sábado, 21 de fevereiro de 2015

Timbuktu

"Timbuktu", de Abderrahmane Sissako (2014) Um fato curioso me fez entender o que está se passando no mundo de hoje, e que ficou refletido na escalação dos 5 filmes que concorrem ao Oscar estrangeiro de 2015. Todos os 5 filmes possuem um tema em comum: o Estado opressor, que dizima, aniquila, qualquer possibilidade de um cidadão exercer os seus direitos. Liberdade é uma palavra que não existe, quanto mais lutar pelos seus direitos. O que o estado deseja? Que o cidadão permaneça calado, apenas obedecendo as leis insanas. Assim acontece em "Relatos selvagens" ( moradores de Buenos Aires vivendo momentos de tragicomédia, oriundos de um Governo falido), "Ida ( o comunismo na Polônia retratado por uma freira que se descobre judia), "Leviatã"( Na Russia democrata, o ranço do comunismo e da corrupção ainda permanece na burocracia do Estado), "Tangerina " (a guerra insana entre o Governo da Georgia e da Estônia, provocando o medo nos moradores) e finalmente, "Timbuktu". Nesse filme da Mauritâmia, acompanhamos a invasão de extremistas jidhahistas em Tombuktu, uma cidade no centro de Mali, África. Durante 9 meses, em 2012, os extremistas vieram com regras que proibiam música, jogo de futebol, relação extra-conjugal e outras atrocidades, como mulheres obrigadas a usar luvas. O filme se baseia em pequenas histórias reais, e pessoas comuns que ousaram ir contra essa obrigação. Os moradores da região são fanáticos religiosos, e pela fé em Deus, eles mantêm sua tradição cultural, enfrentando as proibições dos guerrilheiros. Entre essas histórias, temos a de uma família de pastores cujo pai acidentalmente mata um pescador durante uma briga. Para essas pessoas, eles somente teme a Deus, e aceitam conformados o seu destino, seja qual for. A beleza dessa história é que a mulher tenta mudar o destino do marido. Como um "Amarcord", o filme é repleto de poesia, mas infelizmente, proveniente de violência e tragédia. Muitas cenas antológicas: a partida de futebol em bola, a mulher sendo açoitada, o soldado dançando, observado pela louca da cidade, o desfecho das crianças correndo, a cena dos moradores cantando. Em 'Cidade de Deus", o filme foi criticado por extrair beleza da violência. Aqui também não deve ser diferente. O mais espantoso é descobrir que a maior parte do vasto elenco é composto por não-atores pescadores, refugiados. Aí fica a pergunta: a verdade incrustada nessas pessoas, sofridas pela violência e pela fome, fazem com que elas sejam melhores atores do que atores de verdade que não passaram por essa situação? Uma outra cena digna de nota: um dos soldados tentando gravar um depoimento amador para uma câmera. O outro guerrilheiro vai "dirigindo"as suas intenções e performance, como se fosse um Ator. Genial. E isso não é tudo: o filme tem 2 trunfos magistrais na parte técnica: a fotografia magistral de Sofian El Fani, e a trilha sonora pungente de Amin Bouhafa. Ambos nos levam para essa realidade brutal, fazendo com que, ao memso tempo que rimos e nos comovemos com cenas de um humanismo puro, a gente contorça a cabeça e feche os olhos para cenas de apedrejamento e de chicotadas em praça pública. Forte, doloroso, e muito cruel. Ao final da projeção, fica um vazio terrível. Em que mundo vivemos hoje? O filme concorreu em Cannes 2014, levando o Prêmio ecumênico. Nota: 9

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