segunda-feira, 31 de agosto de 2020

O presente

"O presente", de Daniel Wierman (2020)
O cinema LGBTQIA+ brasileiro da nova geração tem investido bastante na exibição do nú, dos sexo explícito, na exploração de taras e fetiches e principalmente, na estilização de suas imagens, buscando sempre um contexto que mescle o universo pop com o valor do cinema independente, sem jamais perder a sua essência. Rafael Leal, Daniel Nolasco, Caetano Gotardo, caminham por esse caminho que usa o voyeurismo tanto dos personagens, quanto do espectador, para provocar e mexer com libidos.
Na grande São Paulo, somos apresentados a 3 personagens: um rapaz que trabalha em uma loja de consertos de eletrônicos, gay assumido e que promete à sua irmã que levará o presente para ela, que ela tanto deseja. Esse mesmo rapaz usa a hora do almoço para marcar um encontro no aplicativo e fazer muito sexo. E a noite se fecha numa grande surpresa.
O filme exala são Paulo em cada poro: nas belas imagens de sua cidade, nos tipos paulistanos e no modo de viver da paulicéia. Mas a cena que fica registrada mesmo, é a da trepada intensa com direito a cunnilinguis e muita celebração do tesão.

Judy & Punch; Amor e vingança

"Judy & Punch", de Mirrah Foulkes (2019)
Premiado filme que teve exibição em importantes Festivais de cinema, como Sundance, Stiges, Deauville, Munich, "Punch & Judy" foi escrito e dirigido pela cineasta australiana Mirrah Foulkes, que estréia em longa com esse filme que mescla drama, fantasia e humor negro.
Eu nunca havia ouvido falar no teatro de marionetes "Punch & Judy". Fui pesquisar e vi que ele é bastante popular na Inglaterra desde o século XVI. É uma espécie de teatro de marionetes manuseados por 2 títeres, sempre com 2 personagens, que variam o tipo, e que vivem brigando entre si. O espetáculo é apreciado por crianças e adultos, e a temática varia com o seu público.
O filme se passa em uma época incerta, provavelmente na Inglaterra da época de Shakespeare. O filme dá vida a Punch (Damon Herriman) e Judy (Mia Wasikowska). Eles são um casal de títeres que fazem sucesso com o show Punch & Judy. Mas Punch é alcóolatra e maltrata Judy e a filha pequena do casal. Quando uma tragédia acontece, Punch coloca a culpa em um casal de idosos, acusado por ele de serem bruxos.
Com ótimas performances do elenco, o filme traz elementos do cinema de Tim Burton, com tipo estranhos e bizarros, escorraçados pela cidade para viverem à margem da sociedade . Não é um filme para crianças, pois investe bastante na violência gráfica. Excelente direção de arte, figurinos e maquiagem, além da fotografia. A trilha sonora é bastante eclética, trazendo elementos modernos, como sintetizadores, para um filme de época.

This is Drag

"This is Drag", de Mark Kenneth Woods (2015)
O cineasta canadense Mark Kenneth Woods é um expoente do cinema em seu país, realizando documentários LGBTQIA+ que falem sobre questões de gênero e representatividade. Com "This is Drag", ele aproveita o World Pride, evento LGBTQIA+ em Toronto para poder entrevistar as mais famosas Drags do mundo: Bianca Del Rio, Adore Delano, Danny Oriega, Courtney Act, Shangela, entre outras. Divertido, repleto de confidências das artistas sobre descoberta da homossexualidade, saída do armário, sexo, transição, representatividade, e principalmente, o que significa ser uma Drag. Morri de rir várias vezes, não somente pela espontaneidade e franqueza das performers, mas também pelo discurso contundente e de aceitação que elas esperam um dia, aconteça no mundo. O filme é bem convencional, mas como o foco são os depoimentos, e isso o filme tem de melhor, vale super como um registro histórico sobre a arte de ser Drag.

Redenção

"Redenção", de Neville de Almeida e Joaquim Haickel (2017)
Exibido em diversos Festivais de cinema, o curta "Redenção" é o resultado de um Workshop ministrado pelo cineasta Neville D'almeida no Maranhão, e teve co-direção do cineasta maranhense Joaquim Haickel. Neville escreveu o roteiro e a produção contou com alunos da primeira turma de de cinema do IEMA (Instituto de Ciência, tecnologia e educação do Maranhão).
O filme conta a história de Nina (Daya Ananias) Ele vem de ônibus do interior para a cidade de São Luís, com o sonho de investir na carreira de cantora. Mas ao chegar em um estabelecimento, ela é maltratada pelos donos ( um dele sé o próprio Neville), que promovem um verdadeiro festival de atrocidades com a jovem: a assediam sexualmente, a humilham e desgraça total, o homem (Neville) a obriga a tirar toda a roupa e ficar noa no palco, na frente de todos, para que se torne uma quenga. A jovem acaba aceitando por pura pressão e falta de opção, e vislumbrando a chance de cantar no puteiro.
Curioso que o próprio Neville, que lançou clássicos do cinema, como o campeão de bilheteria "A dama do lotação", traz personagens femininas fortes em seus filmes, que fazem uso do corpo mas com proveito próprio. Aqui, Nina é explorada, mas logo vira o jogo. Esse é o cinema de Neville, com protagonistas fortes, que subvertem o lugar do macho conservador e ridículo. O final é a vingança tardia mas que não falha.

Vento seco

"Vento seco", de Daniel Nolasco (2020)
Concorrendo ao prêmio Teddy no Festival de Berlin, o brasileiro "Vento seco" traz referências claras a dois clássicos do cinema moderno: "Um estranho no lago", de Alain Guiraudie e "A corrente do mal", de David Robert Mitchell. Ambos os filmes fizeram muito sucesso no Festival de Cannes: o primeiro, por trazer elementos de suspense a um universo de pegação gay, com direito a sexo explícito e muito fetiche. O segundo, pela referência ao cinema dos anos 80, tanto na trilha sonora quanto nas cores, além de trazer movimentos de câmera que se tornaram um desejo para o cinema independente poder contar a sua história: movimentos lentos de zoom, e panorâmicas reveladoras. Troque a paisagem paradisíaca do lago e da floresta européia e corpos molhados, por cerrado, terra vermelha, poeira, suor e vegetação do centro oeste de Goiás. O protagonista de meia idade, em busca de elementos que o façam sair de sua vida monótona, circulam no filme francês e no brasileiro. As cores de Dario Argento, outro ícone dos anos 80, com vermelhos e azuis,e a trilha sonora eletrônica da banda Goblin, homenageado até mesmo pelo cinema de Kleber Mendonça em "Bacurau" e Gabriel Mascaro em "Boi Neon" e "Divino amor".
Quer mais referências? As ilustrações homoeróticas fetichistas de Tom of Finland, com couro, bondage e bigodes mesclados a corpos musculosos e peludos, com a cinematografia de Marco Berger, o mais famoso cineasta gay da Argentina, que busca com sua câmera, registros de genitálias, sungas, corpos suados, mesmo em personagens não Lgbtqia+.
Nolasco é cinéfilo e conhece bem o universo pop e lgbtqia+: Daft Punk e Maria Bethânia duelam na bela trilha que traz também sons eletrônicos revisitados. Para quem curte sexo e muita estilização, que inclui lambidas em uma moto, não pode deixar de assistir ao filme.

sábado, 29 de agosto de 2020

A guerra dos vizinhos

A guerra dos vizinhos", de Rubens Xavier.(2010)
Estréía na direção do produtor Rubens Xavier, que trabalhou nos clássicos "O homem que virou suco"e "O Baiano fantasma", "A guerra dos vizinhos" é uma deliciosa comédia paulistana lançada em 2010, e que conta com um elenco de talentosos atores e atrizes de primeiríssimo time. Eva Wilma, Angela Dip, Fabiula Nascimento, Vic Militello, Tony Correia, Vera Mancini, entre outro, dão vida a um dos temas mais explorados no humor mundial: a briga entre vizinhos.
Um português e sua esposa, Marysa (Angela Dip) são vizinhos de 3 irmãs solteironas, encabeçadas por Adélia (Eva Wilma), uma mulher que ficou viúva no dia do casamento e que por isso, se tornou amarga. O casal resolve abrir uma oficina mecânica na garagem da casa, para ganhar uma grana. Eles contratam um mecânico gostosão (Geraldo Pestalozzi), cujo nome é Picasso. A empregada da casa, vivida por Fabiula Nascimento, dá em cima dele.
O filme traz aquela comédia ingênua que os italianos adoravam fazer nos anos 70, em filmes de Dino Risi e Vittorio de Sica. Tem uma pimenta, tem brigas familiares, tem muita gritara. O filme é bem popular, mas realizado com muita graça e alegria. O tipo de filme que crítico ama detonar, mas que o público certamente adora, uma diversão para desopilar e rir com muita bobeira.
Eva Wilma dá um show no papel da vizinha mau humorada e conservadora.

Sangue de pantera

"Cat people", de Jacques Tourneur (1942)
Mega clássico do filme B, "Sangue de pantera" é um filme de terror produzido pelos estúdios RKO e lançado em 1942. O filme é um projeto de baixo orçamento e o grande sucesso comercial salvou a RKO da falência, após os fracassos dos filmes de Orson Welles, 'Cidadão Kane" e "Soberba". O sucesso foi tanto que rendeu uma continuação, "A maldição do sangue da pantera", em 1944, curiosamente dirigido por Robert Wise. Com a falta de orçamento, a fotografia e a direção trabalharam em conjunto e criaram um conceito copiado por todo mundo: ao invés de mostrar os monstros, como era de hábito nos filmes de terror feitos até então, o filme apenas sugere, através da decupagem e da atmosfera. Acabou que a insinuação certamente ficou bem melhor do que ver a ameaça em si. A cena da piscina é um exemplo desse primor de fotografia e direção.
Irene (Simone Simon, grande estrela francesa) é uma estilista sérvia que mora em Nova York. Ela conhece o arquiteto Kent (Oliver Reed) no zoológico, enquanto desenhava uma pantera enjaulada. Os dois se atraem, e acabam se casando. Irene conta para Kent a história de seu povo: amaldiçoados pelos cristãos, os sobreviventes se mudaram para as montanhas, e reza a lenda que as mulheres se tornaram metade mulher, metade pantera. Irene alega que não pode se apaixonar nem fazer sexo, ou sentir ciúmes, pois deflagaria a transformação. Kent a faz se consultar com um psiquiatra, acreditando ser um caso de trauma ou frigidez. Mas quando Kent se aproxima de sua assistente Alice, deflagra em Irene um ciúme doentio.
Delicioso suspense que tem como pano de fundo uma complexa metáfora sobre sexualidade, o filme tem até uma história simples e bastante fantasiosa, mas quando se pensa nas várias mensagens embutidas, fica tudo mais divertido. A questão da frigidez é bastante evidente, e o desejos e impulsos masculinos que, diante da negativa da parceira, vai atrás de outra mulher. Mas o grande chamariz do filme é mesmo a fotografia, misteriosa, sofisticada, trazendo elementos de terror e suspense sem revelar nada. Um fime obrigatório para cinéfilos, que teve uma refilmagem cult em 1982, dirigido por Paul Schrader, estrelado por Nasstaja Kinski e Malcon Macdowell.

Origens secretas

"Origenes secretas", de David Galán Galindo (2020)
Antes que eu me esqueça de avisar: No último minuto após os crédito finais, existe uma cena extra. E como esse filme não teria uma cana créditos, se ele homenageia o Universo dos super heróis?
Impossível, ao assistir ao filme, não se lembrar de "Corpo fechado", de Shayamalan. Os dois filmes falam sobre um universo realista, e um vilão que acredita ser um super heróis. Para isso, o vilão, que só saberemos sua identidade real no final, arquiteta um plano para matar diversas pessoas, se apropriando das mortes das primeira revistas em quadrinhos de super heróis. Para tentar descobrir o paradeiro do assassino, um policial prestes a se aposentar convoca o seu filho nerd Jorge, dono de uma loja de geek, para se unir ao policial Davi e juntos desvendarem o caso.
Óbvio que o filme será recebido com festa por cinéfilos nerds e amantes dos quadrinhos. O capricho da produção, e a fotografia e trilha sonora que remetem ao universo Dc Comics, mais sombrio, são um deleite para os espectadores. O elenco é divertido, principalmente Jorge Elias, o nerd assumido, e mesmo que o filme peque no ritmo, é um carinho enorme pelas referências que vão de Batman, Coringa, Homem Aranha, Hulk e outros tantos ícones.
O que me chocou foi o merchan escancarado da Schweppes, lá pro final.

Fúria incontrolável

"Unhinged", de Derrick Borte (2020)
Para quem estava com saudades daqueles filmes dos anos 80 e 90, que traziam pessoas comuns que se tornavam psicopatas, vai adorar essa homenagem ao gênero, ainda mais com um Russel Crowe atacando de vilão serial killer. O filme parece uma refilmagem hard core e gore de "Um dia de fúria", clássico com Michael Douglas, sobre um anônimo que acorda em um dia ruim e acaba deflagrando um gatilho que o transforma em um sociopata. Aqui em 'Fúria incontrolável", o gatilho é dado pela jovem mãe solteira Rachel (Caren Pistorius), que ao levar o filho adolescente Kyle à escola, cruza seu caminho com "O Homem" (Crowe), um motorista que se irrita porquê Rachel buzinou para ele. A partir daí, O Homem passa a perseguir Rachel e a matar todos os amigos dela.
O filme é corriqueiro, e nada que você já não tem visto antes. Vale mesmo por Crowe, que está malvado até não poder mais, ainda mais com a sua nova fisionomia, pesada, ameaçadora. Mas o roteiro e a direção tem uns momentos estranhos. por exemplo, um homem é assassinado em uma lanchonete, e as pessoas não fazem absolutamente nada. E a tortura dura pelo menos cinco minutos, e o povo só olha. Ficou muito estranho. Mas é um filme violento, e quem gosta de sangue, vai curtir.

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

I am Woman

"I am woman", de Unjoo Moon. (2020)
Dirigido, escrito e protagonizado por mulheres, "I am Woman" conta a história da ícone feminista internacional Helen Reddy, criadora do hino feminista "I am Woman", lançada em 1971. Helen nasceu na Austrália e venceu um concurso de v cujo prêmio era uma viagem para Nova York gravar um disco. A viagem aconteceu em 1966, e Helen chegou com sua filha de 4 anos e 253 dólares no bolso. O agente musical se recusa a gravar música de Helen, dizendo que o mercado atual só quer vozes masculinas. Sem ter como se sustentar, Helen canta em um bar de 5a categoria. Ela acaba fazendo amizade com a jornalista de rock Lillian Roxon (Danielle Macdonald, excelente), que lhe dá uma força. Mas é quando Helen conhece o agente desempregado Jeff Wald (Evan Peters), que ela consegue dar início à sua vida artística. Jeff resolve se mudar para Los Angeles com Helen, e depois de muita briga por um espaço, Helen grava em um estúdio e chama atenção dos editores. A partir dái, He;en se torna um grande sucesso, tendo suas músicas entre as mais vendidas e tocadas nos Estados Unidos, além de ser a primeira cantora australiana a ganhar um Grammy. Mas o seu tormento pessoal começa quando Jeff passa a se tornar um alcóolatra e drogado, destruindo a relação e se tornando um abusador.
O filme é dirigido de forma bastante convencional, sem surpresas, naquele formato padrão de cinebiografia repleta de altos e baixos e muita briga de casal. O que traz força ao projeto é o trabalho do elenco. Além de Peters e MAcdonal, a australiana Tilda Cobham-Hervey está excelente no papel.

Fátima

"Fátima", de Marco Pontecorvo (2020)
Super-produção religiosa, com Sonia Braga, Harvey Keitel e Joaquim de Almeida no elenco, é certamente um filme que tem distribuição garantida no mundo inteiro. Isso é um ponto favorável, mas também, uma fraqueza. Esse desejo de querer mostrar ao mundo uma das histórias mais famosas do mundo católico, obriga o elenco inteiro de personagens portugueses falarem em inglês. Para o espectador em busca de um drama realista, é distanciamento emocional imediato. Como acreditar em pobres moradores de um vilarejo de Portugal, Fátima, falando em inglês perfeito, incluindo crianças de cinco anos de idade? Pior, alguns falam com sotaque português.
Se o espectador abstrair essa condição linguística, talvez consiga entrar na história que mais me apavorou na minha infância. Desde criança sempre escutei nas visões de Fatima , através da aparição que a Virgem Maria teria feito para três crianças, todos primos, no dia 13 de maio de 1917. Segundo a lenda, a última das profecias de Maria teria sido catastrófica, tipo "O mundo irá acabar", mas Lucia, a única sobrevivente, jamais relatou o que ela teria dito em segredo. Lúcia dos Santos, Francisco e Jacinta Marto, brincavam na Cova da Ira., quando viram clarões no céu. Os primos teriam visto uma Senhora vestida de branco e mais brilhante que o Sol.
As visões de Nossa Senhora se repetiriam pelos próximos cinco meses, sempre trazendo mensagens de paz ao mundo. Noticiado no mundo inteiro, logo o local virou uma região de peregrinação.
Muitos da região não acreditaram nas crianças, e a família sofreu represálias. Mas em 1917, 70 mil pessoas, crentes ou não, afirmaram terem testemunhado a visão de Nossa Senhora. Jacinta e Francisco morreram no ano seguinte da gripe. Lucia se tornou freira em 1928. Nos cem anos da aparição, em 2017, os três foram canonizados pela igreja.
A história rendeu vários filmes, mas a mais famosa é a versão de 1952, "O milagre de Fátima".
"Fátima" é uma co-produção Portugal e Estados Unidos. É um filem correto, mega didático, que irá agradar ao público religioso. Sonia Braga interpreta Irmã Lucia em 1989, e Harvey Keitel o religioso que a entrevista.

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Ava

"Ava", de Tate Taylor (2020)
O diretor Tate Taylor gosta de repetir atrizes em seus filmes. Diretor do mega sucesso "Histórias cruzadas", escalou novamente Octavia Spencer no terror "Ma", e agora, reescala Jessica Chainstan em "Ava", Hollywood redescobriu o filão das protagonistas que distribuem porrada após os sucessos de Charlize Theron em "Atômica" e "The old guard", Blake Lively em "The rythm section", Uma Thurman em 'Kil Bill", e agora Jessica Chainstain, que resgata o espirito de Jason Bourne e John Wick, interpretando a assassina de aluguel que é traída pelos seus chefes. Você já viu essa história muitas, muitas e muitas vezes. E sim, em 'Ava", ninguém quer redefinir nenhuma fórmula. Do início ao fim, o roteiro traz exatamente tudo aquilo que você já havia sacado. Sem surpresas. John Malkovich faz o eterno papel de Mestre Yoda: o MEstre ensina aos seus discípulos Ava ( Chainstain,), uma ex-drogada e ex-alcóolatra que pirou após uma missão como soldado na guerra, e Simon (Colin Farrel). Com a traição de Simon, Ava corre perigo de vida e quer defender a sua família: irmã e mãe (Geena Davis).
O que faz a gente querer assistir ao filme é, definitivamente, o elenco. Além de Chainstain, Collin Farrel, Malkovich e Geena Davis, tem a chinesa Joan Chen, de "O último Imperador", que aqui esbanja beleza e vitalidade aos 60 anos de idade, dando porrada.
As cenas de ação são mega genéricas, e o roteiro, bom, você já sabe como vai acaba. Como eu disse, assista pelo elenco.

Filhos do Pai Eterno

"Filhos do Pai Eterno", de Emilio Hucs Gallo (2019)
O cinema tem uma dinâmica curiosa: você lança um filme, ele faz sucesso, fala para o seu público alvo, vira referência. Daí, basta que um único elemento saia do eixo, para que a percepção sobre esse mesmo filme mude radicalmente.
"Filhos do Pai Eterno" é um documentário sobre o famoso Santuário Basílica do Divino Pai Eterno, um templo católico brasileiro localizado no município goiano de Trindade, o único no mundo dedicado ao pai Eterno. O Padre Robson de Oliveira Pereira, presidente da Associação Filhos do Pai Eterno (Afipe), dedicada ao Santuário, dá um depoimento no filme bastante profético: "Eu queria que você me disse um santo que não errou? Um santo que não pecou?"
Como todo mundo hoje já sabe, o Padre Robson foi acusado de desviar milhões das doações, usando na compra de imóveis, propriedades rurais, cabeças de gado e emissoras de rádio. Além disso, ele é acusado de ter um envolvimento com um hacker, que o chantageou, exigindo milhões, para não entregar o romance publicamente.
A história toda remete a João de Deus, que tinha uma casa espírita em Abadiânia, também em Goiás. Tanto Abadiânia quanto Trindade vivem em função da religiosidade, faturando milhões com as visitas dos fiéis, em busca de fé e de pagar promessas.
O evento mais aguardado no Brasil é a romaria da Festa do Divino Pai Eterno, que é o primeiro domingo do mês de julho de cada ano. Durante os nove dias que o antecedem, são celebradas missas e novenas; ocorrem encontros de jovens; acolhimento aos carreiros do Divino Pai Eterno, foliões, tropeiros, e outros devotos. São cerca dd 3 milhões de fiéis, movimentando muito dinheiro.
O filme atende a necessidade do público que busca informações sobre o Santuário e a festa da Romaria. Belamente registrada pela câmera e fotografia, e com músicas de Walter José, que ecoam na tela com muita força religiosa. É encantador ver o quanto os fieis se dedicam à sua fé, mas igualmente triste entender que existem aproveitadores que destroem sonhos e a religião de muita, mas muita gente.

Monsoon

"Monsoon", de Hong Khaou (2019)
Lindo ver o maior galã asiático de Hollywood em tórridas cenas de sexo com homens, no premiado "Monsoon", que venceu um prêmio especial no Festival de Sundance 2019. Henry Golding é o protagonista de um dos maiores sucessos de Hollywood, a comédia romântica "Podres de ricos". O ator nascido na Malásia e morados de Los Angeles, é dono de uma beleza que fez Hollywood inteira suspirar. Em "Monsoon", um filme autobiográfico do roteirista e diretor cambojano Hong Khaou, ele não se fez de rogado e se entregou de corpo e alma ao personagem Kit, um vietnamita que fugiu do Vietnã, levado por sua mãe durante a Guerra, e criado na Inglaterra. Com a morte da mãe, Kit retorna para Saigon, para encontrar o lugar ideal para jogar as cinzas de sua mãe. O reencontro com um país que ele tem na memória de criança o faz refletir sobre a sua trajetória. Kit decide aceitar a sua homossexualidade e sai do armário, frequentando baladas e bares LGBTQIA+. Ele conhece Lewis, um americano negro morador de Saigon e juntos, têm um romance tórrido.
O filme apresenta uma Saigon ao mesmo tempo moderna e cosmopolita, e também uma Saigon pobre, da periferia. Lindamente fotografado pelo inglês Benjamin Kracun, "Monsoon" é um passo à frente do diretor do ótimo drama "Lilting", de 2015, que também fala sobre assumir a homossexualidade entre culturas distintas, inglesa e asiática. Deu até vontade de conhecer o Vietnã, e rezar para topar com Henry Golding comendo nas barraquinhas de rua.

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Me leve para um lugar legal

"Take me somewhere nice", de Ena Sendijarevic (2019)
Premiado como melhor filme no Festival de Rotterdan, e exibido em importantes Festivais, "Me leve para um lugar legal" é o filme de estréia da cineasta bósnia Ena Sendijarevic, que também escreveu o roteiro. E um filme feminino, com o olhar da protagonista Alma (Sara Luna Zoric), uma jovem holandesa, descendente de bósnios, sobre um mundo patriarcal e machista. Alma mora com sua mãe. Quando ela recebe a informação que sei pai, que mora na Bósnia, está morrendo em um hospital, ela resolve visitá-lo, mesmo sem o conhecê-lo. Ao chegar no país, ela é recepcionada pelo primo Emir, que tá doido para transar com ela. Alma perde a chave da sua mala , além de outros incidentes que a atrasam a sua ida para a pequena cidade onde mora seu pai. Alma, Emir e Dennis, um amigo de Emir, seguem juntos para a cidade onde está o ai de Alma, e no caminho, passam por situações bizarras.
Road movie por natureza, "Me leve para um lugar legal" busca o tipo de humor do cinema do finlandês Aki Kaurismaki, que é baseado na apatia dos personagens, que não sorriem. Não e um filme para qualquer cinéfilo. A história não empolga, o ritmo é lento e os personagens são sem carisma. Vale pela curiosidade de conhecer a Bósnia por um ângulo menos obvio, e por ser um filme premiado.

Sem ressentimento

"Wir", de Faraz Shariat (2020)
Vencedor do Festival de Berlin 2020 com o prêmio Teddy, dedicado a filmes com temática LGBTQIA+, "Sem ressentimentos" é uma co-produção Alemanha/Pérsia. O roteiro, escrito pelo próprio diretor, é uma autobiografia. Assim como o protagonista Parvis, Faraz também trabalhou como tradutor em um assentamento de refugiados na Alemanha, e se envolveu com um imigrante iraniano. O filme lida com os temas da imigração, refugiados e a aceitação sobre a sua sexualidade e sua a sua cultura e história. Parvis é nascido na Alemanha, mas seus pais e irmã nasceram no Irã e se refugiaram no país europeu. Parvis é cobrado pelos seus pais de não manter as tradições culturais, o que faz com que Parvis se encontre em um conflito cultural: ele não se vê nem alemão, nem iraniano. Vai ser o seu relacionamento com o jovem Amon, refugiado, que não expõe a sua homossexualidade, temendo ameaças de outros refugiados que não aceitam que o povo árabe tenha homossexuais. Banafshe é irmã de Amon e é bastante liberal. Amon vai ser o gatilho para que Parvis resgate a sua história cultural.
Bem dirigido e com ótimos atores, o filme traduz bem o tema do não pertencimento e do preconceito dos alemães com imigrantes . As cenas de sexo são bastante intensas e viscerais. Um filme que une a tradição com a contemporaneidade, em cenas repletas de música eletrônica e muita balada em boites e festas.

A vida por um fio

"Bian zhou bian chang, de Chen Kaige (1991)
Concorrendo no Festival de Cannes em 1991, "A vida por um fio" foi realizado 2 anos antes da obra-prima do cineasta da 5a geração chinesa Chen Kaige, "Adeus minha concunbina", que levou a Palma de Ouro em 1993.
O filme remete ao primeiro longa de Kaige, 'Terra amarela": a mesma paisagem árida das montanhas, a extrema pobreza dos vilarejos que habitam a região, uma trágica história de amor, e finalmente, a canção milenar como antídoto para curar os males da humanidade.
Um mestre trocador, um idoso de 70 anos, perambula pelo deserto junto de seu discípulo, Shidou. Ambos são cegos. Quando pequeno, o Mestre foi avisado pelo seu professor de que, ao romper a milésima corda de seu instrumento, ele poderia abrir o instrumento e ali dentro, encontraria a receita para curar a sua cegueira. O Mestre quer que Shidou siga os seus ensinamentos, mas o rapaz se apaixona por uma jovem da região, Lanxiu, e decide seguir um caminho diferente. Mas a região costuma ter uma disputa de duas clãs que guerreiam por séculos. O Mestre acredita que sua música poderá pacificar ambos os lados.
Chen Kaige sempre teve uma preocupação com o visual dos seus filmes, e aqui, os enquadramentos, as locações e a fotografia embelezam cada frame, tornando o drama poético e cinematográfico em seu sentido mais pleno. O filme tem um ritmo bem lento e o roteiro é confuso às vezes, mas mesmo assim, só pela beleza das imagens e das músicas cantadas pelo trovador, já justificam assistir.

Yes, God, Yes

"Yes, God, Yes", de Karen Maine (2019)
Comédia dramática vencedora do prêmio de melhor filme do público no prestigiado Festival de cinema independente SXSW, é uma adaptação do curta de mesmo nome lançado em 2017. Alice (Natalia Dyer, a Nancy de "Stranger things"), atuou tanto no curta quanto no longa, na mesma personagem. Estudante de uma rígida escola católica, Alice sempre escutou de sua família e dos professores que sexo antes do casamento é pecado. Quando um aluno pergunta se masturbação é pecado, o padre imediatamente responde: "Masturbação faz a mulher procriar? Então é pecado.".
Alice fica se sentindo culpada e intrigada, mas a verdade é que ela bate um papo no chat do Aol ( o filme se passa no início dos anos 2000) e a outra pessoa lhe fala de masturbação. Alice acaba experimentando, e gosta. Mas como enfrentar o conservadorismo de todos, e mais, como dizer ao rapaz que ela curte, que ela está a fim dele?
Simpático e obviamente polêmico, por motivos óbvios, o filme é provocativo o suficiente para deixar o espectador matutando sobre o tema. Religião e sexo não devem caminhar juntos? Sexo é somente para procriar, e depois do casamento?
Os alunos da escola católica parecem levar esses dogmas a risco. O filme espertamente evita entrar na era das redes sociais, pois a discussão certamente seria outra.
Bons atores, ritmo lento mas agradável, é um filme para se assistir com uma dose boa de simpatia.

terça-feira, 25 de agosto de 2020

Meu querido filho

"Weldi", de  Mohamed Ben Attia (2018)
Premiado drama da Tunísia, é uma contundente história de pais e filho que seguem caminhos diferentes. Rihad (Mohamed Dhrif) e Nazli são pais de Sami, um rapaz de 19 anos. Sami está estudando para o vestibular e tem enxaquecas constantes. Pressionado pelos pais que querem que ele passe para uma ótima faculdade, Sami se vê em um lugar onde está totalmente desconectado da sua realidade. Seus pais são super protetores, em uma festa de amigos ele não consegue se divertir. Um dia, Sami desaparece, deixando uma carta que foi para a Sïria. Logo, os pais descobrem que Sami se juntou a um grupo de extremistas sírios. Rihad, contrariando sua esposa vende bens para poder viajar até a Síria, através da Turquia, para resgatar o seu filho.
Um filme naturalista, filmado com um olhar documental, "Meu querido filho" tem duas partes distintas: na primeira, o mundo de Sami. Na segunda, o ai em busca de um filho. Sem pressa, o roteirista e diretor Mohamed Ben Attia narra uma história de amor diante de um mundo em guerra. Belo drama, com ótimas atuações do elenco.

O jardim secreto

"The secret garden", de Agnieszka Holland. (1993)
Adaptação do famoso livro escrito por Frances Hodgson Burnett em 1911. O filme já teve várias adaptações, sendo a mais recente a de 2020.
A mimada Mary Lennox (Kate Maberly), uma menina de 10 anos, nasceu na Índia durante a colonização inglesa.Após um terremoto que matou seus pais, ela é enviada até a Inglaterra para ser cuidada pelo seu tio, Lord Archibald (John Lynch), um viúvo em depressão. Mary logo precisa saber a lidar com o mau humor da governanta Mrs Medlock (Maggie Smith), e também com a criadagem. Mary fica amiga do filho de um cavalariço, Dickon (Andrew Knott), um menino bastante esperto. Juntos, descobrem um jardim secreto, onde a falecida costumava frequentar. Mary descobre que o menino Colin (Heydon Prowse), filho de Archibald, fica trancado em um quarto. Deprimido após a morte de sua mãe, ele não anda e evita sair. Mary insiste para que Colin vá com ela até o jardim secreto, escondido de todos, acreditando no poder de cura do local.
Belamente fotografado pelo Mestre Roger Deakins, e com uma trilha sonora linda e lúdica de Zbigniew Preisner, o compositor dos filmes de Kieloswsky, "O jardim secreto"é o filme ideal para desopilar a tristeza e acreditar que o mundo pode mudar para melhor.
Um clássico produzido por Francis Ford Coppola, repleto de magia e de encantamento. As três crianças estão esplêndidas.

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Whitney

"Whitney", de Kevin Macdonald (2018)
Nossa, perdi a conta de quantas vezes eu solucei e me debulhei em lágrimas assistindo a esse excelente documentário, escrito e dirigido pelo cineasta inglês Kevin Macdonald, do premiado drama "O último Rei da Escócia". Alardeado pela mídia como sendo o filme que responderá sobre todas as perguntas em aberto deixadas pela precoce e trágica morte de uma das maiores vozes da música americana, Whitney Houston, acontecido em 11 de fevereiro de 2012, aos 48 anos de idade. Whitney foi encontrada afogada na banheira, por overdose. Nascida em New Jersey, 1963, Whitney era de família pobre. Sua mãe era crooner, Cissy, e suas tias eram cantoras já estabelecidas, Dionne Warwick e Dee Dee Warwick. Whitney acabou cantando como backing para sua mãe, até que teve chance de conhecer o empresário, Clive David, em 1983, contratando-a para a Arista Records. Em 1985, sue disco de estréia vendeu 25 milhões de cópias, record para uma artista feminina. Whitney teve problemas com toda a sua família: teve que empregar os seus irmãos, que a apresentaram para as drogas. Seu pai, John, separado de sua mãe, a processou em cem milhões de dólares, querendo participação em seus lucros. Quando casou com Bobby Brown, em 1992, sua vida aparentemente feliz, mesmo com todos dizendo para ela não se casar com ele, desmoronou, afundando em drogas e apanhando dele. Da união, nasceu Bobby Kristina ( que veio a falecer de overdose em 2015). Em 1992, Whitney estreou como atriz, no mega sucesso "O guarda-costas", com Kevin Costner, que dá um belo depoimento elogiando o protagonismo negro da história. Whitney dá um depoimento comovente para a entrevistadora Diane dizendo estar tomando drogas. Pessoas próximas à ela dizem que ela foi abusada sexualmente pela sua tia Dee Dee quando criança.
Mas graças a Deus o filme reserva momentos que todos os fãs querem ver: os shows, os mega eventos famosos ( cantando o Hino americano no Super Bowl), cantando para sul africanos e MAndela em 94. O mais hilário é uma cena que mostram vizinhos mandando prender um jovem porque ficou 7 dias trancados em casa escutando "Il will always love you"sem parar, em som alto. Aliás, essa é a música mais vendida por uma artista feminina na história, e Whitney mantém o título de artista mais premiada da música.

Inabitáveis

"Inabitáveis", de Anderson Bardot (2019)
Primeiro filme capixaba a participar do prestigiado Festival de Rotterdan, "Inabitáveis" é um filme experimental que une ficção, documentário e dança para falar de homofobia e racismo. O filme faz uma analogia entre o Brasil Império, da escravidão, e o Brasil dos dias de hoje. Pouco ou quase nada mudou. Mostrando placas descritivas em Museus e lugares históricos de Vitória, apresentando aos estudantes que esto em vista que os negros eram vendidos a preços irrisórios, e os mais velhos valiam menos que um boi. Já os negros de pele mais clara e com uma ocupação Valiam mais. Um coreógrafo (Marcos Konká), ator capixaba negro veterano do teatro e do cinema independente, está ensaiando uma peça homoafetiva com dois rapazes negros. Quando o coreógrafo conhece um jovem de 16 anos em uma visita guiada, descobre que o rapaz é não binário e o traz para a coreografia.
O filme tem uma narrativa às vezes confusa, mas bastante clara em relação às suas denúncias, principalmente na cena final: o jovem não binário dança sob a chuva, de noite, em uma bela cena, e a polícia chega. "Inabitáveis"é o nome do espetáculo ensaiado pelo grupo de dança, e tem no titulo a tragédia da população negra e homossexual, que não encontra um espaço para viver em paz.

domingo, 23 de agosto de 2020

Clara Estrela

"Clara Estrela", de Rodrigo Alzuguir e Susanna Lira (2017) Documentário exibido no Festival online Recine 2020, foi co-dirigido pela documentarista Susanna Lira, dos premiados "Torre das donzelas"e "Mussum, um filme do cacildis".
Clara Nunes sempre foi uma figura emblemática para mim, que desde criança, a assistia nos programas de auditório, principalmente do Chacrinha, vestida sempre de branco, como uma mãe de santo, e dançando como nos rituais de umbanda. Mas para minha surpresa, o repertório dela era bastante variado, mesclando os ritos africanos, como "Filhos de Ghandi" e "Morena de Angola", com sambas e forró, como "Feira de Mangaio", eternizada pela sanfona de Sivuca. Mas Clara Nunes começou a sua carreira mesmo foi com boleros e músicas românticas, que era o que a sua gravadora impunha, já que fazia sucesso nos anos 60. Ela só se libertou quando conheceu o sambista Ataulfo Alves, que lhe sugeriu cantar um samba, indo com ela até a gravadora Odeon e aí, estourando no samba".
"Clara Estrela"é um documentário obrigatório para quem ama MPB e óbvio, a música e vida de Clara Nunes. Totalmente editado com material de arquivo: fotos, entrevistas ( como a de Marília Gabriela) e shows e clips gravados para a televisão, Clara nasceu em Paraopeba, Minas Gerais, no ano de 1942. Filha de família pobre, seu pai serralheiro e sua mãe dona de casa, era a mais nova de 7 filhos. Com a morte dos pais, seguiu até Belo Horizonte, onde trabalhou como operária, até participar de um concurso de rádio estadual, vencendo e indo para São Paulo participar de um concurso, onde tirou o 3o lugar. Em meados dos anos 60, veio para o Rio de Janeiro, a convite da gravadora Continental, mas tendo que se bancar. Dividiu quarto com prostitutas, passou fome. Conheceu Chacrinha, que sabendo de sua situação, lhe ajudou bastante.
Quando foi para a África em 69, convidada por Ivon Curi, voltou impressionada. Teve oportunidade de conhecer lugares sagrados, conhecer os rituais. Se converteu a Umbanda, filha de Ogum e Yansã, dois santos guerreiros. Levou a cultura afro-brasileira para suas canções e vestimentas. Foi uma das cantoras que mais gravaram canções dos compositores da Portela, sua escola de samba de preferência.
Clara era supersticiosa: não usa preto, não deixa porta de armário aberto, não bota sapato virado pra cima e só canta de branco. Em 1974, participou de um espetáculo teatral musical dramatizado, junto de Paulo Gracindo e dirigidos por Bibi Ferreira: "Brasileiro, profissão esperança", onde narravam a vida de Dolores Duran. O espetáculo ficou anos em cartaz e rendeu um disco. Na entrevista com Gabi, ela fala sobre as gravidez que não deram certo, e quando um espírita lhe disse que a missão dela era levar amor e alegria para as pessoas. Fala também do seu amor e casamento com o poeta e compositor Paulo César Pinheiro.
Dira Paes narra o filme em primeira pessoa, dando voz aos textos de Clara Nunes.
O filme prefere evitar imagens da morte de Clara Nunes, deixando somente momentos de alegria e força. Uma cartela no final diz que Clara faleceu de complicações após uma cirurgia de varizes, onde teve reação alérgica à anestesia. Faleceu aos 40 anos de idade, em 1983.
O filme deixa bem registrado todo o legado de Clara sua amizade com todos os cantores e compositores do Brasil, como Vinícius, Chico Buarque, Toquinho e grandes sambistas.
Como o cronista Arthur da Távola escreveu em uma artigo, Clara era uma "Claridade".
Link para assistir ao filme:
https://vimeo.com/234892534

Paraíso no oceano

"Hai Yang Tian Tang", de Xiao Lu Xue (2010)
Premiado drama lacrimogêneo chinês, famoso no mundo todo por ser o primeiro filme do astro Jet Li que não é de ação, e sim, um melodrama com ótimas performances. Jet Li é conhecido pelo seu trabalho social, e aqui no filme, ele não recebeu cachê para fazer o papel do pai viúvo, Wang, pai de um filho autista, Dafu, de 21 anos. Wang trabalha em um parque oceânico, e seu filho o ajuda. Quando Wang descobre que tem um câncer terminal, se angustia: como deixar seu filho Dafu, que não consegue fazer nada sozinho? Escondendo a doença dos amigos e da vizinha, dona de uma mercearia, Wang tenta se suicidar e levando o filho junto, mas a tentativa dá errado. A partir daí, ele vai numa encruzilhada para ensinar o filho a fazer de tudo: pegar ônibus, comprar coisas, atender telefone, fazer comida, etc.
O roteiro não tem vergonha em assumir que quer arrancar lágrimas do espectador. Personagens que surgem, como a artista de circo LingLing, que simpatiza com Dafu e também o ajuda, e cenas sentimentais entre pai e filho. Mas para quem gosta de melodramas, como eu, é um prato cheio e um filme sensível e gostoso de ver. A atuação de Zhang Wen, como o autista Dafu, é bastante decente, apesar de alguns críticos acusarem a performance de um autista ser retratada de forma bastante ingênua. Já vi bastante filmes sobre autistas, e cada um representa o autista de forma diferente: tem o agressivo, tem o que age como criança, tem o obssessivo. Um bom filme para assistir em uma tarde de domingo. E Jet Li, estreando no drama, atua com muita competência.

A morte num beijo

"Kiss me deadly", de Robert Aldrich (1955)
Um único filme que inspirou toda a nouvelle vague francesa, "Os caçadores da arca perdida", de Steven Spielberg e "Pulp fiction", de Quentin Tarantino? E de quebra, os créditos iniciais revolucionários, que descem de cima pra baixa, em fonte que provavelmente George Lucas copiou para "Star Wars".
Aonde eu estava com a cabeça que nunca havia assistido essa obra-prima do cinema antes?
Adaptação do livro do escritor Mickey Spinelli, criador do detetive Mike Hammer, aqui celebrizado por Ralph Meeker, "A morte num beijo" está entre os maiores filmes noir da história, e está no livro "1001 filmes para ver antes de morrer". E para completar, está na coleção The Criterion Collecion, destinada a filmes que devem ser preservados e relevantes para a história.
Godard e Truffaut ficaram apaixonados pelo uso das elipses do filme, e todo mundo sabe que a Nouvelle Vague pegou muita referência do cinema noir. E Godard roubou os tapas na cara que Mike Hammer dá em vários personagens.
O filme ficou famoso também pela narrativa primorosa dos 10 primeiros minutos. Além do prólogo, tem os créditos iniciais. Mike Hammer dá carona para uma jovem descalça na estrada, que implora por ajuda (Cloris Leachman, estreando no cinema).
Logo após o assassinato dela, Mike, com a ajuda de Velma, sua leal secretária, e seu amigo mecânico Nick, tentam descobrir o que ela estava tentando encobrir.
A direção de Aldrich é irretocável, filmando los Angeles como deve ser em filmes de detetives, repleto de femme fatales e tipos perigosos, com muita luz e sombras expressionistas. OS atores, desconhecidos, estão todos ótimos.
Spielberg declaradamente diz que teve a idéia da Caixa de Pandora assistindo ao filme, inclusive copiando o final. Um filme para ver e rever diversas vezes.

sábado, 22 de agosto de 2020

Clímax

"Clímax", de Gaspar Noé (2018)
Obra-prima de realização técnica e artística, premiada em Cannes como melhor contribuição artística, 'Clímax"é um filme que estou sempre revendo, quando quero me inspirar nas infinitas possibilidades da arte de se fazer cinema. Gaspar Nóe é daqueles realizadores, tipo Lars Von Triers, que não tem meio termo: o público adora ou odeia. Como faço parte do público que adora, assisto absolutamente tudo o que ele faz. Cineasta argentino radicado na França, Noé é um cineasta que a cada filme, faz experimentações principalmente com a câmera e descobre forma de contar uma história através dela. Quando eu achei que não havia mais como ele ultrapassar essa barreira, com "Enter the void", com a câmera flutuando como Ponto de vista de um espírito, Noé vem com "Clímax"com uma câmera que fica dezenas de minutos filmando de cabeça para baixo. Isso sem contar com o plano-sequência muito foda que abre o filme, uma coreografia em 5 minutos com os dançarinos dando o máximo de energia possível, ao som de "Supernature", de Cerrone. É inacreditável o que Noé e seu fotógrafo Benoit Debie fazem. Com 23 dançarinos em cena ( Apenas Sofia Boutella é atriz profissional), Noé retira de cada um improvisação baseada em um roteiro que tinha 5 páginas. Praticamente todos os diálogos foram improvisados pelo elenco.
O filme traz referências explícitas aos filmes "Suspiria", de Dario Argento, "Possessão", de Andrej Zulowski, "Esquizofrenia", de Ken Russel. Um filme que me enche de energia, para se ve rno escuro e com som bem alto.

Com a maldade na alma



"Hush Hush ..Sweet Charlotte", de Robert Aldrich (1964)
Pouco conhecido do grande público, Robert Aldrich é responsável por algumas das maiores obras-primas do cinema: "A morte num beijo", "Vera Cruz", "Os doze condenados" e dois filmes de suspense psicológico que sacudiram os anos 60, "O que terá acontecido com Baby Jane" e "Com a maldade na alma". Ambos foram adaptações de contos de Henry Farrell, e também, ambos com Bette Davis estrelando. No primeiro, ela divide o protagonismo com Joan Crawnford. No segundo com Olivia de Havilland. Das maiores atrizes da história do cinema, todas as três tiveram suas vidas entrelaçadas pela decadência na carreira, pois como todos sabem, Hollywood não perdôa que suas estrelas envelheçam. Crawford e David brigaram feio durante as filmagens de "Baby Jane", e a situação piorou quando somente Bette Davis foi indicada ao Oscar de atriz. Dois anos depois, em 1964, Robert Aldrich resolveu convidar ambas novamente. Mas Crawford deu muitos problemas na produção, alegando que Bette Davis a sabotava. Alegando doença, Crowford acabou sendo substituída por Olivia de Havilland.
Davis interpreta Charlotte. No ano de 1927, ela foi dada como suspeita do assassinato de seu amante, John (Bruce Dern, em início de carreira). Passados 37 anos, Charlotte (Davod), mora sozinha na mansão herdada de seu pai. PAra cuidar dela, tem a fiel empregada Velma (Agnes Moorehead, indicada a atriz coadjuvante, esplêndida). Quando a prefeitura resolve construir uma estrada que passa pela propriedade, Charlotte espanta a todos com uma arma. A prima de Charlotte, Miriam (de Havilland), vem ao seu encontro para ajudá- la. O médico Drew (Joseph Cotten) ressurge para ajudar Charlotte a se acalmar. Mas Charlotte passa a ver visões do falecido John, e acredita estar ficando louca.
Com uma fotografia em preto e branco indicada ao Oscar, o filme tem um excelente trabalho de direção de Robert Aldrich, que traz elementos de terror gótico ao filme, e tem uma cena gore de terror, inédito ainda na época: uma mão decepada em close. O elenco é um primor: juntar Bette Davis, Olivia de Havilland, Joseph Cotten e Agnes Moorehead realmente é para poucos. Um clássico imperdível.

Stage mother

"Stage mother", de Thom Fitzgerald (2020)
Uma comédia dramática musical com a atriz Jackie Weaver interpretando mãe de uma Drag Queen, e que acaba gerenciando um bar de Drags em San Francisco, é um programa certamente imperdível. Ainda mais se ela for uma missionária conservadora na pequena cidade do Texas, e que com a bondade em seu coração, acaba transformando a vida de todos, e ela mesmo, se transformando e aceitando as diferenças. Você certamente já viu essa história várias vezes, mas quando você tem uma boa direção e excelentes atores, se torna imbatível. E Junte a isso perfomance de drags no palco, cantando os clássicos "Total eclipse of the heart", "Finally", entre outros.
Maybelline (Jackie Weaver) é uma mulher casada com um homem mega conservador. Quando o único filho, Ritchie, se revela gay, o pai não perdôa e o expulsa de casa. Maybelline , impedida pelo marido de ver o filho, que se tornou drag queen em San Francisco, acaba sendo diretora de um coral da igreja. Quando ela recebe uma ligação dizendo que seu fllho morreu, Maybelline resolve ir ao enterro dele em San Francisco. Ela conhece o ex-namorado de Ritchie, Nathan (Adrian Grenier, de "O diabo veste Prada"), a melhor amiga do filho, Sienna (Lucy Liu), uma mãe solteira pôrra louca, e mais, descobre que herdou um bar de drags decadente repleto de drags. Maybelline precisa lutar contra os seus preconceitos e aos poucos, ajudando cada um a vencer os seus medos.
"Stage mother" vem naquela estrutura de "A visita da velha senhora"ou de "Tieta", ou mesmo de 'Chocolate", com Juliette Binoche: a estranha que chega e transforma a vida de todos.
Repleto de deliciosos números musicais, e também, com cenas dramáticas de fazer lacrimejar, "Stage mother" é o filme ideal para passar um dia querendo algo edificante e sensível. Jackie Weaver é uma atriz estrondosa, em um papel feito sob medida para seu talento.

Sorvete no armário

"Ice cream in the cupboard", de Drew Pollins (2019)
Que filme triste! O tema do Alzheimer na família sempre acaba comigo, e aqui, de forma realista, vemos uma história de amor de 27 anos ser destruída pela doença. O filme é baseado no livro de Patt Moffert, que relata como o Alzheimer transformou a vida de sua jovem esposa, Carmen, em um grande martírio. O título se refere a m caso, quando Pat chegou em casa e descobriu o sorvete derretido no armário da cozinha. Carmen negou o tempo todo ter deixado o sorvete ali.
O filme acompanha 27 anos na vida de Pat e Carmen, desde quando se conheceram, em uma linda paixão à primeira vista, até os dias de hoje. Casados e bem sucedidos pais de um casal de adolescentes, tudo começa a se transformar quando Carmen passa a se comportar diferente, agressiva. No dia em que ela leva horas na rua e explica que não reconhecia mais a sua casa, Pat a leva a uma médica, que a diagnostica com Alzheimer. Por um tempo, Pat procura cuidar dela em casa, mas as sucessivas tentativas de agressão de Carmen tornam a missão insustentável.
Lindamente dirigido, com bastante delicadeza, com um tema tão difícil, o filme lembra muito o drama com Juliane Morre, 'Para sempre Alice". Aqui, o casal é muito bem defendido pelos atores Andrea Londo e Garret Meccer, jovens, e Claudia Ferri e Doug Hannigan, adultos. É curioso ver o ator Toni Bell, o Jigsaw da franquia "Jogos mortais", interpretando um personagem dramático, o pai de Pat.
Um melodrama dos bons.

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Dr Fantástico ou Como aprendi a parar de me preocupar e amar a bomba

"

Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the bomb

", de Stanley Kubrick (1964)
Tudo em 'Dr Fantástico" virou história. Desde a interpretação tripla de Peter Sellers, que voltou a trabalhar com Kubrick depois de "Lolita"; os créditos iniciais, desenhados pelo diretor de arte cubano Pablo Ferro, em cima da imagem do avião B'52; a trilha sonora de Laurie Johnson; a fotografia de Gilbert Taylor; e claro, a direção de Stanley Kubrick, em um gênero pouco familiar: a comédia de humor negro. O filme foi adaptado do livro de Peter George, "Alerta vermelho". Para se inteirar da Guerra Fria, Kubrick leu mais de 50 livros sobre o tema. Peter Sellers recebeu na época um cachê milionário, 1 milhão de dólares, que correspondia 55% do orçamento do filme. Mas Kubrick deu uma ótima resposta aos produtores: "Paguei por três, o preço de seis".
O filme conta a história de um avião B'52 que recebe uma missão: explodir uma bomba na União Soviética, em plena Guerra Fria. Quando o Presidente dos Eatdos Unidos decsobre (Peter Sellers), ele manda cancelar a missão. Mas o General Buck (George C. Scott) diz ser impossível: nesse tipo de missão, após deflagrada a ação, é impossível manter contatos. O Presidente manda o Exército invadir a base militar onde se encontra o General Ripper (Sterling Hayden ), responsável por dar ordem de explodir a bomba. O Seu assistente, o Capitão Mandrake (Sellers), tenta fazer com que ele cancele a missão. Surge então o Dr Strangelove (Sellers), um cientista conselheiro do presidente, que fala com sotaque alemão e tem uma mão mecânica. Strangelove tenta dissuadir o Presidente, dizendo ser possível enviar uma quantidade de humanos para a base subterrânea e preservar a raça humana.
O filme tem cenas antológicas: a bomba com o militar cavalgando no ar, a cena da secretária do General Buck passando informações militares para Buck, que está no banheiro, e ela de calcinha e sutiã, a cena de Mandrake tentando fazer uma ligação com o presidente no telefone publico. Mas de fato, esse filme não existiria sem o gênio de Peter Sellers. Ele está perfeito, em 3 tipos totalmente diferentes um do outro. Um dos maiores gênios do cinema. O filme foi indicado a 4 Oscars, mas perdeu todos: Filme, Diretor, ator e roteiro.