quinta-feira, 14 de maio de 2020
A marca da maldade
"Touch of evil, de Orson Welles (1958)
Obra-prima máxima do cinema, os bastidores desse clássico é também digno de nota e merecia um filme só para isso: A Universal havia escalado o ator Charlton Heston para protagonizar essa adaptação do livro de Whit Masterson. Orson Welles iria apenas trabalhar no filme como ator, no papel do corrupto policial Hank. Quando Charlton descobriu que Welles não iria dirigir, exigiu que o produtor Albert Zugsmith o contratasse como diretor. Temendo que Charlton abandonasse o projeto, Albert cedeu ao seu desejo. As brigas entre Orson e Albert foram constantes durante as filmagens por incompatibilidade criativa. Albert demitiu Welles durante a edição do filme e remontaram todo o projeto. Welles redigiu um memorando de 58 páginas relatando o crime de editarem seu sua aprovação e falando sobre liberdade criativa. Ao completar 40 anos de vida, Charlton Heston exibiu a cópia do memorando, que foi entre ao editor Walter Murch, que coordenou a edição na versão de Welles, com 16 minutos a mais e principalmente, mantendo intacto o mais famoso plano-sequência do cinema, a abertura com 3 impressionantes minutos.
A curiosidade maior para mim foi ao rever o filme, perceber a similaridade entre esse filme e "Psicose", que seria lançado 2 anos depois. O sub-plot se Susie (Janet Leigh), esposa do policial mexicano Ramon Vargas (Heston) fica isolada em um Motel de beira de estrada, na mão de um recepcionista com problemas mentais. Janet Leigh viria a protagonizar o filme de Hitchcock.
A fotografia de Russell Metty, que trabalhou na sobras-primas "Imitação da vida" e 'Spartacus", é extraordinária, e é um personagem à parte: o filme é quase todo noturno, e o preto e branco denso remete ao Expressionismo alemão com o uso dramático do claro e escuro. A trilha sonora com tons latinos é de Henry Mancini, e eu mesmo nem lembrava que era dele. Uma trilha hipnótica, às vezes assustadora.
Ambientada na fronteira entre Estados Unidos e México, o filme retrata a rivalidade entre o policial honesto Ramon, mexicano, e o policial corrupto Hank, americano. A vida dos dois se cruza após um atentado onde um importante empresário é assassinado na fronteira. Hank planta falas evidências para um dos suspeitos, o que deixa Ramon assustado. Obrigado a cuidar do caso, Ramon deixa sua esposa Susie em um motel, mas Hank resolve se vingar de Ramon sequestrando Susie e simulando uma orgia de sexo e drogas com ela.
O filme tem a participação luxuosa e magnânima de Marlene Dietrich, em um importante personagem: a fatalista vidente Tanya, ex-amante de Hank e que prevê o seu destino.
Os diálogos, ácidos e fervorosos, são excelentes, trazendo um fino humor aos personagens violentos e cruéis dessa terra sem dono. Até hoje, o filme é somente lembrado pelo seu plano-sequência. Muito justo, mas espero que em breve, ele seja lembrado pela totalidade da obra, que é impecável. Aos olhos de hoje, teria sido um escândalo a escalação de Chsrlton Heston como um mexicano, com a pele toda pintada para ficar moreno. Mas o filme é tão foda que resiste a essa escalação em uma época onde o lugar da fala não existia.
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