sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Enchente

Enchente", de Julio Pecly e Paulo Silva (2011) 13 fevereiro 1996. Assitir a esse documentário, dirigido por Julio Pecly e Paulo Silva em 2011, no Brasil de 2018, é muito triste. Triste saber que no dia 8 de fevereiro de 2019, 6 pessoas morreram durante um temporal que devastou a cidade do Rio de Janeiro. Mortes que poderiam ter sido evitadas. O filme apresenta imagens inéditas e chocantes dos dilúvios no Rio de Janeiro de 1966 e 1996. O filme foca mais nessa enchente do dia 13 de fevereiro de 1996, que matou quase 70 pessoas na região da Cidade de Deus. Segundo moradores, essas mortes podem ter ultrapassado mais de 100 pessoas. Aonde a linguagem do cinema entra aqui nesse excelente documentário? Julio Pecly e Paulo Silva, moradores de comunidade, são considerados pioneiros como realizadores do primeiro longa 100% de periferia com esse documentário. Eles ficaram sabendo que um morador da Cidade de Deus havia comprado uma filmadora para gravar o aniversário de sua filha. Só que como imediatamente veio o temporal, ele acabou registrando imagens fortes do dilúvio que sacudiu a Cidade de Deus. Foram 4 fitas de imagens. Julio e Paulo localizaram o morador e usam as suas imagens, aliadas à imagens do acervo da Globo, para falar sobre descaso de autoridades e também, o desleixo da população que joga lixo nos valões. O que mais me chamou atenção, foi entender o Poder da câmera e de uma pessoa anônima gravar as imagens, sem apuros técnicos, apenas porque estava na hora certa e no lugar certo para fazer os registros. E isso em 1996, quando não existiam celulares que gravavam com câmeras, algo mais do que corriqueiro hoje em dia. Esse filme me lembrou um documentário extraordinário chamado ‘Cinco câmeras quebradas”, que apresenta o palestino Emad Burnat, um pequeno proprietário de terras em Bilin, que ganhou uma filmadora meia-boca em 2005, quando nasceu seu quarto filho, Gibreel. Naquele mesmo ano, colonos israelenses começaram a construir assentamentos nas redondezas de sua casa, erguendo uma cerca. Os invasores tentaram expulsar os moradores. Emad registrou tudo: as bombas de gás lacrimogêneo, tiros de balas de borracha, prisões, ameaças. No meio tempo, filmava o crescimento de Gibreel e suas reações diante daquele mundo hostil. Outra situação narrada no filme “Enchente” que mostra bastante o contraste social e a fatalidade da vida: na mesma semana da enchente em 1996, Michael Jackson gravou seu famoso video-clip na comunidade Dona Marta, dirigido por Spike Lee. O nome da música? “They don’t care about us”. Esse grito de guerra vitou o Mantra eterno de todas as comunidades da cidade, onde moradores reclamam que autoridades abandonam os lugares toda vez que acontece uma tragédia, e quando aparecem, é somente para se promover. Tem gente que culpa autoridade, outros culpam os próprios moradores por jogarem lixo, outros dizem que é fatalidade e não é culpa de ninguém Uma das últimas imagens mostra bem o espírito do carioca: mesmo tendo sido palco de muitas mortes, vários garotos aproveitam para surfar no “Mar” de lama que se formou na Cidade de Deus, e os próprios garotos se auto-intitulam de “Surfistas da favela”. O grande mérito desse documentário é expor as feridas de uma sociedade massacrada, através de imagens contundentes e depoimentos emocionados. A produção é do Cavi Borges, da produtora Cavideo.

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