sexta-feira, 17 de abril de 2015
Casa grande
"Casa grande", de Fellipe Barbosa (2014)
O cineasta Pedro Almodovar tem uma frase onde ele sintetiza o fetiche pela sala de cinema: " As salas de Cinema são frequentadas por solitários e assassinos."
Eu complementaria essa frase da seguinte forma: "O cinema é o lugar aonde o Cineasta expia os seus fantasmas".
Assim foi com Bergman, com Truffaut, Woody Allen, Pasolini, Fellini e tantos outros realizadores. A matéria prima deles veio deles mesmo. De suas histórias pessoais, das pessoas que conheceram, de seus dilemas, e principalmente, de seus fantasmas interiores.
Em 2009, o jovem cineasta chileno realizou o premiado drama "A criada". De cunho autobiográfico, ele conta a história de uma família rica: pai, mãe, filho, filha. Eles possuem uma empregada que trabalha por 23 anos na casa deles, Raquel. Ela é silenciosa e como uma boa criada, elas faz tudo o que é pedido. O filho a vê como um objeto sexual e num determinado momento se masturba pensando nela. Raquel sintetiza, na metáfora, a hierarquia entre ricos e pobres, esse enorme abismo social que mantém a continuidade de um sistema existente desde a época da escravidão, retratado no livro de Gilberto Freire, "Casa grande e senzala", onde ele faz a sua tese sobre a formação da miscigenação da população brasileira, oriunda das raças negras, indigenas e brancas, em sua maioria, portugueses.
Corta para 2015: Premiado em vários festivais internacionais e nacionais desde 2014, o filme é exibido comercialmente. Fellipe Barbosa, o Cineasta e roteirista, também se utiliza de conteúdo autobiográfico para falar sobre a falência financeira, moral e familiar de uma família outrora rica, moradora do bairro da Barra da Tijuca, sabidamente um bairro que cresceu com os novos ricos que ganharam muito dinheiro nos anos 80 e 90.
Jean ( Thiago Cavalcanti) , um jovem de 17 anos, mora com seu pai ( Marcelo Novaes), sua mãe ( Suzana Pires) e sua irmã de 14 anos. eles j;a foram ricos, o pai j;a ganhou muito dinheiro com ações. Porém, houve uma derrocada, discretamente sugerida no filme ocasionada pela falência do Grupo do Eike Batista. O pai esconde da família a sua falência e vai levando tudo até onde pode: quando as contas chegam, o inevitável surge: estão sem condições de manterem a pose. Estudante do tradicional colégio São Bento, Jean tem o seu motorista Severino demitido pelos pais e vai para o colégio de ônibus. Hábitos até então inexistentes na família precisam ser aprimorados: a mãe ganha um trocado vendendo produtos de beleza, o pai tenta desesperadamente conseguir um novo emprego, porém o seu orgulho o impede de distribuir currículos. Empregados são demitidos e para piorar a situação de Jean, ele se apaixona por uma garota do Colégio Pedro II ( um colégio público), mestiça e cujos valores sobre cotas raciais e preconceitos não são bem aceitos pelos pais de Jean.
São dois os grandes trunfos do filme: a atuação do elenco, bem distribuido entre atores profissionais e amadores, e a direção minimalista de Barbosa, que vai contando a sua história simples sem grandes arroubos, mas fazendo do cotidiano um grande evento. Ozu e Eric Rohmer são exemplos de cineastas que extraem da rotina filmes onde por fora tudo parece tranquilo, mas por baixo e por dentro de seus personagens, um turbilhão de emoções acontecem.
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