quarta-feira, 6 de março de 2019

Mulheres alteradas

"Mulheres alteradas", de Luís Pinheiro (2018) Nos anos 90, a escritora e cartunista argentina Maitena Burundarena lançou a série “Mulheres alteradas” para falar da rotina da mulher numa sociedade machista, individualista e onde o papel da mulher estava cada vez mais dividido entre o lar, filhos, trabalho e marido. Quando Maitena começou a escrever, a Internet ainda estava engatinhando, não havia Facebook, Whatsapp nem nada. As mulheres ainda viviam sob um mundo comandado por homens e onde a mídia (comerciais, tv, cinema) mostravam a mulher mais do que nunca, como um ser objetivado e sexualizado. Maitena resolveu botar todas as suas angústias em vários personagens. Cada uma delas era um pouco dela. O sucesso e a identificação com o público leitor foi tão grande, que os quadrinhos foram publicados em mais de 30 países, e somente no Brasil vendeu mais de 400 mil exemplares, tendo virado uma peça de teatro de enorme sucesso. Agora, quase 18 anos depois, o Cinema resolveu adaptar as tirinhas, muito por conta do forte movimento feminista que tomou conta do mundo ( #MeToo foi decisivo) e a valorização, ainda que lenta, de protagonistas femininas e roteiros voltados para a história de mulheres lutando pelo seu espaço no mundo, sem perder a feminilidade, mas não abrindo mão de seus direitos. O diretor Luis Pinheiro, estreando em longas, já teve uma experiência com comédias românticas envolvendo histórias de casais em crise com a série “Lili Minha Ex’, com Maria Casadevall e Felipe Rocha vivendo uma dupla sempre às turras mas que no final das contas, se ama. O roteiro coube a caco Galhardo, cartunista famoso pelas tirinhas “Os pescoçudos”. A tarefa mais difícil foi atualizar as questões femininas escritas há mais de 20 anos para os dias de hoje, cada vez mais dinâmicos e apropriados para o termo “O lugar da fala”. Ter sido dirigido e escrito por homens não foi um empecilho para que o quarteto Alessandra Negrini, Maria Casadevall, Deborah Secco e Monica Iozzi participassem dessa história de 4 mulheres querendo ser felizes, ou na vida pessoal ou profissional. O filme já começa com a cartela "mulher alterada não é louca, é uma pessoa que está mudando". Isso para justificar as “alterações” de humor das personagens. Fosse nos anos 80, com certeza citaríamos o filme de Almodovar, ‘Mulheres à beira de um ataque de nervos”, mostrando personagens histéricas em um enredo maluco. O filme de Luís Pinheiro busca em Almodovar, as referências visuais e a maluquice da história. Por exemplo, o apartamento de Marinati ( Negrini) é totalmente Almodovariano: cores fortes, cada parede de uma cor. É curioso notar que as tirinhas de Maitena chegaram quase que juntos da Série “Sex and the city”, também apresentando 4 amigas bem sucedidas, bonitas e vivendo em uma grande metrópole, com personas bem próximas: a workhaholick, a mãe solteira, a sonhadora, a desajeitada. Marinati é advogada de sucesso e que coloca o trabalho em 1o lugar, até que se apaixona por um malandro e seu mundo começa a ruir. Keka (Secco) é casada com Dudu ( Guizé), um homem bobo que não dá valor à esposa e reclama de tudo. Sonia (Iozzi) tem dois filhos pequenos e não está conseguindo administrar casa e trabalho e lazer. Leandra (Casadevall) é irmã de Sonia e sonha em ter um relacionamento firme e família. As irmãs decidem então trocar de “vida” por uma noite: Sonia vai curtir balada, e Leandra toma conta dos filhos dela. Alessandra Negrini é quem está mais conectada ao tom do projeto, e está maravilhosa. Divertida, cínica, Negrini se joga na personagem e nas situações propostas pela direção sem medo de pagar mico, e está de verdade muito bem. A cena dela na boite e na primeira noite de sexo são muito bem executadas. Iozzi e Casadevall estão em registro mais naturalista das personagens. A comédia ficou mais para a dupla Negrini e Secco. A trilha sonora é muito boa, e a fotografia traz um colorido bem anos 90, aliás, parece mesmo que estamos vendo um filme dessa década. Mas o que mais impressiona no filme, de tudo, é o eclético e numeroso elenco de apoio, com participações de atores e atrizes muito bem vindos no humor: Luciana Paes, Augusto Madeira, Sergio Guizé, Mario Gomes, resgatado em Toc, Patrycia Travassos, Marcos Oliveira, Daniel Boaventura, Renata Gaspar, João Vicente de Castro, Stepan Nercessian, Suely Franco. O filme usa bastante a linguagem dos quadrinhos, seja nos balões que surgem na tela, seja no tom farsesco de alguns personagens, além de situações que remetem a desenho animado. O filme abusa de câmera na mão, algo raro nesse gênero e tem uma preocupação com enquadramentos estilizados. É um filme divertido para se assistir, bem acima da média.

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