde criança, e que também tem péssima relação com seu irmão mais velho e a sua mãe, por achar que ela somente o protege. A sua única ponte para a vida segura são seu pai e Krista, uma amiga da escola. Seu pai morre quando ela faz 13 anos. Aos 17, ela continua em crise, que só se agrava quando ela descobre que krista está namorando o seu irmão mais velho, Darian (Blake Jenner, de "Glee" e "Jovens, loucos e mais rebeldes"). Com excelente atuação de todo o elenco, "Quase 18" tem um roteiro que, apesar de conter elementos já conhecidos em outros filmes sobre aborrecentes, funciona muito bem com os personagens construídos por Kelly Fremon Craig. Hailee Steinfeld interpreta um personagem bastante difícil: insuportável ao extremo, chata e arrogante, ela precisa conquistar o espectador para não correr o risco de perder o seu carisma. Mas isso ela consegue logo de cara, pois o drama de seu personagem com certeza já fez parte de todo mundo, com maior ou menor grau. Quem nunca pensou em fugir de casa? A diretora Kelly Fremon Craig surpreendente ao entregar um filme redondo, sendo esse seu filme de estréia. A trilha sonora é repleta de hits dos anos 80 (Spandau Ballet) e de pop independente. O final é super bacaninha, lembrando até aquele clima gostoso de "Clube dos cinco". Destaque também para a participação de Woody Harrelson no papel de um professor meio desajustado de Nadine. Ele sempre funciona super bem nesses tipos amalucados.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Más notícias para o Sr Mars

"Des nouvelles de la planète Mars", de Dominik Moll (2016) O cineasta alemão radicado na Franca Dominik Moll, é mais conhecido por seus filmes de suspense, entre eles, " O monge", "Harry o amigo que veio para ficar" e "Lemming". Agora com "Más notícias para o Sr Mars", Domink Moll experimenta um gênero novo: a comedia de humor negro. Exibido em Berlin em 2016, o filme acompanha o dia a dia de Philippe Mars ( o excelente ator belga François Damien, de "A família Bellier" e " O novíssimo testamento"), que interpreta um homem divorciado e pai de 2 filhos adolescentes que moram com ele. Mars é o tipo de bom coração, incapaz de dizer não para alguém. De repente, a vida de Mars vira um caos: seu filho decide ser vegano e se mete com terroristas que querem explodir uma granja; sua filha é uma psicótica workhaholick; o seu patrão e seu colega de trabalho surtam; sua irmã viaja para outro pais e lhe deixa um cachorro irritante para ele tomar conta; isso sem contar com as outras inúmeras situações que vão acontecendo em sua vida, que fazem com que Mars esteja a um passo de explodir. O filme tem alguns bons momentos, mas no geral ele não chega a ser tão divertido como parecia ser. O ritmo é arrastado, e o excesso de personagens mau humorados e losers acaba tirando muito da forca do filme, correndo o risco de ficar sem carisma. O maior atrativo acaba sendo o elenco, em especial, além de François Damien, o talento de Vincent Macaigne, no papel de Jerome, um personagem difícil e irritante. Vincent esteve recente no filme dirigido por Louis Garrel, "Dois amigos", em um papel bem divertido. O filme apela para uns momentos de fantasia, quando Mars se vê seu pais dando conselhos para ele ( eles ja morreram). Esse elemento fantástico parece totalmente deslocado da narrativa do filme.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Muitos homens num só

"Muitos homens num só", de Mini Kerti (2014) Filme de estréia da diretora de comerciais Mini Kerti, faturou no Festival Cine Pe de 2014 10 prêmios, entre eles, Melhor filme, Ator, Atriz e Direção, além do Premio do Juri Popular. Lançado no circuito, no entanto, o filme não seduziu o publico, ficando com uma bilheteria fraca para o seu potencial. Misturando drama, policial e melodrama romântico, o filme é baseado no livro de Joao do Rio, intitulado "Memórias de um rato de Hotel". No inicio do Sex XX, no Rio de Janeiro, Arthur Antunes Maciel era um ladrão inteligente e sedutor que roubava os pertences de hospedes de hotéis. Filho de família rica do Sul, ele foi expulso de casa e encontrou no latrocínio a forma para poder se sustentar. Com várias identidades, Arthur (Vladimir Brichta) acaba se apaixonado por Eva (Alice Braga), casada com Jorge (Pedro Bricio), um politico mau caráter e machista. Paralelo, o detetive policial Felix Pacheco (Caio Blat) está no encalço de Arthur, mas não faz idéia de como ele é. Com excelente técnica ( fotografia, direção de arte, maquiagem, figurino) o filme segue em ritmo de novela, cheia de reviravoltas recambolescas que fazem o anti-herói Arthur fugir de um lado pro outro. O charme do filme está no carisma do casal principal, e na galhardice do personagem de Pedro Bricio, um pilantra da pior espécie. O ritmo do filme, no entanto, segue lento. Fazer filmes de época hoje em dia no Brasil é algo bem arriscado, o publico parece que só vai assistir se for novela. O elenco de apoio é ótimo: Roberto Birindelli, Cesar Troncoso, Alejandro Claveaux, Silvio Guindane, entre outros. Confesso que durante todo o filme, só me lembrava de "Ladrão de casaca", do Hitchcock.

Eu não sou seu negro

"I'm not your negro", de Raoul Peck (2016) Dirigido pelo documentarista haitiano radicado nos Estados Unidos Raoul Peck, baseado no livro não acabado do escritor e pensador americano James Baldwin, que veio a falecer em 1987. Em 1979, Baldwin ofereceu ao seu agente um livro chamado "Remember this house", mas que acabou tendo apenas 30 páginas manuscritas. Ousada, a obra tinha a intenção de narrar a História do povo americano através da vida de 3 lideres dos direitos civis negros dos anos 60:Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King. Ironia do destino, James Baldwin, que era amigo dos 3, vivenciou o assassinato de todos eles, que morreram jovens com menos de 40 anos de idade. Narrado com uma assombrosa voz de Samuel L Jackson, que parece elevar as palavras e colocar o espectador num lugar chamado"sublime", o filme mistura imagens de arquivo, fotos históricas e entrevistas com James Baldwin durante programas de tv dos anos 60. Assistir ao filme e ouvir o que é dito pelo texto escrito por Baldwin equivale a punhaladas no coração. Mais de 40 anos se passaram, e a condição da população negra nos Estados Unidos continua exatamente igual. Baldwin também escreveu resenhas sobre os filmes americanos e como os grandes clássicos representavam as minorias ( negros, Indios) sempre como vilões e deixados de lado, destroçados pela supremacia branca. Fotos e imagens de época mostrando a fúria do americano branco que não aceitava a miscigenação das raças dentro das escolas, e campanhas publicitarias grotescamente preconceituosas, fazem parte do cardápio que o filme oferece. Com certeza, um dos melhores documentários que já vi, mas com um porém que eu assumo que não gostei: Baldwin desdenha ferozmente de Doris Day no filme. Eu sou fã dela, desde os filmes de Hitchcock ou das comédias românticas com Rock Hudson, e ela não merecia estar no meio desse tiroteio todo. Curioso notar em determinado momento do filme, quando se abrem os arquivos do FBI, que a agencia americana investigava os passos de Baldwin e o consideraram uma pessoa perigosa para a nacao. Porque? Além da capacidade que ele tinha de liderar o movimento negro, ele também suspeito de ser homossexual. Ou seja, preconceito duplo do governo americano.

Cut Snake

"Cut snake", de Tony Ayres (2014) Ousado thriler policial australiano, que mostra os 2 bandidos protagonistas apaixonados entre si. Sparra (Alex Russel, de "Poder sem limites") é um ex-presidiário que está prestes a se casar com Paula. Ele esconde dela o seu passado criminoso. Um dia porém, Pommie, seu colega de cela, volta para cobrar de Sparra 2 promessas feitas na prisão: a de continuarem no mundo do crime, e a de viverem juntos. Incrível como esse filme lançado em 2014 e que rodou mundo em vários Festivais (inclusive o Tiff do Canada) nunca deu as caras por aqui. Com ótima direção e um roteiro cheio de reviravoltas, no final das contas o filme é um romance sobre um amor bandido Lgbts. Sullivan Stapleton, que atuou em "Reino animal", lembra bastante Jason Statham misturado com Gerard Butler. Muita boa as performances dele e de Alex, que fizeram uma dupla intensa em todas as cenas. A cena de amor entre os dois foi muito bem filmada, com bom gosto e poderia fácil ter caído no grotesco. Na trilha sonora, uma coletânea de hits funk soul dos anos 70 ( o filme se passa em 1974), e a direção de arte, figurino e maquiagem são ótimos. Um belo filme para conferir.

domingo, 19 de fevereiro de 2017

Persona

"Persona", de Ingmar Bergman (1966) Um dos filmes mais enigmáticos da história do cinema, "Persona" ganhou um sub-titulo infeliz aqui no Brasil, provavelmente por motivos mercadológicos:"Quando duas mulheres pecam". Quem assistir ao filme, vai ver que esse titulo não tem nada a ver com o contexto da narrativa. Bergman escreveu o roteiro de "persona" quando estava internado em um hospital, convalescendo de uma forte pneumonia. Essa crise criativa por não poder estar dirigindo acabou sendo transposta para o personagem de Liv Ulmann, Elisabeth Vogler. Ela, uma atriz com carreira brilhante, que subitamente fica muda durante uma apresentação da tragédia grega "Electra", interpretando a personagem-titulo. Internada em uma clinica psiquiátrica, a médica chefe entende que essa mudez seria uma forma de contestação de Elisabeth perante a sua profissão, cansada de interpretar varias "Personas" e em busca de conhecer quem ela realmente é. A medica encaminha a sua enfermeira, Alma (Bibi Andersson) para acompanhar Elisabeth por um período de descanso em sua casa de praia. No entanto, a aproximação dessas duas mulheres, uma falante ( a enfermeira) e a outra muda( a atriz) acaba provocando distúrbios de personalidades. Uma dos elementos mais brilhantes na historia metafórica de Bergman, é a inversão dos papéis. A atriz, muda, se torna a analisanda, e a enfermeira, que revela para a atriz os seus segredos mais sombrios, se torna a paciente. Eu adoraria entender de psicanálise para poder me aprofundar em tantos signos que o filme nos apresenta, mas acredito que cada espectador possa fazer a sua própria interpretação, sem ter que ser um especialista ou estudioso da área medica. O filme começa com um pequeno curta experimental, repleto de imagens que falam da gênese da criação do cinema, desde o funcionamento de uma câmera, até imagens de filme mudo, passando por imagens eróticas ( um close em um penis ereto!!), corpos de idosos mortos em uma mortuária e para finalizar, um garoto ( o filho de Elisabeth) que ressuscita e toca a imagem de sua mãe projetada na parede. Aí sim, o filme começa. Outra subversão estilística acontece no meio do filme, quando o filme simplesmente "queima", e recomeça a história, dessa vez com as personagens já transformadas. E no final, quando vemos uma imagem de Bergman dirigindo e do seu fotógrafo Sven Nykvst empunhando a câmera, seria o caso de achar que a vida é toda uma farsa, segundo uma teoria de Bergman? Seríamos todos personagens, empunhando máscaras (personas) ao nosso bel prazer? Um filme que até hoje arrebata pela sua inventividade, modernidade e perfeccionismo técnico. A fotografia escandalosa de Sven Nykvst, e a interpretação feroz e absurda dessas duas atrizes brilhantes ( Liv Ullman começou aqui sua parceria com Bergman, inclusive tendo um caso com ele durante as filmagens. Bibi Andersson era sua mulher até então. O monólogo que Alma faz, relatando a sua aventura sexual para Elisabeth, é impressionante O espectador consegue visualizar a cena só pela sua narração. E a brilhante direção e montagem já no final, com um monólogo de Alma falando sobre o aborto do filho de Elisabeth, filmado duas vezes: uma apenas em Alma, outra apenas em Elisabeth. Essa foi a segunda vez que Bergman filmou na Ilha de Faro ( a primeira foi em seu filme anterior, "Através dos espelhos". A partir dai, ele veio sempre a filmar, inclusive morando na Ilha. Obrigatório para estudantes de Cinema e para Atores.

A mulher do lado

"La femme d'à côté", de Francois Truffaut (1981) Rever um filme de Truffaut deveria ser uma obrigação para Cinéfilos e estudantes de cinema. Entender a sua filmografia, as histórias que ele conta, o seu trabalho de direção de atores e sua mais que alardeada paixão pelo Cinema. "A mulher do lado", assim como em quase todos os filmes românticos de Truffaut, é uma historia de amor trágica. Truffaut raramente permite que os apaixonados tenham um final feliz. Assim como o personagem de Gerard Depardieu fala aqui no filme, "Toda historia de amor tem inicio, meio e fim". Com essa premissa, contamos a história de Mathilde (Fanny Ardant, mulher de Truffaut na época) e Bernard (Gerard Depardieu). Eles foram amantes a 8 anos atrás, mas o temperamento violento e ciumento de ambos os afastou. Agora, o destino os aproxima de novo. Cada um deles casado e com filho. Mathilde se muda com seu marido e filho para uma casa e ela descobre que quem mora ali é Bernard. Logo, eles marcam encontro amorosos, que vão se tornando cada vez mais doentios e destrutivos para ambos. O filme começa com a narração de uma das personagens, Odile, uma senhora dona de um clube de tênis e ela também sofrendo por amor. As cenas são marcadas com extrema elegância por Truffaut, que teve ajuda importantíssima na fotografia de William Lubtchansky e na trilha sonora de George Delerue. Com isso, o filme ganha um status dos grandes melodramas Hollywoodianos dos anos 50, principalmente os filmes de Douglas Sirk e os suspenses românticos de Hitchcock, de quem Truffaut é fã confesso. O roteiro, primoroso, deveria ser comprado por um casal de atores e montar urgente essa adaptação cinematográfica. E' ouro. Agora, sem querer ser cruel mas já sendo: há exatos 36 anos atrás, Gerard Depardieu era um galã absoluto da França. Como o tempo, ou ele mesmo, lhe fizeram mal danado.

Room 8

"Room 8", de James W Griffith (2013) Curta vencedor do Premio de melhor filme no Bafta 2013, é uma divertida fantasia que faz lembrar bastante da série " Alem da imaginação" e até mesmo " Black Mirror". A grande vantagem é que ele só tem 6 minutos de duração. Na Russia, um prisioneiro britânico é trancado dentro da cela numero 8, onde já existe um outro preso britânico dentro. Ao entrar, o novo preso encontra uma caixa vermelha. Ele pergunta para o colega o que é a caixa. O homem pede para que ele não abra. Mas a curiosidade... Bem dirigido, com ótimos efeitos de computação gráfica e o desejo de que essa caixa existisse de verdade para resolver muitos problemas no mundo. https://vimeo.com/64878402

Fragmentado

"Split", de M. Night Shyamalan (2017) O Cineasta M. Night Shyamalan teve seus momentos de glória, inferno e o retorno para a glória, exatamente nessa ordem. Graças ao sucesso de seu filme anterior, "A visita", e agora com esse "Fragmentado", Shayamalan deu as coordenadas de como fazer filmes baratos renderem muito. "Fragmentado" custou 9 milhões de dólares, e já rendeu atee agora mais de 123 milhões de dólares. O Sucesso? A eterna fórmula do "Twist", aquela virada que pega a todos os espectadores de surpresa no final, e que todo mundo adora. A bem da verdade, a maior virada aqui acontece depois dos créditos finais, mas nenhuma pessoa na face da Terra será capaz de comentar o que acontece, correndo o maior risco do mundo de provocar um mega spoiler. Uma pena, pois suscitaria uma discussão bem grande entre os fãs do cineasta indiano. Muito pouco pode se falar sobre o filme. Somos apresentados a 3 garotas, que logo no inicio são raptadas por um sequestrador, que as prende em uma espécie de cativeiro subterrâneo. Logo, apavoradas, elas descobrem que e' esse homem: Kevin (James McAvoy, genial) é um homem que sofre de múltiplas personalidades. Dentro de sua mente, existem 23 diferentes tipos de pessoas, mudando de gênero e idade. O que as apavora, é que uma 24a personalidade está para surgir. Direção segura de Shayamalan, que na parte final deixa o espectador com o coração na boca, nos preparando durante toda a trajetória para o que virá. As meninas não são tão boas atrizes, mas como o filme esta todo em McAvoy, a gente releva. Fotografia merecedora de nota especial, a cargo de Mike Gioulakis, que realizou o excelente " A corrente do mal". Iluminando o subterrâneo com sombras e luzes amarelas, Mike Gioulakis cria tensão nas suas cores, praticamente criando uma luz para cada personalidade de Kevin.

Vida, animada

"Life, animated", de Roger Ross Williams (2016) Assistir a esse documentário indicado ao Oscar da categoria é de cortar o coração. Curiosamente, ele me lembrou bastante de outro documentário premiado, também indicado ao Oscar ( só que em 2016) , e igualmente laureado em Sundance:"A família Lobo". Em ambos os filmes, as historias giram em torno de jovens autistas que cresceram vendo filmes e se projetando nas cenas e nos personagens para criarem o seu próprio Universo. Owen Suskind é um rapaz de 23 anos. Aos 3 anos, ele foi diagnosticado como autista. Isso foi em 1993. Seu pai, Ron, é um jornalista do Wall Street Journal. Sua mãe Cornelia, dona de casa. O casal tinha um filho 3 mais velho, Walter. Todos eles tentaram trazer Owen de volta para o mundo, mas foi impossível. Cada vez mais, Owen se afastava deles e se fechava em sue próprio mundo. Até que um dia, os pais perceberam que Owen poderia se comunicar através dos diálogos e dos personagens da Disney. A partir dai, toda a terapia de Owen veio através dos desenhos da Disney. O desafio agora, já crescido, é fazer com que Owen adquira independência ( uma grande preocupação dos pais é deles morrerem e Owen ficar dependente). Pior ainda, é a situação de Walter: em um comovente depoimento, ele sabe que um dia, terea que cuidar sozinho dos pais idosos e de Owen, e quando seus pais partirem, será somente ele para cuidar do irmão. O cineasta Roger Ross Williams produziu o filme. Ele é um dos raros cineastas negros no gênero documentário, e provavelmente um dos poucos a serem indicados ao Oscar sem usar como tema a questão racial. Para quem odeia o Universo da Disney, provavelmente abominará esse filme, achando um absurdo imperialista e defendendo a lavagem cerebral que os filmes fazem nas crianças. Outros, como eu, que cresceram vendo essas animações, e alem de tudo, que somos cinéfilos, verão um grande valor no filme. Não só a emoção óbvia do tema, como na elevação e na superação que os personagens dessa bela história promovem ao espectador. O filme é repleto de cenas das animações da Disney, o que fará a alegria de todos os fãs. Sugiro aos atores assistirem ao filme e observarem o trabalho de corpo e voz dos personagens autistas, é um laboratório extraordinário. O filme ganhou em Sundance o Premio de Melhor direção em documentário.

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Minha vida de abobrinha

"Ma vie de Courgette", de Claude Barras (2016) Co-produção Suiço/Francesa, "Minha vida de Abobrinha" tem elementos visuais de um desenho de animação para crianças, no caso stop motion. Mas o seu conteúdo é mais apropriado para os adultos. O Motivo? O filme fala sobre crianças abandonadas pelos pais pelos motivos mais violentos possíveis: suicido, assassinato, abandono, latrocínio, etc. Abobrinha é um menino de 9 anos que mora com a sua mãe alcoólatra. Um dia, sem querer, Abobrinha provoca um acidente que causa a morte dela. Orfão, Abobrinha é levado por um Policial de bom coração ate um orfanato, onde ele fará contato com outras crianças que sofreram histórias de tragédia familiar. dessas crianças, Simon recebe Abobrinha com receio, e para isso, provoca Bullying no recém-chegado. Abobrinha tenta entender tudo o que está se passando em sua vida, até que um dia, chega Camiile, uma nova menina. Comovente, impiedoso, trágico e muito, muito cinza, esse desenho fará os adultos refletirem bastante sobre a sua relação com as crianças, principalmente se forem filhos. O filme é repleto de cenas antológicas, mas a que mais amo é a cena das crianças dançando musica eletrônica, é lindo e ao mesmo tempo, libertador. As vozes originais são encantadoras. Um filme que mostra o contraste da animação "bonitinha' poreem extremamente depressivo por dentro. Imperdível. Foi indicado ao Oscar de filme de animação, além de ter ganho outros prêmios e ter competido em Cannes na Mostra Quinzena dos realizadores. O titulo induz ao sueco " Minha vida de cachorro", que acredito, tenha sido uma inspiração, pois como esse aqui, mostra o mundo pelo ponto de vista de uma criança.

A passageira

"Magallanes", de Salvador del Solar (2015) Impressionante primeiro filme dirigido e escrito pelo Ator peruano Salvador del Solar. Vencedor de vários prêmios internacionais, é um doloroso e furioso drama sobre vitimas e algozes da ditadura militar no Peru. Magallanes ( o fenomenal Damián Alcázar) é um taxista que para aumentar sua renda, cuida de um ex-coronel da época da ditadura, agora doente com Alzheimer. Um dia, Magallanes reconhece uma jovem passageira que ele pega em um bairro pobre de Lima. Ela é Celina, com um passado tenebroso que une Magallanes, o Coronel e a Ditadura. Com atuações fenomenais tanto de Damián Alcázar quanto de Magaly Solier ( atriz de " A teta assustada"), e um filme que discute culpa, mentira e principalmente, memória. Através da metáfora do Coronel que sofre de Alzheimer, o filme quer discutir se é melhor esconder ou crimes do passado ou colocá-los a tona. Direção impecável, trilha sonora e fotografia soberbos. Um filme excepcional, que mistura drama e thriller de suspense. Nota: trabalho digno de nota de todo o elenco de apoio e da figuração, principalmente na cena que acontece na U-Life. Brilhantes talentos.

Em busca do vale encantado

"The land before time", de Don Bluth (1988) Quem viu esse filme na época em que foi lançado, em 1988, com certeza lembra de ter chorado muito no inicio e no final do desenho. Produzido por Steven Spielberg e George Lucas, tem todos os elementos que caracterizam o universo desses 2 panteões do cinema lúdico: redenção, separação de entes queridos, valentia, amizade e superação. Não tem como negar que " A era do gelo" chupou muito desse filme.Don Bluth, que havia acabado de lançar o excelente e emocionante "Fievel, um conto americano", dirigiu esse verdadeiro clássico da animação, diferente dos filmes da Disney por mostrar o tema da morte algo muito presente na vida do personagem. Em 2015, a Disney lançou "O bom dinossauro", que lembra em tudo esse filme ( parece mesmo uma refilmagem, ao invés da mãe, morre o pai), mas erraram enormemente na dose: ficou violento e assustador. LIttlefoot é um pequeno brontossauro que é amado por sua mãe e seus avós. Sua mãe sempre lhe disse que eles estão a caminho do vale encantado, um lugar aonde todos os dinossauros serão felizes e onde há comida para todos os herbívoros. Um dia, um tiranossauro faminto ataca Littlefoot, mas sua mãe o salva. Ela fica ferida e durante um terremoto, acaba morrendo. Afastado de seus avós, e em luto pela morte da mãe, Littlefoot tenta encontrar o Vale encantado. Para isso, contará com a ajuda de quatro amigos que encontra no caminho. A nota triste do elenco que dublou o filme original é que a atriz mirim que dublou Ducky, Judith Barsi, foi assassinada pelo seu pai aos 10 anos de idade. O filme ainda hoje, mesmo sem os apelos da tecnologia, funciona, pois os elementos dramatúrgicos que ele trabalha e o ritmo dinâmico da historia seduzirão com certeza a criançada. A cena onde Littlefoot reclama com um dinossauro mais velho sobre a maldade de sua mãe em abandonar ele ( na verdade, ela morreu, mas ele não entende isso) é brilhante em direção e em diálogos. A trilha sonora, épica, ficou a cargo de James Horner, de "Titanic". Obrigatório e imperdível.Obrigatório e imperdível. Link original em inglês. https://drive.google.com/file/d/0B9oczmZWUjntS3B2NUxJeERTZHc/view

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Frantz

"Frantz", de François Ozon (2016) Eu sempre fui um grande admirador da filmografia de Ozon, um dos cineastas mais audaciosos e ecléticos da cinematografia francesa. Ele tanto pode dirigir um drama, quanto comedia, musical, sátira, fantasia. Sempre com elegância e glamour. Em "Frantz", Ozon dá voz ao melodrama. Refilmagem do clássico de Ernst Lubitsch de 1931, "Não matarás", o filme é ambientado no final da primeira guerra mundial. Na Alemanha, uma jovem viúva, Anna, leva diariamente flores ao túmulo do seu marido, Frantz, morto em combate. Um dia, ela encontra outras flores no túmulo de Frantz, e descobre que quem está deixando é um jovem frances, Adrien. Os sogros de Frantz ao descobrirem a existencia de Adrien o expulsam, ao contrário de Anna, que tenta entender o porque dele deixar flores no túmulo. Logo ela descobre que ele e Frantz eram grandes amigos em Paris, mas que na eclosao da guerra, se tornaram inimigos. Diferente da versao de Ernst Lubitsch, Ozon apimenta esse triangulo amoroso deixando no ar uma suposta relacao homossexual entre Frantz e Adrien. Por vezes, me lembrei de "Jules e Jim", de Truffaut, que tambem fala de um triangulo entre um frances, um alemao e uma francesa. Esse é o grande tema do filme, que também fala sobre culpa. Uma culpa tao violenta e avassaladora, que leva personagens a tentarem suicido. O filme eclode em melodrama, daqueles bem novelescos, mas sob a batuta de Ozon, tudo fica elegante. Ele é um grande esteta e eximio diretor de atores, aqui trabalhando com um elenco frances e alemao. Pierre Niney, que interpreta Adrien, tem aquela estranheza de Adrien Brody: nem feio nem bonito. Paula Beer também é uma ótima revelacao da Alemanha. Sao 2 jovens e talentosos atores que espero ver mais vezes em producoes europeias.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

A cura

"Cure for wellness", de Gore Verbinski (2017) Fantasia de terror dirigido e co- escrito por Gore Verbinski, famoso por dirigir "Piratas do Caribe", " O chamado" e a animação"Rango". Misture no mesmo filme "A ilha do medo", " O iluminado", " Frankenstein" e mais alguns filmes que não posso citar para não date spoiler e você terá " A cura", um filme tecnicamente magistral. A fotografia escandalosa, a direção de arte, a trilha sonora, a edição de som e principalmente a Locacao da mansão contribuem para dar a atmosfera e clima apropriado que Verbinski quiz dar ao seu filme. Ele tem um olhar vintage sobre os filmes de cientistas. O roteiro brinca com a alucinação e paranoia, fazendo com que o protagonista se assemelhe bastante ao de Leonardo de Caprio no filme de Scorsese. Lockhart ( o ótimo Dane Dehaan) é um jovem ambicioso que trabalha para uma grande empresa em Nova York. Para encobrir um falcatrua que ele fez, seus chefes o mandam até a Suíça para ir atras de um dos chefes, que se internou em uma famosa clinica para recuperação e bem estar. Chegando lá, Lockheart se depara com uma realidade que parece muito diferente do que aparenta ser. Com 142 minutos, seria fácil dizer que o filme tem um exagero em sua duração. Sim, tem, mas entendo a lógica de Verbinski de fazer um filme psicológico e que trouxesse aos poucos os elementos da trama para o espectador, assim como fez Kubrick em "O iluminado". A história instiga e a gente fica cheio de teorias acorda do que está de ato acontecendo. A direção só erra ao trabalhar os funcionários do local sempre com uma cara amarrada, não havia necessidade dessa caricatura. O elenco é todo de desconhecidos, o que foi um grande acerto. De fato é um filme visualmente estonteante, como há muito tempo eu não tinha visto. Vale assistir, não é perfeito, mas é um raro filme de gênero cheio de estilo e que custou uma fortuna. Verbinski foi corajoso.

John Wick- Um novo dia para matar

"John Wick- Chapter 2", de Chad Stahelski (2017) O ex-dublê Chad Stahelski tá dando de dez a zero em muito cineasta conceituado dos Estados Unidos. Nessa continuação de " De volta pro jogo", ele retoma o personagem de John Wick, um exímio assassino profissional brilhantemente personificado por Keanu Reeves, e faz um porradão que todo filme inspirado em vídeo games queria ser. Ação ininterrupta, tiros intermináveis, assassinos que surgem e morrem que nem baratas e que levam tiro na cabeça para certificar que estão mortos. O roteiro é o que menos interessa aqui, em um resgate dos ótimos filmes de ação dos anos 80 onde o que interessava pro espectador era pancadaria e tiroteio. Com a co- produção chinesa, muitos personagens de apoio são chineses e até a estética e a fotografia repleta de neons lembram os filmes de Hong Kong. Muitas cenas antológicas, a destacar a que se passa nas salas de espelho. O filme tem o melhor gancho para uma continuação que eu já vi em uma franquia, deixando o espectador afoito para já querer ver a terceira parte

Monsters

"Monsters", de Steve Desmond (2015) Excelente curta metragem de suspense, vencedor de vários prêmios em festivais internacionais. Jenn é uma menina prestes a completar 10 anos de idade. No entanto, ela mora em um bunker, junto de seus pais e seu irmão mais velho. Eles dizem a ela que o mundo de fora é povoado de monstros, e por isso ela não pode sair. Um dia, no entanto, ela consegue pegar a chave e sai do bunker. Com ótima direção, ritmo frenético e um roteiro com 2 viradas incríveis na história ( e isso em menos de 13 minutos de filme), "Monsters" é melhor do que muito longa-metragem de gênero metido a besta e que não consegue chegar ao talento desse filme. O tema pode parecer bastante com "Rua Cloverfield", mas a semelhança para por ai. Forte atuação da menina Caitlin Carmichael. A trilha sonora e a fotografia ajudam a dar um clima tenso pra historia. Muito bom mesmo, tomara que o cineasta emende logo em um longa, merece.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Pulse

"Kairo", de Kiyoshi Kurosawa (2001) Diretor de filme de gênero, Kiyoshi Kurosawa aposta todas as suas fichas em filmes de suspense. Foi assim no recente "Creepy", e em "Pulse", seu mais famoso filme, lançado em 2001 e refilmado nos Estados Unidos em 2006. O filme narra a história sobre estranhos acontecimentos que estão acontecendo com moradores de Tokio. Acompanhamos duas histórias paralelas: Kawashima, um jovem que trabalha em uma empresa de computação, acessa a internet. Uma página surge do nada e pergunta se ele quer ver Fantasmas. Na outra história, Michi é uma jovem que trabalha em uma floricultura. Um de seus colegas de trabalho se suicida, mas deixa para trás um disquete. Quando as pessoas acessam o disquete, enxergam figuras estranhas na tela do computador. A partir dai, pessoas vai se suicidando, e o mundo vai entrando em um enorme caos. Os sobreviventes precisam descobrir o que está acontecendo. "Pulse" tem grande referencia de "O chamado". Mas o desenvolvimento é diferente. Aqui, o grande tema trabalhado metaforicamente por Kiyoshi Kurosawa, que também escreveu o roteiro, é falar sobre a solidão na grande cidade e a falta de solidariedade. Por conta disso, as pessoas vão ficando depressivas e se matam. Quem torna as pessoas depressivas são os espíritos que habitam o mundo virtual. A teoria do filme é que são bilhões de espíritos mortos, e já não há mais espaço para eles ficarem. Dai, precisam invadir um outro universo, no caso, o nosso, e a porta de entrada seria o acesso a internet. O filme é bastante inventivo e tem uma atmosfera muito interessante, de apocalipse. Os atores são ótimos ( os atores japoneses parecem que nasceram para fazer filme de terror) e a direção de Kiyoshi Kurosawa investe bastante no silencio e no tempo cinematográfico. O problema de Kiyoshi Kurosawa e que em todos os seus filmee, é que ele estica demais a narrativa Em "Pulse", são 2 horas de filme. Seria possível contar essa mesma historia com meia hora a menos, mas Kurosawa quiz contar varias sub-historias, deixando mais claro o quanto as pessoas estão solitárias e tristes. De qualquer forma, um belo filme, triste e melancólico, que faz pensar. Um feito para um filme de gênero.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

O animal sonhado

ˆO animal sonhado", de Breno Baptista, Samuel Brasileiro, Rodrigo Fernandes, Ticiana Augusto Lima, Victor Costa Lopes, Luciana Vieira (2015) Em 2015, um ano antes de "Aquarius", de Kleber Rezende, esse coletivo do Ceará já havia mostrado cenas de orgia entre jovens de classe média com conteudo quase explicito. Dividido em 6 episódios, cada um dirigido por um jovem Cineasta local, o filme tem como tema a tensão sexual e a libido, através de histórias sobre jovens em busca de sexo. Como todo filme episódico, o rendimento é irregular, mas pelo menos 3 merecem bastante a atenção: o primeiro, o segundo e o último. Ep 1) Dois amigos estudantes são atletas do time de futebol. Entre eles rola um clima de sexualidade platónica latente, até que o desejo acaba falando mais alto Ep 2) 2 amigos estão numa boite a fim de pegar garotas. Um só pensa em transar, o outro, mais tímido, quer algo mais sério Ep 3) Uma jovem gordinha tem desejos eróticos com um marombeiro na academia onde ela malha. Ep 4) Um pai edita o video de baile de debutantes de sua filha, e descobrimos que ele nutre um desejo incestuoso por ela Ep 5) 3 casas de amigos passam final de semana em casa de campo. A simples presença de corpos jovens e sensuais faz com que todos tenham desejos de armar uma grande orgia Ep 6) Uma mulher imagina que está sendo perseguida por um homem másculo que anda pelado pelas ruas. Até que ela se vê no meio de uma grande orgia O grande barato desse filme é que ele ´´ curto, menos de 80 minutos, e trata da sexualidade sem frescura, sem pudor. São cineastas jovens mostrando a sua visão sobre o tema, sobre a sua geração, sobre as possibilidades de extravasar os medos e as neuras urbanas através do sexo. Os atores são bem interessantes, todos desconhecidos e por isso mesmo atraentes para o espectador. Galera despudorada, aberta a possibilidades de interpretação. A melhor cena do filme e a da boite do segundo episódio, muito boa , bem dirigida e bem interpretada. Muito bom saber que existam tantos talentos na frente a atrás das câmeras no Ceará. O filme foi exibido no Festival de Tiradentes 2015.

No fim do túnel

"Al final del tunel", de Rodrigo Grande (2016) Thriller argentino, repleto de suspense e reviravoltas como em um bom filme de Hitchcock, de onde o cineasta e roteirista Rodrigo Grande tirou inspiração, inclusive na trilha sonora repleta de referencias a Bernard Hermann, compositor habitueé dos filmes do Mestre do suspense. O astro argentino Leonardo Sbaraglia protagoniza essa história no papel de Joaquin, um experiente engenheiro que ficou paraplégico após um acidente de carro que vitimou sua esposa e filha. Morando sozinho em uma casa de três andares (porão, térreo e terraço), Joaquin vive de consertar computadores. Sofrendo ação de despejo, ele resolve alugar o quarto de cima. Logo surge Berta e Betty, mãe e filha de 6 anos, novas inquilinas. Porém, para surpresa e Joaquin, ele descobre um plano de um grupo de bandidos de cavar um túnel embaixo de sua casa para roubar o banco que fica do lado de sua casa. "No fim do túnel" é repleto de viradas na história, daqueles que o espectador adora, porque dá uma nova guinada na trama. Além de Hitchcock, o filme tem referencias de outros cineastas, entre eles, de Tarantino com "Cães de aluguel", e os irmãos Coen com "Matadores de velhinhas". A fotografia é do mestre Felix Monte, de "A história oficial". O que prejudica o filme em determinado ponto é que ele é longo, 2 horas de duração, e lá pelo meio da uma barriga desnecessária. Com 20 minutos a menos, o filme teria tido um resultado muito melhor e mais dinâmico. O desfecho ficou meio forçado na resolução, mas como o filme brinca com as convenções do cinema de suspense, a gente acaba aceitando. Uma das principais lições que Rodrigo Grande teve de Hitchcock, é de plantar informações logo nas primeiras cenas, que para o espectador esperto e atento, sabe que será usado em algum momento no final. Boa atuação de Sbaraglia, um ator versátil que trabalha bem tanto em filmes comerciais quanto autorais.