sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Lembro mais dos corvos

"Lembro mais dos corvos", de Gustavo Vinagre (2018) Exibido em diversos Festivais e premiado como Melhor filme da Mostra Internacional do IndieLisboa, "Lembro mais dos corvos' é um documentário que remete a um clássico de Eduardo Coutinho, "Jogo de cena": o que estamos vendo e ouvindo, como espectadores, é real ou uma encenação de uma atriz dentro de uma personagem? Ou é a a atriz, sem rodeios, se abrindo de corpo e alma para o espectador? Julia Katharine é uma Atriz Trans. A própria Julia, em sessão debate, diz que não gosta de ser rotulada como "Atriz Trans". Como exemplo, ela questiona o público se ao irmos à uma padaria, perguntamos: vocês viram o padeiro Trans? ela é uma Mulher, e quer ser vista como tal, mas entende que, como luta política, afirmar a palavra e o sentido da palavra "Trans" se faz necessária. Gustavo Vinagre, diretor de filmes independentes premiadíssimos, como "Nova Dubai" e "A rosa azul de Novalis", é um dos maiores expoentes do Cinema Queer brasileiro. Ele conduz com sensibilidade e bom gosto o documentário, e entende que precisa deixar Julia Katharine fazer seu vôo solo: o filme é ela. Todo filmado em um pequeno Kitchsnette bem decorado, onde além de Katharine, a única presença que se faz presente é de um passarinho, "Nuvem", que a acompanha em noites solitárias de insônia e solidão na grande Metrópole que é são Paulo. Julia faz a tímida, a divertida, a alegre, a gueixa, a dramática. Ela são várias: a batalhadora, a que viajou até o Japão em busca de emprego e do seu pai, a que ganhou prêmio de melhor atriz coadjuvante no seu primeiro trabalho, a que tentou se prostituir e não deu certo, a que assiste dezenas de vezes com sua mãe o filme "Laços de ternura"e choram sempre, a que foi abusada pelo tio avô quando ela tinha 8 e o homem 55, a que tomou muitos hormônios que modificaram seu corpo e finalmente, a Julia cinéfila, que trabalhou em locadora de vídeo, e Cineasta. Assistir a um documentário de 82 minutos claustrofóbico, focada em apenas uma pessoa e ninguém mas, não é para qualquer um. Como a gente já aprendeu nos filmes do Eduardo Coutinho, o entrevistado precisa ter histórias sedutoras que interessem ao público. Julia tem de sobra. Um prazer enorme, um misto de alegria, risadas, emoção assistir a esse belo filme, que graças à Sessão Vitrine Petrobrás, vem acompanhada do curta que Julia escreveu e dirigiu, chamado "Tea for two". Julia dá um depoimento dizendo que ai focar em dirigir comédias românticas, pois a sua vida já foi dramática demais e precisa dosar com alegria.

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