terça-feira, 31 de dezembro de 2019

O grande golpe

“The killing”, de Stanley Kubrick (1956) Adaptado do livro “Clean break”, de Lionel White, “O grande golpe” foi lançado em 1956 e considerado uma das grandes obras-primas do mestre, tendo inclusive se tornado referência como narrativa para os filmes de Tarantino, “Cães de aluguel” e “Pulp fiction”, por conta de sua estrutura não linear de roteiro. Kubrick se associou ao produtor James Harris e juntos fundaram a produtora Harris/Kubrick. “O grande golpe” foi a primeira produção da dupla. Lançado comercialmente, o filme, adquirido pela United Artists, foi um grande fracasso, apesar de ter sido bastante elogiado pela crítica. E foi por causa do filme que Kirk Douglas convidou Kubrick para dirigir seu projeto ‘Glória feita de sangue”, e logo depois, ‘Spartacus”. Jonnhy Clay é um bandido libertado da prisão após 5 anos de encarceramento. Ele resolve convocar um grupo de colegas para assaltar o Jockey clube no dia di grande prêmio, um feito jamais alcançado por qualquer um. Com o dinheiro, Jonnhy pretende se aposentar dos assaltos e seguir para Boston com sua namorada, Fey. As coisas saem do controle quando a namorada de um dos integrantes do grupo, Sherry, entrega o esquema para o seu amante, Val, combinando dele e seus capangas assaltarem o grupo após o roubo. O filme é considerado um dos grandes clássicos do cinema noir, contendo toda a sua linguagem de gênero: narração em off, femme fatale, fotografia em preto e branco, uma trama policial, um protagonista que é um anti-herói. A cena final é uma das mais primorosas da história do cinema, localizada na pista do aeroporto, em uma conclusão moralista mas ao mesmo tempo, fatalista. Direção requintada de Kubrick, auxiliado por um ótimo elenco que esbanja charme e carisma. Atualmente, o filme faz parte da Critterion Collection, dedicada às grandes obras da sétima arte.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

A família completa

“Kazoku konpurîto ”, de Koichi Imaizumi (2010) Esse é provavelmente um dos filmes mais bizarros que já assisti na minha vida cinéfila. “A família completa” é uma mistura insana de Nelson Rodrigues com o filme “Teorema”, de Pasolini. Para quem lembra de “Teorema”, um homem misterioso entra na casa de uma família burguesa e seduz a todos, homens e mulheres, fazendo sexo com todos. Agora, junte a essa história, uma trama repleta de cenas de sexo explícito, ficção científica, incesto e um vírus? Koichi ( o próprio diretor e roteirista Koichi Imaizumi) é pai de Shusako, um homem de 30 anos, casado e pai de 3 filhos. Todos moram na mesma casa, com exceção de um dos filhos, que se casou e está de viagem para o Hawaii. Koichi é um biólogo e foi infectado com um vírus que faz com que ele faça sexo com seu filho Shusako e seus 3 netos homens. Quando a esposa de Shusako descobre, ela resolve ir embora. Um dos netos de Koichi além de transar com o avô, faz pegação em aplicativos de celular. O filme é uma loucura e é difícil descrever as cenas . Só posso dizer que envolvem cenas de sexo explícito real, nada simulado, Ainda tem um sub-plot da falecida esposa de Koichi que usa uma máscara com o nariz em formato de vibrador que enfia o nariz no próprio marido e o faz pagar boquete no artefato, que goza!!!!! Olhando de fora, parece que o diretor se escalou no papel principal para poder fazer sexo com o seu elenco de jovens atores. É difícil não pensar nisso. “A família completa” é um filme muito radical e só dá para indicar para espectador com mente aberta, curiosos em assistir a um filme que fale do tabu do incesto só que retratado com cenas de sexo explícito.

Donbass

“Donbass”, de Sergey Loznitsa (2018) O cineasta ucraniano Sergey Loznitsa é habituée do Festival de Cannes. Seus filmes são recebidos pela crítica e pelo público sempre de forma controversa. Há quem ame, há quem odeie. “Minha felicidade”, de 2010, e “A criatura gentil”, de 2017, são exemplos de filmes que apresentam o sofrimento do protagonista em torno de uma Ucrânia devastada por guerras e conflitos, e ainda sob a herança do comunismo da União Soviética. Com “Donbass”, Sergey Loznitsa recebeu o prêmio de melhor diretor em Cannes 2018 na Mostra paralela Um certo olhar. O filme foi indicado também para representar a Ucrânia para uma vaga ao Oscar de filme estrangeiro, mas não chegou entre os 5 finalistas. A estrutura narrativa de “Donbass” é uma hoemangem à “O fantasma da liberdade”, de Luís Bunuel. Sergey quis copiar a dinâmica de sketches, onde cada história segue independente da outra, cada uma com seu protagonista. O filme apresenta 13 sketches, algumas em longos planos-sequência. O episódio que abre o filme continua na cena final, mostrando populares contratados para falarem para o canal de tv sobre as manifestações políticas. Assim como Bunuel, Sergey também trabalha com o nonsense e o surreal, mas aqui ele explora a tragédia e a exploração humana através de cenas violentas e brutais. Donbass é uma região ao leste da Ucrânia onde se deu a Guerra separatista entre a Ucrânia e Russia, iniciada em 2014. O governo da Ucrânia se dividiu entre separatistas e os que eram a favor da união com a Russia. São histórias que giram em torno de corrupção, traições, atentados, o medo da população diante de um conflito onde quem sai perdendo é o povo, morto em violentos confrontos. Em uma das histórias, um soldado separatista é preso e colocado à disposição dos populares na rua poderem linchá-lo. É um episodio brutal, filmado em estilo documental. Provavelmente usaram bastante trabalho de pós-produção, pois a cena é filmada em plano-sequência e o soldado vai levando socos e vai ficando repleto de feridas e espirrando sangue. Sergey tem uma capacidade impressionante em seus filmes, de saber marcar elenco e enorme quantidade de figuração em cena. São verdadeiros tableaus, longos, onde o aglomeramento de pessoas vai aumentando, mas você não vê ninguém fora do tom ou da cena. Sois exemplos são as cenas do linchamento e a brilhante cena final.

A vida na boa

“The beach bum”, de Harmony Korine (2019) Harmony Korine é um roteirista e cineasta independente Americano, famoso nas rodinhas cults dos cinemas autorais. Ele ficou famoso no mundo todo ao escrever o roteiro do polêmico “Kids”, de Larry Clark, em 1995. Em 1997 lançou seu primeiro longa, o premiado ‘Gummo”. Desde então, divide seu trabalho entre dirigir vídeo-clips de artistas famosos, como Rihanna e Sonith Youth, e outros filmes autorais. Seu maior sucesso veio com “Spring breakers”, de 2012, mostrando um grupo de garotas da Flórida roubando , usando drogas e se metendo com traficante e armas. O filme ganhou o mundo por ter no seu elenco Selena Gomes e Vanessa Hugens, até então, fazendo apenas papéis de mocinhas e aqui totalmente Girl power e despirocadas. “A vida na boa” tem como protagonista Matthew McConaughey. Ele interpreta Moondog, um poeta cultuado no meio intelectual americano, mas que largou a escrita após se casar com a milionária Minnie (Isla Fisher). Eles têm uma filha, Heather, prestes a se casar. Moondog se acomodou em ficar na aba de Minnie e viaja constantemente para Florida Keys, famoso reduto de drogados e hippies. Ele fuma maconha, cheira cocaína, transa com várias mulheres. Minnie também tem um amante, o rapper Lingerie (Snoopy Dog dog). Ao retornar para casa para o casamento da filha, Moondog acaba se envolvendo em um acidente trágico, que irá transformar a sua vida. Ou não. Eu sou um grande fã dos filmes de Harmony Korine, e especialmente “Gummo” e Spring breakers”. Korine novamente trabalha com o fotógrafo francês Benoir Debie, que vem a ser fotógrafo de vários filmes de Gaspar Noé, entre eles, “Enter the void”, “Clímax” e “Love”. Benoir Debie intensifica o sol de Miami e as noites com seus neons, tornando tudo bastante estilizado e com uma atmosfera decadente. O elenco de apoio conta com a ajuda luxuosa de Jonah Hill, Zac Efron e Martin Lawrence. O filme entrou em algumas listas de melhores filmes de 2019. Com todos esses elogios, fica difícil dizer que eu curti o filme. Tudo o que Korine faz está ali. Mas acredito que o que me afastou do filme foi o personagem de Moondog, protagonizado com bastante garra e vigor por Mathew, um personagem bastante complexo e difícil pela sua caricatura extrema. Não gostei de sua personalidade, me irritou profundamente o jeito totalmente lousy de ser, destruindo as vidas de outras pessoas ao seu redor, enchendo o saco de todo mundo, ser mega mulherengo e desrespeitar sua própria família. Talvez eu precise rever o filme para poder enxergar um carisma ali dentro de Moondog, mas por enquanto, é só irritação por ele. O filme é anunciado como sendo uma comédia, mas não vi motivos para risos no filme, para mim é mais um drama. Li que Korine se baseou em histórias e personagens colhidos durante sua estada em Florida Keys. Se for como é apresentando no filme, definitivamente é um lugar que não estará no meu roteiro de viagens futuro.

Cão militar

“Military dog”, de Ping-Wen Wang (2019) A cineasta de Taiwan Ping-Wen Wang faz parte da lista da Variety dos 100 novos diretores a serem observados de 2019. Em seus filmes, ela lida com a temática queer mostrando o submundo dos desejos ocultos. Em “Cão militar”, que ela escreveu e dirigiu, Ping-Wen Wang lida com o universo da submissão e do Bondage. O filme é para um público voyeur e fetichista, que curte bizarrices eróticas. Lee Jun-zhong é um novo cadete na base militar. Adepto da submissão, Lee mantém contato via celular com seu Mestre, DT, que tem fascínio em tratar os cadetes como cachorros humanos. Lee acredita que está preparado para ser dominado, mas DT tem dúvidas. Para provar que ele está pronto ser dominado, DT pede para que Lee grave um vídeo totalmente nú, se arrastando no chão como cachorro, levante as pernas e urine na parede. Lee obedece e tenta gravar o vídeo, mas em todo lugar que ele vai, aparece alguém. Lee se desespera, pois tem 10 minutos cravados para cumprir a sua missão com seu Mestre. Ping adaptou o roteiro de um conto online escrito por  Mu-Cong Xia. O filme é bastante sensual e erótico, e curioso que o próprio espectador se coloca no lugar de DT, torcendo para que ele mande o vídeo com a imagem do cadete mijando na parede. O filme tem uma fotografia e uma atmosfera de decadência, bem típica daqueles filmes obscuros dos anos 70.

domingo, 29 de dezembro de 2019

Perdido

"Lost", de Anthony Koh (2017) Drama LGBTQI+ de Taiwan, mostrando como a juventude de hoje reage em relação à Aids. Em vários países, por conta da diminuição das campanhas do Governo em torno da prevenção da Aids, muitos jovens têm transado sem camisinha. O filme é um alerta para a geração que cresceu sob a demanda dos coquetéis que vendem a idéia de que a Aids não oferece mais perigo. Kevin é um jovem que sai de sua cidade do interior para a capital de Taiwan. Ele costuma fazer pegação usando o aplicativo GRINDR. Ele marca um encontro com George em seu apartamento. Durante a transa, George, que faz o ativo, pede para transarem sem camisinha. Kevin não reluta. Dias depois, Kevin passa a sentir febre. Imediatamente ele vai fazer exame de HIV, que dá negativo. Mas sinais surgem em seu corpo, e Kevin insiste que tenha sido contaminado pelo HIV. Ele liga para George, que não responde suas mensagens. Kevin se desespera. O filme tem uma ótima performance de Cheng Yueh no papel difícil de Kevin, em cenas que exigem constante mudanças de emoção. Apesar do tom pessimista e alarmista do filme, é um alerta para que os jovens transem com camisinha.

Minha irmã de Paris

“Ni une ni deux”, de Anne Giafferi (2019) Simpática comédia dramática, escrita e dirigida pela cineasta francesa Anne Giafferi, “Minha irmã de Paris” tem um enredo que poderia ser adaptado para qualquer País: fala sobre a indústria do cinema, sobre o estrelismo das atrizes, do envelhecimento das mesmas e do grande conflito artístico e profissional que atinge quase todos os atores: afinal, o ator deve seguir seu instinto ou se sujeitar a fazer filmes no qual ele não se sente confortável? Julie (Mathilde Seigner, em papel duplo, bastante versátil) é uma atriz famosa pelo mau humor e por tartar toda a equipe com desrespeito. Julie está para completar 45 anos de idade e já não tem a mesma fama de antes. Além de acreditar que perde seu público por conta da idade, o seu agente lhe diz que ela precisa sair da seara dos filmes autorais e investir nos filmes comerciais, no caso , comédias, para fazer sucesso e ser reconhecida pelo grande público. Julie se recusa, mas diante da insistência do seu agente, ela aceita entrar no lugar de uma atriz que se acidentou em uma comédia prestes a ser rodada. Só que Julie sucumbe à tentação do botox e o procedimento dá errado. Como ela precisa estar no set no dia seguinte, ela acaba convidando Laurette, uma fã que trabalha de cabeleireira em salão próprio em uma província próxima de Paris. Ambas se conheceram no mesmo dia durante uma sessão de pré-estréia de um filme fracassado de Julie. Julie acredita que elas são apenas parecidas, mas Laurette sabe de um segredo que pode mudar a vida das duas. Acontece que Laurette é simpática com todos e adora comédia, e acaba fazendo grande sucesso durante as filmagens, contrariando o desejo de Julie que quer retornar logo ao set. Uma deliciosa comédia de erros, o filme investe também no drama, através da história de mulheres solitárias e que lutam por seu futuro profissional e pelas suas famílias. Mas o grande tema do filme, abordado de forma exemplar, é a discussão em torno da coerência profissional; até que ponto o artista precisa se envolver em um projeto se ele não se enxerga naquele trabalho. O filme vale por esse tema e pelo ótimo trabalho das atrizes, principalmente Mathilde Seigner. Eu nunca havia visto seu rosto em outros filmes e fui pesquisar. Descubro que ela é irmã de Emannuele Seigner, casada com Polansky. Ficar de olho em seus próximos trabalhos pois ela tem um belo trabalho a apresentar, mostrando uma versatilidade entre drama e comédia.

Macho

"Macho", de Antonio Serrano (2016) Comédia mexicana de grande sucesso, "Macho" infelizmente vai ficar conhecida pelo crime bárbaro que aconteceu com seu co-astro, Renato Lopez: 2 dias após o lançamento do filme nos cinemas mexicanos, o ator foi assassinado, junto de seu agente, por um cartel de traficantes em uma região rural próxima à capital. Eles estavam indo encontrar um suposto produtor que queria contratar Renato para uma campanha local. Não se sabe o motivo do crime. Muito triste, pois, pelo seu belo e divertido trabalho aqui na comédia, era possível perceber que Renato tinha uma grande carreira pela frente. "Macho" é uma comédia que lida com a questão da aceitação da homossexualidade e de como as pessoas se apropriam do termo LGBTQI+ para ganhar dinheiro no mundo fashion. Evaristo Jimenez ( Mario Rodarte, um grande astro mexicano) é o estilista de alta costura mais famoso e celebrado de sue país. Famoso pelo seu temperamento arrogante e por praticar bullying em suas modelos e sua equipe, Mario esconde um grande segredo, que somente sua assistente pessoal, Gigi, conhece: Evaristo é hetero e por debaixo dos panos, transa com suas clientes e modelos. Mais: se faz passar por gay para ganhar o apoio das entidades e comunidade LGBTQI+. Quando uma equipe documental grava sem querer uma transa de Evaristo com uma cliente, rapidamente Gigi propõe que Evaristo arrange um namorado para abafar possíveis fofocas. A isca é Sandro (Renato Lopez), o estagiário da Maison. O problema é que Sandro se apaixona de verdade por Evaristo, sem saber que na verdade, tudo faz parte de uma armação. Aos olhos do politicamente correto, o filme é todo um erro: apropriação da cultura LGBTQI+ para poder ganhar dinheiro, homem que transa com todas as mulheres possíveis e muita homofobia. Fosse há uns anos atrás, o filme teria sido um sucesso. Uma possível refilmagem do longa teria que modernizar muito o foco que a sociedade cobra em relação ao universo queer e feminino, mas mesmo assim, é possível ver qualidades no filme: os atores estão ótimos e são bastante carismáticos. A produção é bem caprichada: direção de arte, figurinos, fotografia. Eu confesso que gargalhei bastante em alguns momentos, em outros fiquei irritado com o caminho do roteirista. Um filme polêmico sem dúvida, mas que merece ser visto justamente para poder ser reavaliado e discutido sobre os novos caminhos do entretenimento em relação às minorias retratadas nas telas do cinema.

A canção de Orfeu

"Orpheu's song", de Tor Iben (2019) Drama independente LGBTQI+ alemão, "A canção de Orfeu" é uma história bem simples, protagonizada por dois jovens belos atores, Philipe (Sascha Weingarten) e Enis (Julien Lickert). Philipe e Enis são melhores amigos. Eles passam parte do dia malhando na academia e cuidando do corpo. Enis namora a modelo Kristina. Philipe procura emprego e é bastante narcisista. Um dia, Philipe recebe a notícia de que ganhou uma passagem com acompanhante para a Grécia. Sem pestanejar, ele convida Enis para um final de semana juntos. Chegando lá, eles bebem em bares, paqueram garotas. No da seguinte, fazem um passeio pela Ilha, a pé, e acabam se perdendo. De repente, encontram um jovem, que se auto-nomeia Hercules. Hercules os leva para uma caverna para passar a noite e lhes oferece frutas para comer. AO comerem as frutas, os dois amigos passam ater devaneios eróticos. No dia seguinte, Hercules sumiu. Ao seguirem caminho, encontram a praia. Os amigos se olham e acabam transando, apaixonados. Ao acordar, Enis está diferente. Se sente envergonhado e resolve voltar para a Grécia. Philipe fica desolado. "A canção de Orfeu", como diz o título, apresenta no seu segundo ato uma parte lúdica, fabular, fazendo o filme dar uma guinada por um caminho bastante incomum e estranho. É a deixa para o filme se tornar mais experimental e menos careta. A cena de sexo de Philipe e Enis na praia é muito bem filmada e os atores se entregaram à paixão. É uma ótima cena de homoerotismo. Pena que o filme como um todo seja bastante fraco, com atores de apoio fracos ( os atores que interpretam Hercules e Kristina são muito fracos). O filme custou baratíssimo, é uma produção bastante amadora e com um elenco pequeno.

sábado, 28 de dezembro de 2019

Irmã

"Sister", de Siqi Song (2019) Contundente e excepcional curta de animação chinês, finalista entre os curtas da categoria no Oscar 2020. O animador Siqi Song ganhou diversos prêmios em importantes Festivais internacionais, incluindo a competição em Sundance. O narrador ( o próprio diretor Siqi Song) volta ao tempo, mais precisamente 1990. Ele narra os vários anos de convivência com a sua irmã irritante, 4 anos mais jovem do que ele. SPOILER ABAIXO: Nos minutos finais, descobrimos que na verdade, nunca houve irmã nenhuma. O narrador parte da suposição de que como seria a sua vida caso ele tivesse uma irmã. Quando sua mãe descobriu estar grávida, ficou triste, porquê teve que abortar a sua futura irmã. Isso porquê na China, foi implantado o regime do filho único , que vingou de 1980 2015. O filme é uma crítica à essa política, e o diretor dedica o seu filme à todos os irmãos que os seus conterrâneos poderiam ter tido. A técnica usada no filme é de stop motion, filmada em preto e branco e com bonecos feitos de feltro. Imperdível.

Vilões

"Villains", de Dan Berk e Robert Olsen (2019) Exibido no prestigiado Festival de cinema independente SXSW, "Vilões" faz parte do sub-gênero chamado "Home invasion", de onde saíram grandes sucessos como o recente "O homem nas trevas". O filme tem um elenco pequeno, encabeçado pelos excelentes Bill Skaasgard ( O palhaço Pennywise em "It") e Maika Monroe (do cult "A corrente do mal"). Eles são o casal Mickey e Jules, que sonham em seguir até a Flórida. Só que para se capitalizarem, eles assaltam um posto de gasolina. Após o assalto, eles pegam estrada, mas o combustível acaba, O local é deserto, e eles acabam encontrando uma casa no meio do nada. Ao revirarem a casa, encontram um porão. Ao descerem, descobrem que ali se encontra uma menina acorrentada. Eles tentam libertar a menina, mas o casal dono da casa surge e tomam conta da situação. Mickey e Jules descobrem que a mulher é psicótica e que enlouqueceu depois que descobriu que não poda ter filhos. O marido dela não vai deixar que ninguém saia da casa. O filme não traz nenhuma novidade, mas tem boa direção e os 4 atores principais estão ótimos. Bill e Maika formam um casal bastante carismático, e conseguem dar uma guinada no caráter dos personagens. Bons momentos de tensão e também de humor negro.

Aqueles que ficaram

“Akik maradtak”, de Barnabás Tóth (2019) Finalista entre os 10 selecionados para o Oscar de filme estrangeiro de 2020, o poderoso e contundente drama húngaro ‘Aqueles que ficaram” é uma adaptação do livro de , Zsuzsa F. Várkonyi, “Aqueles que ficaram”. Assim como em “A escolha de Sofia”, o filme é um retrato dos sobreviventes do Holocausto, e já começa anos depois do final da 2a guerra mundial, na Hungria. Sofrendo com a escassez de comida e a chegada inevitável do regime comunista, a Hungria é composta por sobreviventes da 2a guerra. Quem teve condições já fugiu do País para uma vida melhor em outro lugar. O médico ginecologista Körner Aladár ( em performance irrepreensíve; de Károly Hajduk) é um homem discreto na faixa dos 40 anos. Ele cuida das mulheres que sobreviveram aos horrores da guerra e que perderam seus maridos. Entre suas pacientes, está Klara (Abigél Szõke, excelente), uma adolescente de 16 anos trazidas por sua guardiã, a tia Olgi. Klara acredita que seus pais ainda estão vivos. De imediato, Klara e Korner sentem uma conexão de duas almas perdidas e que necessitam urgentemente de carinho e compreensão. Sem condições de manter Klara sozinha, olgi aceita dividir os dias de Klara com Korner. No entanto, as pessoas na escola e no prédio de Korner passam a suspeitar que existe algo além de uma simples amizade entre os dois, a ponto de Korner receber ameaças do partido comunista. A direção de Barnabás Tóth é bastante inteligente. No incío, eu ficava bastante incomodado com as cenas noturnas serem tão escuras, quase impossíveis de serem vistas. Mas aí entendi que é proposital: em primeiro lugar, para dar realismo à escassez de energia elétrica. E depois, para deixar ao espectador imaginar o que acontece no quarto entre os dois personagens. É um desejo quase obsceno de querer enxergar coisas que de repente nem existem. A trilha sonora de László Pirisi é digna de aplausos: melancólica sem ser exagerada e elevando as cenas dramáticas a um nível de perfeição. Um filme triste, sobre personagens que perderam tudo e que estão a um passo de perderem suas vidas. A cena de Klara folheando o álbum de Korner é um primor de realização. O filme não pode e não deve ser visto como uma possível adaptação húngara ao livro de Nobukov, "Lolita". Não deve ser avaliado por esse olhar tão simplista. É um filme complexo e polêmico, mas apaixonante.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Arco-íris sem cores

"Cau vong khong sac", de Tuyen Quang Nguyen (2015) O cinema LGBTQI+ no Vietnã faz parte de um movimento recente. O primeiro filme com temática queer data de 2011, "Lost in Paradise". A sociedade do Vietnã sempre foi bastante conservadora e homofóbica, mas de uns anos para cá, o pensamento sobre casamento gay e cultura queer mudou bastante. "Arco-íris sem cores" se tornou uma das maiores bilheterias do País, e o filme toca justamente no ponto da aceitação da família e da sociedade em relação a ter um filho gay. Só que o diretor e roteirista Tuyen Quang Nguyen resolveu caprichar no melodrama e nos exageros que somente a novela mexicana possui e fez do drama romântico uma experiência única: um dos roteiros mais bizarros que já vi, atuações amadoras e canastronas, totalmente gritadas e uma trilha sonora onipresente, preenchendo qualquer segundo do filme com piano e um vocal melódico de envergonhar Mariah Carey. Sim, o filme é ruim, mas ao mesmo tempo, é divertidíssimo. É tudo tão inacreditável, que acabei achando tudo maravilhoso. Hung e Huang são dois irmãos que vivem em harmonia com os pais, Huang é filho biológico, e Hung é adotivo. O casal aind atem uma outra filha. Desde pequenos, Hung e Huang são bastante unidos. Já crescidos, Hung quer ser pintor, e Huang, cantor. O que a família não sabe, é que os dois são apaixonados um pelo outro. Quando o pai descobre, prefere ficar calado. Mas quando a mãe descobre, ela surta, enlouquece. Obriga Hung a colocar um vestido feminino e o expulsa de casa. AGORA PRESTE ATENÇÃO NO DESENROLAR DA HISTÓRIA E SEU DESFECHO, TUDO COM TRILHA SONORA ININTERRUPTA. Hung corre pela estrada, vestido de mulher. Huang vai atrás, decidido a fugir com ele. Só que uma van surge e quando vai atropelar Huang, Hung se coloca em seu lugar e acaba morrendo. A família surge, se desesperam. A mãe começa a colocar culpa nela mesma. Huang foge pela estrada, enlouquece. Passam-se anos, e Huang vaga pelas ruas vestido de noiva, mentalmente perturbado. Não sabe mais quem é. A criançada da vizinhança joga pedras e ixo e o chamam de "Gay louco". O pai, para atrair sua atenção para casa, começa a tocar a música que Huanga compôs para Hung. Huang surge. Quando a mãe aparece, ele enlouquece de novo e foge. A família vai atrás dele, até mesmo o cachorro. Quando alcançam o cemitério aonde está enterrado Hung, ouve-se uma voz do além: é Hung, pedindo para Huang perdoar a mãe e voltar para casa. O ano é 2028. Corta para 2035, 7 anos depois. Huang agora é intr. Quando pinta a paisagem, v&e na sua frente dois meninos, projetando neles o amor que teve por Hung. Tentei descrever o roteiro do filme, mas de verdade, é uma tarefa impossível. Só vendo para crer. ara se ter uma idéia, o prólogo começa como um filme de terror: Huang vaga como um zumbi pelas ruas d enoite, assustando sua mãe, que acorda aos gritos. Para quem gosta de um trash, o filme é uma pedida imperdível. Valeram todas as boas intenções de botar em pauta a questão da homofobia e aceitação da homossexualidade dentro da própria família. O filme concorreu no prestigiado Festival internacional de cinema de Moscou.

A queda de Esparta

"La chute de Sparte", de Tristan Dubois (2018) Adaptação do livro homônimo, escrito pelo canadense Biz, "A queda de Esparta" é um drama adolescente do Canadá que toca em todos os assuntos que já assistimos mil vezes em filmes americanos e franceses. Tem bullying na escola, tem a menina mais popular que o protagonista tá doido para namorar, tem o grandalhão jogador do time da escola que namora a mesma garota, tem o melhor amigo, tem a falta de comunicação com os pais, tem um personagem que teme que descubram a sua homossexualidade e se mata. É aí, nesse último item, que o filme infelizmente não soube lidar direito e traz uma mensagem muito negativa para o espectador. Steeve Simard (Lévi Doré, assim como seu personagem, com 16 anos) é um adolescente nerd que só tem um amigo na escola: Virgil, um jogador negro do time da escola. Os pais de Steeve querem que ele seja o melhor nos estudos. Steeve adora ler livros e se refugia em um mundo de fantasia para escapar de sua vida sem atrativos. Ele é apaixonado por Veronique, a garota mais popular da escola, mas ela namora Giroux, o capitão do time que é mal encarado. Um incidente faz com que Steeve acabe derrubando Giroux, ao defender Veronique, e ele acaba se tornando popular. O filme é bem simpático, e os jovens atores são ótimos. A trilha sonora é repleta de músicas rap que traduzem o universo de Steeve. O time é smepre visto por Steeve como um bando de guerreiros espartanos ( o time se chama Esparta). A narrativa lúdica do filme, que vez ou outra remete ao cinema do belga Jaco Van Dormael, realizador do clássico "O homem de duas faces". O filme s;o peca quando toca no assunto da saída do armário. O homossexualismo é visto como algo pecaminoso, sujo. Ninguém discute a decisão do personagem, ele não busca ajuda e se mata. Aí as pessoas choram, e no final, terminam felizes. Uma falta de tato para aproveitar o público adolescente do projeto e discutir a questão do gênero e a aceitação pela sociedade e pela família.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Esquadrão 6

"6 Undergorund", de Michael Bay (2019) Michael Bay criou uma linguagem para o universo cinematográfico que qualquer espectador consegue reconhecer. Para o bem ou para o mal, toda as vezes que você assistir a um filme e metade de seus planos forem em câmera lenta, tiverem muitas explosões, tiros, atropelamentos, mulheres deslumbrantes em trajes sumários, protagonistas heróicos tirando onda, um ufanismo patriótico ao nível máximo, trilha sonora repleta de rap e o maior de todos os chavões, pelo menos unas 10 cenas no entardecer ou amanhecer, não tenha dúvida: é um filme de Michael Bay, Absolutamente em todos os seus filmes, essa linguagem é recorrente. Eu ainda incluiria o verdadeiro massacre de civis que acontece em todas as suas produções, seja "Pearl Harbor", 'Armageddon", todos os filmes do 'Transformers" e agora nesse que parece ser uma nova franquia, "Esquadrão 6". Eu sempre fiquei estarrecido como morre gente nos filmes de Bay, e como ninguém faz uma menção sequer a essa chacina de civis. Essas pessoas todas parecem que existem somente para servir ao bel prazer sádico de Bay, de ver pessoas explodindo, sendo atropeladas, levando balas perdidas, sendo bombardeadas. Em 'Esquadrão 6", eu já fiquei chocado logo no início: todo o prólogo acontece em Florença, e a cidade , a sua arquitetura, suas ruas históricas e os turistas são detonados em menos de 5 minutos. Tudo bem que a cidade de Florença tenha permitido filmar ali, ganhando milhões de dólares, mas ao custo de muito exculhambação e contra a imagem do local, inclusive sacaneiam a estátua de Davi, de Michelangelo. Ao custo de 150 milhões de dólares, que cobre a viagem de toda a equipe à uma dezena de países pelo mundo ( Itália, Hong Kong, Uzbequistão, Etc), o filme é encabeçado por Ryan Reynolds e tem como roteiristas Paul Wernick e Rhett Reese, que escreveram os 2 filmes "Deadpool". Quem assistiu a essa franquia sabe que não deve esperar pelo politicamente correto. Aqui, os heróis saem matando e chacinando todo mundo, não deixando ninguém vivo. A política dos heróis é: já que o Governo americano não faz nada, nós faremos". E quem são eles? Ryan Reynolds interpreta um bilionário ( Alô Brice Wayne, alô Stark) que cansado de ver a população mundial sofrendo na mão de ditadores tiranos, resolve simular a sua morte e assim, ficar no anonimato. Ele recruta 5 outros renegados pelo mundo todo e juntos, os 6, cada um apelidado de um número e sem saberem nada da vida pessoal do outro, se unem para acabar com a tirania de grandes vilões. Cada um do grupo tem uma habilidade: espionagem, parkour, tiros, medicina, etc. O filme é pretexto pura e simplesmente para, em quase 130 minutos de filme, deixar o espectador burro, cego e surdo com tanta explosão, tiros, assassinatos por segundo que se possa imaginar. Edição frenética, câmera em constante movimento. É um video clip interminável. Troque os Transformers pelos espiões e você terá o filme. O desfecho? Claro, aquela imagem de todos andando em câmera lenta, fodões, ao som de música rap. Ninguém tinha dúvidas disso. Ryan Reynolds repete aquele mesmo tipo que ele já ficou famoso: boa gente, todo estiloso, falando mil palavrões e com barba por fazer. Sö faltou a máscara do Deadpool.

Vida de silêncio

"Life of silence", de Cheng-Ru Ying (2014) Drama LGBTQI+ de Taiwan, apresentando 3 histórias onde o protagonista é um jovem que não assume sua homossexualidade e acaba destruindo a sua vida e a das pessoas que ela ama. Em todas as histórias, o protagonista mantém uma relação com outro rapaz, mas por conta da pressão da sociedade patriarcal e conservadora, acaba se casando pela insistência dos pais em querer ter netos e não admitir que um filho homem não se case. O filme é bem didático e trágico, e foi realizado pelo roteirista e diretor Cheng-Ru Ying justamente para criticar o governo de Taiwan, que na época do filme, 2014, ainda não admitia relações homossexuais e casamentos com pessoas do mesmo sexo. O filme tem belas cenas sensuais fotografadas com muita sensibilidade. Tem uma excelente cena, onde a mãe prepara comida pro filho na cozinha e o questiona sobre o porquê dele ainda não ter uma namorada. Ela diz que sonhou com o falecido marido lhe pedindo para cobrar o filho sobre um relacionamento. A cena foi filmada em plano único, e a atriz, com bastante destreza, faz todo o jantar enquanto conversa com o filho. Uma bela cena naturalista.

Em trânsito

“Transit”, de  Christian Petzold (2018) Brilhante drama distópico, baseado no livro de Anna Seghers e adaptado ao cinema pelo próprio Christian Petzold. Porém, Christian resolveu promover uma alteração polêmica na história: transferiu o ano de 1944 da obra original, para os dias de hoje. Criou então um filme distópico, sobre a França de hoje em dia ocupada pelos nazistas. Na concepção moderna do nazismo, Paris é exatamente igual como todos conhecemos, e os nazistas não usam suásticas. Georg (Franz Rogowski, excelente) é um jovem clandestino que quer fugir do País. Quando ele é enviado por um amigo para se encontrar com um escritor em um hotel, descobre que o escritor se suicidou. Georg pega os documentos do escritor, que inclui roteiro, documentos de viagem para o México e dinheiro, e parte para Marseille, para pegar um navio e fugir para o México, se passando pelo escritor. Só que chegando lá, ao seguir até o Consulado, ele descobre que o escritor estava envolvido com ataques envolvendo grupo comunista. Georg nega todas as ações. Ele acaba conhecendo Marie, esposa do escritor morto, que todo dia aparece no consulado em busca do marido. Georg esconde o fato de que ele se matou e acaba se apaixonando por ela. O cineasta Christian Petzold realizou 2 grandes filmes sobre amor na 2a guerra: “Barbara” e “Phoenix”. Seus filmes misturam melodrama, suspense e drama de guerra, sempre tendo um casal protagonista vivendo um amor impossível. A direção de Petzold é excelente, e o filme brinca na narrativa quando coloca um suposto autor narrando em off a história de Georg, ou seja, são várias as camadas de metalinguagem no filme. Os atores estão todos muito bem. O que mais me impressionou no filme, foi a metáfora dos refugiados e imigrantes na Europa, perseguidos pela polícia e elo governo, transformado em uma história de 2a guerra mundial que avançou nos dias de hoje. O filme ganhou diversos prêmios internacionais, pena que não tenha tido mais visibilidade.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Cats

Cats", de Tom Hooper (2019) Como dizer para alguém que você adorou um dos filmes mais odiados pela crítica e público, e que se tornou uma das piores bilheterias recentes na história do cinema? “Cats”, adaptação musical do grande sucesso da Broadway, que ficou mais de 30 anos em cartaz, composta pelo mago dos musicais Andrew Lloyd Webber, e que imortalizou a música “Memories”, provocou enorme frustração e desgosto nas plateias do mundo inteiro, principalmente por conta de sua controversa caracterização e direção de arte. Os “gatos humanizados” com efeitos especiais que lhe aplicaram pele, garras e maquiagem de felinos, mantiveram suas feições de seres humanos. Teve gente que achou pavoroso, outros ficaram com medo. A direção de arte reproduziu Londres em computação gráfica. Como sou apaixonado por musicais, amo o score da trilha original da peça e acho “Cats” divertido, desdenhei para esses comentários técnicos. Sério que alguém quer discutir direção de arte fake em um texto onde os gatos cantam e agem como humanos? Todo o mundo que viu o musical sabe que ele se passa numa rua de Londres, na noite onde será eleito o gato que irá para o Paraíso e assim, poder retornar com uma nova vida. Para se candidatar, o gato deverá emocionar a plateia com uma música e também ser um Jellicle. O texto não faz muito sentido, mas é pretexto para exibir belos números musicais e uma excelente coreografia executada por Andy Blankenbuehler, o mesmo do Musical Harrington. A fotografia coube a Christopher Ross, o mesmo de “Yesterday”. O grande chamariz, no entanto, é o elenco All Star: Judi Dench, Ian Mckellen, Jennifer Hudson, Idris Elba, Taulor Swift, Rebel Wilson, James Corden, além de novatos como Francesca Hayward, atriz e bailarina no papel da protagonista Victoria, e Laurie Davidson, no papel do divertido Mr Mistoffelees. Alguns números musicais são antológicos, como , obviamente, “Memories”, com Jennifer Hudson arrebetando, o número de Ian Mckellen e o do Mr Mesfistofelles. Se você não gosta de um filme 100% cantado, se não gosta de filme com gatos cantando, se não gosta de musical, e nem de “Cats”, se mantenha afastado do cinema aonde estiver sendo exibido o filme.

Brooklyn sem pai nem mãe

"Motherless Brooklyn", de Edward Norton (2019) Adaptação do livro de Jonathan Lethem, um romance policial que o próprio Edward Norton adaptou para um roteiro cinematográfico. Norton alterou a época da história original, que se passava em 1999, para o ano de 1957. O filme me remeteu bastante ao clássico de John Houston, “Chinatown”, por tocar em assuntos semelhantes: uma história de estupro que traz discórdia em uma família importante e aristocrática, e a ambição de empreendedores que querem desalojar famílias pobres de uma região para ali, criar um grande empreendimento imobiliário e arquitetônico. Norton também trouxe tintas de filme noir, com direito a narração em off e muitos tipos suspeitos. Norton é Lionel Essrog, um detetive particular que trabalha para Frank ( Bruce Willis).Frank é morto em uma emboscada, Lionel tem a missão de descobrir quem o contratou e quem o matou. A busca vai lhe botar de frente com Moses (Alec Baldwin), um empreendedor que quer construir pontes; Laura Rose (Gugu Mbatha-Raw), uma jovem negra militante da resistência dos moradores pobres que não querem abandonar suas casas, e Paul (Willem Dafoe), um homem misterioso que faz a conexão entre todos. Com quase 150 exagerados minutos, “Brooklyn sem pai nem mãe” é um ótimo exercício que homenageia o policial noir. Tocando em temas atuais como racismo, ganância de mega empresários, desalojamento de pobres de regiões de futuro promissor, o filme traz Lionel como portador de uma doença, a síndrome de Tourette. Em outros filmes, quando representada, ao Tourette faz os personagens desfilarem palavrões e xingamentos intermináveis. Aqui, os palavrões foram amenizados para expressões menos duras, e curiosamente, traz um tipo de humor para o personagem de Lionel que destoa do filme que é apresentado. Norton é ótimo ator, mas seu personagem cheio da cacoetes às vezes parece exagerado. De qualquer forma, o super elenco manda bem nos papéis, e o filme tem dignidade e estofo o suficiente para torna-lo uma excelente opção de passatempo. Mais cerebral e menos descartável, é um filme que exige constante concentração, por conta do excesso de sub-tramas e reviravoltas.

Fim de século

"Fin de siglo", de Lucio Castro (2018) Belo drama LGBTQI+ argentino, totalmente rodado em Barcelona. A narrativa se passa em 3 tempos: passado/presente e futuro, na relação de Osho (Juan Barberini, ator argentino) e Javi (Ramon Pujol, ator espanhol). O filme é a estréia do roteirista e cineasta argentino Lucio Castro no longa-metragem, e aqui, ele faz uma homenagem ao cinema de Richard Linklater , a trilogia "Antes do amanhecer", e Alain Resnais, em 'Ano passado em Marienbad". Osho é um fotógrafo argentino que mora em NY. Ele viaja a trabalho até Barcelona, e se instala em um apartamento de airbnb. Ao caminhar pela cidade, ele observa Javi, encantado com sua beleza. De sua bancada do apartamento, Osho vê Javi caminhando na rua e o convida para subir. Após conversas e bebidas, os dois acabam transando. Javi comenta com Osho que eles se conheceram há 20 anos atrás. O filme retorna no tempo, e mostra os 2 em Barcelona. Javi namora Sofia, uma cantora lírica, que é amiga de Osho. Quando os 2 rapazes se conhecem, se apaixonam e transam. Mas logo eles se separam, pois Osho não se sente pronto para revelar sua homossexualidade. O filme pula para o futuro, uma possibilidade do que poderia ter sido a vida dos dois, casados e com uma filha adotiva. Lucio Castro conta a sua história de forma bastante contemplativa e lenta. Nos primeiros 20 minutos do filme, vemos Osho caminhando pela cidade, observando a paisagem, as pessoas. Tudo sem diálogos. O tempo é trabalhado também de forma diegética, e assim como Alain Resnais, o tempo se alterna sem aviso, deixando o espectador atônito: será real, será memória, será possibilidade? Mesmo truque usado no desfecho de “La la land”. O filme ganhou diversos prêmios em Festivais Queer pelo mundo. Os dois atores possuem um lindo trabalho, defendendo com muito amor seus personagens, que são apaixonantes. É um filme romântico, com uma tinta autoral e experimental. A cena dos dois dançando ao som do clássico dos anos 80 “A flock of seagulls- Space age of love” é antológica: eles dançam ingenuamente, se divertindo, até que vem o primeiro beijo, os sorrisos, e depois outros beijos. Uma cena extremamente sensual, assim como as cenas de transa do casal, filmado com extrema elegância mas repleto de testosterona. Um filme para voyeurs apaixonados.

No no sleep

"No no sleep", de Tsai Ming Liang (2015) O cineasta chinês Tsai Ming Liang, nascido na Malásia, é um dos autores mais celebrados por cinéfilos e críticos no mundo inteiro. Realizador de cults como "O sabor da melancia", 'Dragon Inn", "Eu não quero dormir sozinho", entre outros, recentemente ele lançou uma série de filmes com um monge chamado de "Walker" como protagonista. Tendo o seu ator fetiche Lee Kang-sheng no papel principal, os filmes apresentam Walker caminhando extremamente lento pelas ruas movimentadas de Hong Kong , Marseilles e agora em "No no sleep", em Tokyo. Fica clara a metáfora que tsai Ming Liang quiz fazer entre o movimento lento do monge e a cidade em velocidade máxima, seja por conta da tecnologia, quanto pela urgência das pessoas das grandes metrópoles. "No no sleep", um filme totalmente silencioso, somente com som ambiente, é dividido em 4 segmentos: o 1o, apresenta Walker caminhando por sobre um elevado no centro urbano, de noite. Depois, um trem em alta velocidade, mostrando a cidade. Depois, o trecho mais homoerótico dos últimos anos, um jovem rapaz, o ator japonês Masanobu Andô, totalmente nú e sem pudores, se ensaboando e tomando banho em uma casa de banho. Depois, ele se deita ao lado de Walker na piscina, totalmente nús, e rola um clima de extremo erotismo. No final, vemos cada um deles deitados isoladamente em uma cama. Masanobu O plano de Masanobu Andô deitado na cama é de uma intensa sensualidade, e a câmera do filme é totalmente apaixonada por ele. Tsai Ming Liang adora retratar em seus filmes o homoerotismo de forma estilizada, crua. Aqui, a beleza das imagens é reforçada pelos planos longos. Tsai não tem pressa em contar a sua história, e também não gosta de usar diálogos. É um cineasta ousado, que preza a imagem e dispensa palavras.

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Ele

"Hann", de Runar Þór Sigurbjörnsson (2018) Belo drama LGBTQI+ islandês, sobre os temores do adolescente Andri em relevar aos seus pais que ele é gay. Andri (Ásgeir Sigurðsson, excelente) vive uma vida reprimida na escola e em casa. Na escola, ele constantemente vê seus colegas batendo e outros alunos. Em casa, seu pai só fala de futebol e pergunta de suas namoradas. A mãe de Andri também não ajuda muito, e quer saber quando ele irá apresentar uma namorada. Andri está conhecendo alguém pelo Tinder, e marca um encontro. É um outro rapaz. Desesperado que seus colegas e seus pais descubram a verdade, ele tenta se esvair, sem dizer o nome da "pretendente". Andri é tímido e não sabe como sair do armário. Mas também não quer cancelar o encontro. Com ótimas performances de todo o elenco, e linda fotografia e trilha sonora, o filme trata com bastante sinceridade de um tema muito conflituoso para os adolescentes que temem sair do armário. O desfecho pode parecer muito otimista, mas é um belo feito para um filme que quer acreditar que é possível sim vivermos em um mundo melhor.

A hora do pesadelo 2: A vingança de Freddy

"A nightmare on Elm Street 2: Freddy's revenge", de Jack Sholder (1985) Rever essa arte 2 da franquia de Freddy Kruegger após ler várias matérias que o consideram o filme de terror mais gay da história do cinema, é uma verdadeira diversão. O roteirista David Chaskin escreveu uma história onde na metáfora, fala sobre os medos do protagonista em revelar ao mundo que é gay. O filme é repleto de mensagens subliminares do universo LGBTQI+, e o protagonista, o ator Mark Patton, teve sua carreira destruída depois do filme. explica-se: Mark Patton estava começando a sua carreira e disputou o protagonista com Brad Pitt e outros galãs na época. Todos queriam repetir o sucesso de Johny Depp, que fez o primeiro filme em 1984 e depois teve a carreira alavancada. Hoje em dia, Mark Patton é assumidamente gay, mas na época, os produtores o obrigaram a se manter dentro do armário. Acontece que o personagem do filme, Jesse Walsh, foi escrito pelo roteirista Davd Chaskin como sendo um rapaz que luta contra a sa homossexualidade. Quando Fredy Krugger resolve tomar conta de seu corpo, é como se seu lado masculino estivesse entrando em crise com sua persona fragilizada. Jesse não consegue assumir seu namoro com Lida, e para piorar, está nitidamente sentindo mais atração pelo seu melhor amigo, Gary. O filme é repleto de cenas onde os rapazes estão semi-nus, suados, em cenas de nudez no vestiário. O professor de educação física do colégio fica dando em cima dos rapazes, frequenta um leather bar e obriga Jesse a se despir para transar com ele no colégio. O professor caba sendo morto por Freddy com táticas masoquistas: chicotadas e as famosas navalhadas da mão de Freddy. Outro elemento do filme que queimou a carreira de Mark Patton são os seus famosos gritos estridentes, o que lhe deram a alcunha de "Scream Queen", e a famosa cena dele dançando eroticamente em sue quarto. E o que dizer dele acordando de manhã, todo suado, cueca branca e ajeitando seu pênis na cueca? Mais um elemento que corrobora os elementos gays no filme: no poster do filme, está a seguinte frase: "O homem de seus sonhos está de volta". É rever o filme e se divertir bastante. Se puder, assista ao excelente documentário 'Scream Queen: My nightmare on Elm Street", mostrando o ator Mark Patton hoje em dia, viajando os Estados Unidos em convenções de filmes de terror e explicando como o filme mudou sua vida, expondo os horrores de ser um ator gay em Hollywood. Quando o filme foi lançado, em 1985, a Aids estava no auge, dizimando principalmente a população gay no mundo. O filme foi a metáfora perfeita para o roteirista David Chasskin expôr o grande terror que era assumir a homossexualidade e confrontar a homofobia que imperava na sociedade.

Um lindo dia na vizinhança

"A beautiful day in the neighboorhood", de Marielle Heller (2019) Não existe nenhum outro ator no mundo que pudesse interpretar o papel de Fred Rogers que não Tom Hanks. A persona de Hanks se confunde com os seus personagens, quase sempre atrelados ao altruísmo e bom mocismo. Fred Rodgers é um personagem que acaba adquirindo essa faceta que condensa todas as boas qualidades em Tom Hanks. O filme é baseado na história real da amizade improvável entre Fred Rogers e o jornalista da revista Esquire, Tom Junod, que começou em 1998. No filme, Tom Junod se chama Lloyd Vogel (Matthew Rhys, da série "The americans"). Mas quem é Fred Rogers? eu mesmo não fazia idéia de quem era essa pessoa e pesquisei na Wikipedia. Fred comandou o programa "Mister Rogers' Neighborhood", de 1968 a 2001, perdendo em liderança apenas para "Vila Sésamo". No seu programa, dedicado a crianças, ele trazia personagens, bonecos e a ele próprio, em blocos educativos. Fred sempre foi conhecido pela sua bondade extrema e pela generosidade. O jornalista Llloyd Vogel, um tipo arrogante e frio, é convocado por sua editora a fazer uma matéria em 1998 sobre Fred Rogers. Llloyd reluta, pois não dá o mínimo valor ao trabalho feito por Fred. À contragosto, aceita fazer a matéria, entrevistando Fred. Paralelo, Looyd passa por um problema familiar: seu pai, Jerry (chris Cooper, excelente) quer se reaproximar dele. Jerry abandonou Lloyd, sua irmã Lorraine e a mãe deles quando ela estava doente de cancer. Lloyd jamais perdoou o pai e reluta em vê-lo, mesmo diante da insistência de sua irmã, que já o perdoou, e de sua esposa, Andrea (Susan Kelechi Watson, de "This is us"), com quem tem um filho pequeno . Looyd é workhaholick e dedica pouco tempo aos entes queridos. Ao conhecer Fred, Lloyd vai duvidando da bondade daquela pessoa, achando que ela vive um personagem. Mas quando entende que a generosidade dele é real e que ele vive essa persona 100% do dia, Lloyd vai mudando sua postura sobre a vida e sobre as pessoas. Filmado com extrema delicadeza pela mesma diretora do ótimo "Poderia me perdoar?", que por um acaso tem o mesmo tema do perdão, "Um lindo dia na vizinhança" é convite certo para muitas cenas que irão fazer a platéia se debulhar em lágrimas. O filme é o que tem de melhor no gênero "feel good movie", aquele tipo de filme que a gente ri, se emociona, chora e sai feliz do cinema. Tom Hanks está absolutamente soberbo e apaixonante, e não tem como a gente não se perguntar como pode existir uma pessoa assim como ele: tão bom ator, tão carismático e apaixonante. Um melodrama no melhor de seu significado, daqueles temas clássicos sobre reaproximação entre pais e filhos.

Lobisomem

"Wilkolak", de Adrian Panek (2018) Vencedor de vários Prêmios em importantes Festivais de filme de gênero, entre eles o de Melhor filme do juri e do público no Fantaspoa, "Lobisomem" é um ótimo e curioso drama de horror que mistura 2a guerra mundial, crianças sobreviventes do Holocausto, cães assassinos e Chapeuzinho vermelho. O filme recupera o Gênero "exploitation" típico dos anos 70, principalmente os filmes com cães assassinos, que na época matavam negros e outras minorias. Aqui, eles são treinados para matarem judeus. Com o fim da 2a guerra mundial, os oficiais nazistas mataram todos os sobreviventes dos campos de concentração na Polônia. Um grupo de 8 crianças sobrevivem à chacina, e são enviados para um orfanato que se localiza dentro de uma floresta. Aguardando mantimentos que nunca chegam, as crianças passam fome, sede e pior, são cercados pelos cães treinados pela SS e que estão soltos na floresta, ávidos para matar as criancinhas. Para piorar a situação, soldados russos doidos para estuprar as menininhas e um oficial nazista fugitivo que espreita o local. O filme é para quem tem estômagos fortes: o roteirista e diretor polonês Adrian Panek é bastante sádico: coloca as amáveis criancinhas sendo atacadas pelos cães, as faz comerem lixo, beber água do chão e outras barbaridades. Dois dos meninos passam a olhar a adolescente mais velha com olhares erotizados, principalmente quando ela usa um vestido vermelho. É um filme muito interessante, com ótimo elenco infantil, mas não é fácil de ser visto pela sua crueza e violência.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Golfinho de borracha

"Rubber dolphin", de Ori Aharon (2018) Selecionado pela CInefondation do Festival de Cannes em 2018, destinado a filmes realizados por estudantes de cinema, "Golfinho de borracha" foi escrito e dirigido por Ori Aharon, baseado em experiências pessoais. Ori realizou esse filme durante seus estudos na Steve Tisch School of Film and Television em Tela Aviv. Um excelente drama LGBTQI+, "o título se refere a uma fala do protagonista, que diz que toda vez que coloca uma camisinha em seu pênis, se sente como um "Golfinho de borracha". Chen Hefetz e Omri Laron interpretam dois homens que se conhecem em uma noite. Chen traz Omri até o seu apartamento. Eles bebem, se divertem e transam. Omri admite para Chem que não gosta de usar camisinha, e que só faz papel de ativo. Chen cede e transa com Omri sem camisinha, e mais: pede para que ele goze dentro dele. Após a transa, ambos tomam banho, apaixonadamente, e passam a noite toda conversando na cama sobre papel sexual do ativo e passivo, sobre amores, sobre relacionamentos. Eles dançam uma música em clima romântico. No dia seguinte, ao acordar, Chen resolve que agora quer fazer o papel do ativo, mesmo sabendo que Omri não curte. Mas Chen entende que eles estão tendo um relacionamento que parece que irá durar, então em seu pensamento, um casal gay apaixonado cede aos impulsos e aos papéis sexuais de ativo e passivo. Com performances corajosas e naturalistas dos dois atores, que se entregam totalmente aos personagens, "Golfinho de borracha" toca em um ponto que é crítico em muitos relacionamentos gays: o papel sexual do parceiro. Tem uma frase decisiva de Chen, que diz a Omri que quando ele é passivo, ele não se sente sozinho no mundo, pois sabe que alguém está ali para ele. Apesar do tema visceral, o filme não é vulgar em momento algum, e sim, delicado e sensível. Uma bela direção que mantém o interesse do espectador durante o filme, totalmente rodado em uma única locação.

O final de semana

"Zweisam gemeinsam einsam", de Yann Labry, Vincent Lenk, Lisa Ossowski e Julia Rabe (2018) Curioso filme alemão, que apresneta 3 versões de uma mesma história, mas variando os gêneros: a 1a versão é um drama LGBTQI+, a 2a, uma aventura e a 3a, um filme de suspense e ficção científica. No projeto inicial do grupo de amigos que decidiu bancar essa produção independente, era que fossem 4 episódios, mas o orçamento estourou e não foi possível. Dora e Wanda são primas, e decidem ir com o namorado de Dora, Anton, e um amigo dele, Lukas, para um final de semana na casa de campo que pertence ao avô delas. No 1o episódio, Anton e Lukas possuem uma paixão velada, até que as garotas descobrem o relacionamento. No 2o episódio, as primas descobrem um mapa desenhado pelo avô delas que as direciona até um tesouro escondido. No 3o, a floresta que cerca a casa contém um segredo que faz cada um deles sumir misteriosamente. Todos os 3 episódios começam da mesma forma: o carro chegando na casa afastada. O filme não é tão interessante como parecia ser. Os atores são medianos, os roteiros, fracos e a direção coletiva tem um registo amador. Mas vale pela curiosidade, uma vez que foi bancado com iniciativa própria. Mas a mistura de gêneros não foi uma boa idéia. Deveriam ter investido mais na 1a história, a melhor das três.

Amor à queima-roupa

"True romance", de Tony Scott (1993) Se alguém um dia me perguntar um Top 10 dos anos 90, certamente "Amor à queima-roupa"é presença obrigatória. Um filme que se tornou cult e clássico por X motivos. Para poder bancar o seu primeiro filme, "Cães de aluguel", Tarantino escreveu alguns roteiros e os vendeu, entre eles, 'Assassinos por natureza", para Oliver Stone, e "Amor à queima-roupa", que ele vendeu para Harvey Weinstein, que o ofereceu a Tony Scott dirigir. Tony Scott , em 1993, já tinha enorme prestígio, tendo dirigido os cults "Fome de viver"e "Top gun". Assistindo ao filme, é possível identificar todo o universo de Tarantino: longas conversas sobre o nada, extrema violência, paixão pelo universo Nerd (quadrinhos), trilha sonora esperta e claro, amor ao Cinema B ( filmes de Kung Fyu e Western spaghetti). Outro elemento que o tornou obrigatório, além do roteiro e das assinaturas na direção e produção, é o seu elenco mega poderoso: Os protagonistas Christian Slater e Patricia Arquette acabam sendo os menos famosos: Dennis Hopper, Christopher Walken, Brad Pitt, Chris Penn, James Gandolfini, Val Kilmer, Gary Oldman, Samuel L. Jackson, facilmente identificáveis como personagens Tarantinescos, estão fabulosos em suas participações. O filme é repleto de elementos estilísticos da época: muita luz de pôr do sol, fotografia azulada, câmera lenta, o que lhe confere um charme kitsch. As cenas antológicas são muitas, em especial destaque: a tortura de James Gandolfini em Patricia Arquette, o reencontro pai e filho de Christian Slater e Dennis Hopper e o embate entre o mafiosos siciliano de Christopher Walken com o policial Dennis Hopper e a discussão acerca da miscigenação negra entre os sicilianos. E o desfecho, absolutamente apoteótico e violento, marca registrada dos roteiros de Tarantino. A história gira em torno de Clarence, um solitário vendedor de uma loja de quadrinhos, que conhece em uma sala de cinema ( vendo uma trilogia de Kung Fu de Sonny Chiba) a call girl Alabama (Arquette), Os dois transam e a paixão é imediata. Eles se casam. Quando Clarence reoslve tomar satisfação com o gigolô de Alabama, Drexl (Oldman), ele acaba matando-o e rouba uma mala, achando que são as roupas de Alabama. Mas ao chegar em casa percebe que são kilos de cocaína. Ambos resolvem vender a produtores de cinema de Hollywood, mas a Máfia e os policiais estão em seu encalço. Um filme obrigatório e que deve ser revisto sempre. Brad Pitt está antológico como o maconheiro X-9.

Plano-sequência dos mortos

"One cut of the Dead", de Shin'ichirô Ueda (2017) Um dos melhores filmes sobre os bastidores do Cinema, realizado com extrema criatividade, inteligência e um humor feroz, provocando gargalhadas homéricas. Para os apaixonados pela arte de se fazer Cinema independente, esse filme é um primor, estando no mesmo nível dos excelentes "Meu nome é Dolamite", "Os picaretas", "A noite americana"e "Vivendo no abandono", todos filmes divertidos sobre o que acontece por trás das câmeras. "Plano-sequência dos mortos" é um dos maiores exemplos de sucesso do cinema baixo-orçamento: custou 25 mil dólares e filmado em apenas 8 dias, rendeu no mundo todo mais de 25 milhões de dólares. O sucesso foi tão avassalador, que Hollywood comprou os direitos do filme e vão fazer o remake em 2020. O filme começa como um plano-sequência de 37 minutos. Todo esse tempo, vemos uma equipe de filmagem filmando um longa sobre zumbis, mas logo, descobrem que o local aonde estão filmando teve experimentos militares e descobrem que os zumbis cercaram o local. Os sobreviventes procuram fugir mas se vêem cercados pela horda. Com um elenco primoroso, repleto de tipos caricatos ( a produtora é um primor de caracterização) , "Plano-sequência dos mortos poderia ser apenas esses 37 minutos.... MAS ATENÇÃO! NÃO LEIA O TEXTO A PARTIR DAQUI PORQUÊ É SPOILER, E EU NÃO PUDE EVITAR! O FILME É TÃO BRILHANTE QUE NÃO DÁ PARA PARAR POR AQUI!!!!!! SPOILER!!! Descobrimos lodo depois que na verdade, o plano-sequência de fato era o filme rodado pela equipe. O filme foi apresentado ao vivo para um novo canal da tv, somente com conteúdo sobre zumbis e por isso, foi inaugurado com o filme em plano-sequência apara mostrar ao espectador a capacidade de produção. A partir daí, o filme volta um mês no tempo: apresenta o diretor do filme sendo contratado, a apresentação do projeto sobre os 37 minutos em plano-sequência, a contratação da equipe real e do elenco e os ensaios exaustivos. O Terceiro ato é o mais brilhante de todos: apresneta a filmagem do filme que vemos no 1o ato, só que agora, pelo olhar dos bastidores: tudo deu errado: teve ator que ficou bêbado, outro teve caganeira, atores que faltaram, a grua que quebrou, efeitos que deram errado, e de que forma o elenco improvisou para manter o programa no ar. O filme é de verdade, um hino de amor ao ato de ser fazer cinema. Para quem trabalha com o audiovisual, é um filem obrigatório. Listado entre os melhores filmes de 2019, "Plano-sequência dos mortos"ganhou mais de 30 prêmios internacionais em importantes Festivais, como Fantaspoa,Cineeuforia e Cleveland. Imperdível!!!!!!!

domingo, 22 de dezembro de 2019

Amazing Grace

"Amazing Grace", de Alan Elliott e Sydney Pollack (2018) No ano de 1972, a Rainha do Soul, Aretha Franklin, já havia lançado 21 discos de bastante sucesso. Mas ela queria voltar para as suas raízes: o pai dela era Pastor Batista, e Aretha passou boa parte de sua adolescência cantando em coro Gospel. Foi assim que nasceu a concepção do Album "Amazing Grace", até hoje, o disco do gênero mais vendido na história. Os produtores do disco resolveram gravá-lo ao vivo, convidando o Pastor James Cleveland, um coral Gospel e o Maestro Alexander Hamilton, além de convidados ( Micke Jagger entre eles) e fiéis, mesclando negros e brancos convivendo harmonicamente em uma época aonde o preconceito racial ainda era forte e segregador. Para a direção do documentário que seria realizado e lançado junto ao disco, foi convidado o Cineasta Sidney Pollack, que na época, já havia ganhado muitos prêmios por filmes como "A noite dos desesperados"e por isso, tinha um grande conceito. Sidney Pollack, no entanto, não tinha experiência com musicais, e filmou tudo sem claquete. Esse grande erro técnico inviabilizou a edição de imagem e de som do filme, pois era impossível sincronizar sem claquete. Aretha decidiu embargar o projeto do filme, Em 2007, o produtor Alan Elliot comprou o material bruto do filme, e resolveu editá-lo com equipamentos modernos e dedicando 4 anos de sua vida para finalizar o projeto. Em 2011 quiz lançar o filme, mas Aretha proibiu. Somente após a morte de Aretha, em 2018, é que foi possível lançar o documentário. PAra quem for assistir, é inquestionável o poder das imagens e da cantoria de Aretha, um furacão em cena. Rodado em uma Igreja bem simples, as imagens dos fiéis em catarse, do coral enfurecido na cantoria, do Pastor James Cleveland chorando quando Aretha canta "Amazing Grace", tudo tem um valor inquestionável. Um registro histórico de direção de arte, figurino, maquiagem impressionantes. E a beleza de se ver a mistura de raças entoando canções Gospel, as peles encharcadas de suor de Aretha e de todo mundo do coral, dando o máximo de si, já fazem valer assistir ao filme. Muita gente reclamou da falta de depoimentos e bastidores no filme. Na verdade, ele é o show filmado. Assistam, mesmo que não goste do gênero musical. É muito bonito.

Dois papas

"Two popes", de Fernando Meirelles (2019) Escrito pelo premiado roteirista Anthony McCarten, de "A hora mais escura", "Bohemian Rapshody" e "A teoria de tudo", "Dois papas" foi dirigido por Fernando Meirelles, uma prova de sua conquista no cinema mundial. O filme mistura fatos reais e fictícios envolvendo uma suposta relação de amizade entre os Papas Bento VI, o alemão Joseph Aloisius Ratzinger, que comandou o Vaticano de 2005 a 2013, quando renunciou ao cargo, e o Papa Francisco, nascido Jorge Mario Bergoglio, argentino, que se tornou o 266o Papa desde então. Anthony Hopkins e Jonathan Pryce interpretam respectivamente os dois papas. Jonathan chegou a decorar suas falas em espanhol, mas acabou sendo dublado para dar mais veracidade ao personagem. O filme discute o conservadorismo de Bento VI, que impunha ideais retrógrados, e o olhar progressista e reformista de Francisco. Bento foi acusado de colaborar com nazistas. Francisco, de colaborar com os militares. O filme apresenta em flashbacks Jorge Bergoglio jovem, quando se tornou padre, sua luta contra a ditadura e amarga arrependimento quando teve que delatar dois padres. Boa parte do filme é um embate delicioso de duas forças da natureza, que são as performances de Hopkins e Pryce. É um verdadeiro deleite vê-los cada um defendendo os seus personagens, com discussões acerca de política, temas tabus e também, futebol, uma grande paixão de Francisco. A fotografia é do parceiro de Meirelles em 'Cidade de Deus", Cesar Charlone. Um grande acerto é o de trazer leveza e humor ao roteiro e diálogos, tornando menos árido os temas tão brutais apresentados pelos dois papas.

sábado, 21 de dezembro de 2019

Star wars: Episódio IX: A ascenção Skywalker

"Star wars: Episode IX: The rise of Skywalker", de J J Abrams (2019) Tenho que confessar: para um final de toda uma saga, dando desfechos aos personagens, achei o filme bem anti-clímax, um balde água fria. J.J. Abrams é um diretor super conceituado e já realizou excelentes filmes, mas aqui ficou, na minha opinião, tudo no piloto automático: o roteiro, os personagens, a narrativa. O ritmo do filme é totalmente sem emoção. Mas como assim, um dos personagens mais ícônicos da saga morre e não há uma única comoção????? Cadê a lágrima que deveria ter escorrido? O elenco é ótimo, mas os personagens novos da trilogia, por melhores atores que sejam, não seguram um filme inteiro sem a participação dos personagens originais. Espertos como só, os produtores da Disney resolveram recuperar um personagem desaparecido do filme original. Mas infelizmente, não deu para pular da cadeira de comoção não. E o que dizer de seu desfecho? Um pavor, ficou um velho babando por uma ninfeta. Pela primeira vez, assisti a um filme da franquia sem ter um único fã gritando ou pulando da cadeira, com exceção do famoso crédito inicial que ressuscita mortos. Tá tudo ali: trilha sonora, personagens icônicos, mas faltou alma. Melhor assistir a trilogia original.

Retrato de uma jovem em chamas

"Portrait de la jeune fille en feu", de Céline Sciamma (2019) Escrito e dirigido pela cineasta francesa Céline Sciamma, realizadora de premiados dramas que discutem a questão do Gênero, como 'Tomboy", "Garotas" e "Lírios brancos". Em "Retrato de uma jovem em chamas", Céline Sciamma realiza seu primeiro filme de época. Ambientado no final do século XVIII, somos apresentados à Marianne (Noémie Merlant), uma professora de artes e pintora que é convocada para fazer a pintura de Heloise ( Adele Haenel), uma jovem que irá se casar em breve, contra a sua vontade. Marianne não deve dizer que irá fazer uma pintura de Heloíse, pois irá configurar o laço matrimonial, e sim pintar escondida. Marianne é apresentada como dama de companhia e assim, durante as caminhadas, observar os trejeitos, o rosto e corpo de Heloíse. No entanto, essa aproximação fará com que as duas mulheres sintam os impulsos do amor e da paixão. O filme me lembrou bastante "A criada", drama sul coreano de Park Chow Woo também sobre a relação de duas mulheres que descobrem o amor, em uma relação de patroa e empregada. Dirigido com bastante sensibilidade e com um belo trabalho das duas atrizes principais, Retrato de uma jovem em chamas"concorreu no Festival de Cannes 2019, de onde saiu com o prêmio Queer Palm, dedicado a obras de temática LGBTQI+. Com um ritmo bastante lento e contemplativo, o drama certamente agradará ao espectador em busca de um projeto mais artístico e que tenha o tema do empoderamento feminino, mesmo que em uma época aonde a sociedade era patriarcal e machista. O curioso é perceber que os homens somente aparecem no início e no desfecho do filme, mesmo assim, como figurantes ou elenco de apoio. O filme é delas, sororidade em nível máximo.

Deerskin- A jaqueta de couro de cervo

"Le daim", de Quentin Dupieux (2019) O roteirista e cineasta francês Quentin Dupieux realizou em 2010 um dos filmes que mais odeio no mundo, "Rubber, o pneu assassino", um filme trash da pior qualidade. Agora, ele lança "Deerskin- a jaqueta de couro de cervo", que concorreu em Cannes na Mostra Quinzena dos realizadores, além de festivais de filmes de gênero importantes, como Sitges. Quentin Dupieux alcança ambições maiores: em seu novo filme B, ele escala dois dos maiores astros do cinema francês, Jean Dujardin e Adele Haenel. Fico na dúvida como ele conseguiu convencer os dois atores a fazerem parte dessa nova empreitada surreal e bizarra, que somente deve agradar a fãs de filmes obscuros e colecionadores de pérolas trash. Jean Dujardin interpreta George, um homem que perde tudo: casa, família, esposa, emprego. Em seu carro, ele vaga pelo interior da França, até aportar em uma pequena cidade. Lá, ele decide comprar uma jaqueta vintage de couro de cervo ao valor de 7 mil euros, e de quebra, leva uma câmera cancorder como brinde. Ao chegar em um bar, ele conhece a garçonete Denise (Haenel), e diz à ela que ele é um cineasta. Ela se oferece como editora, e quando acaba o dinheiro de George, ele mente para Denise que ele está aguardando dinheiro de investidores e que precisa de dinheiro emprestado. No entanto, a jaqueta passa a dominar o temperamento de George, que se torna um serial killer, filmando todas as suas ações. O filme começa ao som do clássico da música francesa cantada por Joe Dassin, "Et si Tu n'existais pas", deixando clara a opção de se fazer um filme cult. Mas o roteiro sem pé nem cabeça e a narrativa que se perde ao não decidir qual filme o cineasta quer fazer, tornam a experiência de se assistir a esse filme apenas como uma curiosidade, daquelas tipo: "quero ir até o final para ver aonde o filme acaa". Ponto para Dujardin e Haenel que se submetem a cenas estranhas e fazem sem aparentar constrangimento.

Entre facas e segredos

"Knives out", de Rian Johnson (2019) Escrito, produzido e dirigido por Rian Johnson, "Entre facas e segredos"já ganhou dezenas de prêmios em diversos Festivais, tendo boa parte dos prêmios consagrado o trabalho de todo o elenco, o que os americanos chamam de "Best ensamble cast". Rian Johnson dirigiu o VIII episódio de "Star Wars/O último Jedi", e também a ficção científica cult "Looper". Todo mundo já sabe que o filme é uma homenagem ao jogo 'Detetive", aos filmes de Agatha Christie e também à comédia de humor negro clássica dos anos 80, "Assassinato por morte". O protagonista do filme é Benoit Blanc, uma brincadeira com Hercule Poirot, interpretado por Daniel Craig. Ele é contratado por um desconhecido para resolver um assassinato em uma família tradicional, cujo patriarca, o famoso autor de livros policiais, Harlan Trombley (Christopher Plummer) foi morto. Todos os filhos, netos, noras e funcionários da mansão são suspeitos. O enredo parece ser mega batido, mas a forma como Rian Johnston brinca com o espectador, subvertendo expectativas é muito divertida e auspiciosa. Todo mundo pode ser suspeito, tanto que no final a gente ainda levanta questões. Toni Colette, Jamie Lee Curtis, Don Johnson, Michael Shannon, Ana de Armas, Chris Evans, LaKeith Stanfield ( de "Corra!"), Jaeden Martell (de "it"), Frank Oz e outros estão super à vontade em seus papéis. Assim como no jogo, procure prestar bastante atenção em tudo o que você vê e ouve, pois no final você vai dizer: mas como não percebi isso antes????

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Sofá

""Sofá", de Bruno Safadi (2019) Contratem imediatamente um assessor de imprensa que divulgue o filme com a seguinte frase: "quando a Rainha do blockbuster, Ingrid Guimarães, encontra o Rei do Cinema independente no Brasil, Cavi Borges". Somente o Cavi, e a sua produtora Cavideo, conseguiriam unir em um mesmo filme Ingrid Guimarães, Chay Suede, Laura Neiva, Nizo Neto, João Pedro Zappa, Bruce Gowlevsky e o produtor, roteirista e diretor Bruno Safadi e filmar tudo em 5 dias, com um orçamento mega enxuto. Filmando em situações adversas ( Baia da Guanabara, Linha vermelha), Bruno Safadi resgate o seu filme anterior, "O prefeito", também com Nizo Neto interpretando o prefeito carioca, e faz uma espécie de continuação, apresentando as consequências da má administração e corrupção que assolam a população. Ingrid interpreta Joana D'arc, uma professora estadual que teve a sua casa no bairro do Valongo destruída pela prefeitura. Sem moradia, ela vaga pelas ruas, até encontrar o pescador Pharaó (Chay Suede). Ambos se tornam amigos. Durante uma pescaria em busca de peixe para se alimentar, os dois acabam pescado um sofá, que Joana reconhece como sendo de sua casa. Arrastando o sofá de um lado para outro, para servir de moradia, eles são logo procurados pelo Prefeito e sua filha, Laura Neiva, que lhes reservam uma surpresa ingrata. "Sofá" foi fotografado por Azul Serra, um dos mais incensados fotógrafos brasileiros da atualidade. Bruno Safadi conheceu Ingrid e Chay enquanto gravava a novela "Novo mundo"e juntos, resolveram fazer um filme de baixo orçamento. Ingrid Guimarães já havia buscado sair do conforto das grandes comédias para um cinema mais autoral. Foi assim em "Entre idas e vindas", de José Belmonte. Idem Chay Suede, que rejeita seu rótulo de galã, investido mais em um cinema autoral com diretores como Neville D"almeida, Jorge Furtado, Daniela Thomas, Felipe Barbosa. O filme tem uma proposta estética bastante ousada, tanto em seu formato de tela ( aspect ratio) de 1:1, ou seja, um formato quadrado, quase que de um Instagram, até filtros que traz cores fortes e pastéis para o visual. Além da parte ficcional, o filme investe em um cinema documental, através de registros jornalísticos editados com a parte dos atores. Bruno Safadi, assim como em seus filmes anteriores, traz um olhar cinéfilo rebuscando homenagens a filmes de Bressane, Godard ( vide a cena onde ele subverte a linguagem do cinema apresentando uma claquete sendo batida, e a mesma cena sendo repetida em 3 takes distintos). Vislumbrei uma linda homenagem, talvez inconsciente, ao Cinema de Carlos Reichembach: No seu filme "As professoras / Anjos do arrabalde", a personagem de Betty Faria é uma professora que mora na periferia e é assaltada na rua, até reconhecer o assaltante como um de seus alunos. A mesma cena acontece no filme, com João Pedro Zappa, assaltando a personagem de Ingrid e ela reconhecendo seu aluno Ronaldinho. Eu sou um grande fã de "Éden", filme onde Safadi traz um olhar crítico ao universo da Igreja evangélica. Em "Sofá", Safadi busca um cinema mais raiz, extraindo aonde pode o seu olhar sobre o experimentalismo autoral.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

O paraíso deve ser aqui

"It must be heaven", de Elia Suleiman (2019) Elia Suleiman é um cineasta e ator palestino nascido em Nazaré, Israel. Os seus filmes de uma forma geral versam sobre a ocupação Israelense em terras palestinas, e de que forma esses 2 países se mantém lado a lado em confrontos intermináveis. Realizador dos premiados "Intervenção divina" e "O que resta do tempo", esse último mais próximo do seu atual "O paraíso deve ser aqui". Premiado com dois prêmios no Festival de Cannes 2019 ( Fipresci e menção honrosa", "O paraíso deve ser aqui" segue a linha do polêmico "O que resta do temo": quase sem diálogos, e tendo o próprio cineasta Elia Suleiman como protagonista, o filme traz um olhar sobre as produções de cinema, o racismo e o preconceito contra negros e palestinos, o conflito de classes, o patético da vida moderna e da política. Muitos críticos torceram o olhar para os filmes de Suleiman, dizendo que temas tão sérios e complexos como a das terras ocupadas não deveriam ser levados pelo lado da comédia e da sátira. Impossível não encontrar homenagens ao cinema de Jacques Tati, Maki Kaurismaki, que apresentam ao espectador um olhar "ingênuo" sobre os problemas do dia a dia: tecnologia, falta de comunicação, violência. Elia Suleiman tem toda a composição física e corporal de Tati: corpo sempre ereto, olhar esbugalhado e claro, ele praticamente não fala, se submetendo a gags visuais. Elia SUleiman apresenta sua terra natal, Nazaré, e sua briga eterna com seu vizinho que rouba seus limões. Depois, Suleiman viaja até Paris, para tentar um financiamento para um projeto, que claro, é negado. Depois vai até NY para uma palestra em uma faculdade de cinema, depois a um encontro das culturas árabe e americana e por fim, uma nova tentativa de financiamento, em uma hilária cena com Gael Garcia Bernal. O filme é garantia de boas gargalhadas, mas diferente das comédias, risos que se tornam amargos e melancólicos, pelo olhar bestial e patético sobre situações que machucam o próximo.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Eu te vejo

"I see you", de Adam Randall (2019) Competindo em diversos Festivais de filmes independentes, incluindo o prestigiado SWSX, "Eu te vejo" é um suspense com uma trama repleta de reviravoltas que merece ser visto pela engenhosa construção da narrativa e com a ótima edição, que a partir da metade do filme subverte tudo o que vimos até então. Protagonizado por Helen Hunt, atriz que andava sumida e que teve seu momento de glória quando estrelou "Twister" nos anos 90, o filme se passa em uma pequena cidade do interior, onde garotos têm desaparecido misteriosamente. O detetive Greg, casado com a médica terapeuta Jackie (Hunt) e pais de um filho adolescente, atravessam um momento de crise familiar quando descobrem que Jackie o traiu. Paralelo, vem à tona o misterioso desaparecimento de um menino de 10 anos. Os detetives locais acreditam ser o mesmo serial killer que agia na região há 15 anos atrás. Estranhos acontecimentos têm acontecido na casa do detetive, e ele passa a investigar os caso. A trama, se você prestar bastante atenção, é bem fácil de ser solucionada. O problema é que o filme joga falsas pistas, e aí chega um momento que tudo fica confuso. Mas de verdade, é bem boa a trama que se passa do meio em diante, parecendo que estamos vendo um outro filme. Mas o mais triste é ver como Helen Hunt ficou com uma fisionomia estranha no filme, parece ate que seu rosto passou por uma cirurgia mal feita. Uma pena, tomara que ela consiga dar um jeito em seu rosto, pois ela tem bastante talento.

Jóias brutas

"Uncut gems", de Benny Safdie e Josh Safdie (2019) Celebrado pela crítica do mundo inteiro como um dos 10 melhores filmes de 2019, o filme também conseguiu outro grande feito histórico: Adam Sandler venceu no National Board of review 2019 o prêmio de melhor ator, desbancando favoritos como Joaquim Phoenix, Robert de Niro, Christian Bale, Antonio Banderas e Brad Pitt. A crítica em peso confirma que Adam Sandler revolucionou a sua carreira com esse filme insano, e definitivamente calou a boca de todo mundo que achava que ele somente fazia comédias vagabundas da Netflix. Escrita pelos irmãos Benny Safdie e Josh Safdie, que há 2 anos lançaram o fenomenal "Bom comportamento", drama policial que extraiu de Robert Pattinson uma de suas melhores performances, "Uncut gems" é uma mistura alucinada de Paul Thomas Anderson, irmãos Coen e Martin Scorsese, que também produz o filme. Depois de um prólogo que acontece na Etiópia em um campo de garimpo, o filme começa com uma cena de uma câmera invadindo um intestino através da colonoscopia, e termina com uma câmera invadindo um buraco de bala e entrando nas vísceras do morto. Os irmãos Safdie fizeram um filme que mistura drama, policial, suspense e humor negro ambientada em 2012, e com uma trilha sonora que contém musicas eletrônicas, e os clássicos pop "I'll fly away"e "Rain", da Madonna. O protagonista do filme é Howard (Sandler). Ele é um joalheiro trambiqueiro, cuja vida pessoal e profissional está a pior possível. Howard é viciado em jogos e está devendo para vários agiotas. Na sua vida pessoal, ele é casado mas também tem uma amante, Julia (Julia Fox, excelente), vendedora de sua joalheira e mais jovem que Dinah, sua esposa, interpretada por Idina Menzel ( a voz de Elsa em 'Frozen'). Howard recebe uma carga contrabandeada de um joalheiro da Etiópia, uma jóia avaliada em 1 milhão de dólares, que quer que ele a venda em um leilão. Mas Howard mostra a jóia para o jogador de basquete Kevin Garnett ( o próprio), que deseja usar a jóia na noite de uma importante partida. Howard acaba cedendo, mas no dia seguinte, Kevin não quer devolver a jóia. A partir desse momento, tudo passa a dar errado na vida de Howard, que vai se afundando mais e mais ate entrar em um beco sem saída. Com uma trilha sonora estranhíssima, que não combina com as imagens, mas por isso mesmo curiosa e interessante, "Uncut gems" vai construindo uma atmosfera de tensão que cresce até um desfecho apoteótico. Não é um filme fácil de se assistir: é longo ( quase 140 minutos), lento para o Gênero policial, e principalmente, é todo gritado e caótico. Mas quem quiser assistir um drama visceral, com performances brilhantes de todo o elenco, um filme violento e pulsante com ares de filme de autor, não pode perder. Os irmãos Safdie são o que Hollywood tem de melhor no filme independente policial, herdeiros dos irmãos Coen e de Scorsese.