domingo, 15 de setembro de 2019

Desabafo

"Desabafo", de Marcio Venturi (2017) Adaptação para o cinema da premiada peça de Wilson Sayão, 'Extravagância brasileira", também conhecida como "Uma casa brasileira com certeza" e montada pelo Diretor teatral Amir Haddad em 1989, com o seu grupo "Tá na rua". O filme segue a tradição dos filmes italianos dos anos 60 e 70, dos cineastas Vittorio de Sica, Dino Risi e Mario Monicelli: são filmes em episódios, sempre com o mesmo elenco, interpretando papéis diferentes. Era uma forma de chamar a atenção do público e mostrar a versatilidade dos atores, geralmente grandes estrelas. Mas diferente dos italianos, que investiam em comédias de costumes, o universo do texto de Wilson Sayão é sombria, claustrofóbica, investindo na violência física e emocional. Na primeira cena do filme, vemos imagens documentais da explosão da Perimetral, famoso viaduto do rio de Janeiro. Essa cena trará todo o contexto da violência que veremos nos 3 episódios a seguir, mais precisamente, nos 2 últimos contos. No filme de Bruno Safadi, "O Prefeito", as obras intermináveis da cidade do Rio de Janeiro, que transforma o vai e vem dos cidadãos em caos, é usada de forma simbólica, com os personagens transitando entre os escombros. Aqui em 'Dasabafo", todo esse caos emocional é internalizado através da falta de comunicação de seus personagens, que abruptamente, irrompem em fúria e não medem consequências de seus atos. O filme retrata o descaso de 3 casais, cada uma pertencente a uma classe social: temos os personagens Dário ( Fernando Alves Pinto) e Tannia (Inez Viegas) transitando no 1o episódio no universo da classe média alta falida, que vice de renda. Morando em uma enorme mansão, o casal vive sob o signo do tédio. Bebendo sem parar, os dois falam futilidades e a mulher chega a comentar que gostaria de adotar o primeiro garoto de rua que quisesse assaltá-la. Esse olhar debochado dos ricos diante os desassistidos é apresentado com mais leveza do que os dois próximos episódios, que investem em trágicos desfechos. No 2o episódio, casal mora na cidade de pedra chamada Barra da Tijuca. Casados, com 2 filhos, a história parece ter sido inspirada em recente história de um homem que decidiu matar sua família e depois cometer o suicídio. Uma terrível crônica carioca que inspirou esse embate de atores, e uma violenta cena talvez desnecessária, melhor tivesse sido sugerida do que apresentada como está no filme. Mas provável que o Diretor quisesse chocar a platéia com uma cena forte de violência doméstica. Ficou pesado, ainda mais com a fotografia densa e a trilha sonora pungente. O último episódio, ambientado em um barraco da favela, repete o mesmo arco final. Novamente a inspiração parece ter vindo de tantas histórias do cotidiano: fome, desemprego, frustração. "Desabafo" é um filme de baixíssimo orçamento. Fosse nos Estados Unidos, teria recebido a classificação de "Mumblecore". Inicialmente um projeto de crowdunding, depois complementado pela idealizadora do projeto e atriz Inez Viegas, o filme teve um custo final, segundo o Imdb, de 70 mil reais, valor muito baixo para um longa. O Cineasta Marcio Venturi fez milagre com o dinheiro que tinha em mãos: seu filme tem qualidades técnicas, uma variada gama de locações e investimento em fotografia, trilha sonora, som e edição. Sinto, como espectador, que o filme ficou carregado demais no drama realista. Um pouco de humor do cotidiano poderia ter ajudado no tom do filme, fazendo os personagens contrastarem mais a gritaria que se instala em determinado momento do filme, que não esconde a sua origem do Teatro. Principalmente no 1o episódio, com frases carregadas em efeitos e pouco naturalistas. Mas no cômputo geral, um filme digno, de atores.

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