quarta-feira, 1 de março de 2017

Asas do desejo

“Der Himmel über Berlin”, de Win Wenders (1987) Um dos maiores cults dos anos 80, “Asas do desejo” deu para Win Wenders o premio de Melhor direção em Cannes 87 ( no mesmo ano, Cacá Diegues competia com “Um trem para as estrelas”). Vendo a ficha técnica do filme, me surpreendi com a presença da Cineasta francesa Claire Denis como a assistente de direção de Wenders. Ela deve ter sido uma peça importante para a execução do filme, com certeza. Em 1998, houve uma refilmagem americana, chamada “Cidade dos anjos”, com Meg Ryan e Nicholas Cage, mas com final diferente. E em 1993, Wenders fez uma continuação do filme, chamada “ Tao longe tão perto”, que ganhou o Premio do júri em Cannes. “Asas do desejo” foi realizada quando ainda existia o Muro de Berlin que dividia a Alemanha em 2 países: a comunista (Oriental) , e a capitalista (Ocidental). Damiel (Bruno Ganz) e Cassiel (Otto Sander) são anjos que pairam pelos céus de Berlin ocidental. Eles tem livre arbítrio geográfico, e perambulam pelas duas Alemanhas, sem problema, já que ninguém os vê (Somente as crianças, com a sua pureza, conseguem enxerga-los). Os anjos tem o poder de ler os pensamentos dos humanos: sentem suas angústias, suas frustrações. Um dia, Damiel, ao assistir a uma apresentação de um circo, se apaixona pela trapezista (Solveig Dommartin). Não conseguindo lidar com o sofrimento angustiante que o amor lhe proporciona, ele pede para se transformar em humano. O filme é uma linda historia de amor. Tanto pela relação Homem X anjos, quanto uma declaração de amor de Win Wenders por Berlin. O filme de Wenders é repleto de simbolismos e metáforas. A mais óbvia para mim, fala sobre a barreira que divide geograficamente o Pais em 2 ( com liberdade de expressão e desejos humanos totalmente diferentes) e a barreira que divide o imortal do mortal, o céu e a terra, os desejos reprimidos dos “anjos” com as realizações mundanas referentes ao amor e `a depressão que provoca suicídio. Wenders quer falar da memória , da Alemanha destruída pelo Pós-Guerras e a sua tentativa de se reerguer. Ao mesmo tempo, quer homenagear o Cinema ( um tema recorrente em sua obra, uma vez que ele é cinéfilo e fã de filmes noir e policial americanos). O ator americano Peter Falk, famoso pelo seriado Columbo, representa ele mesmo. Ele foi convidado por uma produção Alemã para fazer o papel de um detetive durante a 2a guerra. Tem uma cena extraordinária ( e o filme é repleto delas), onde Peter Falk divaga sobre a memória, observando o set de filmagem reproduzindo um campo de concentração judeu, e ao mesmo tempo, observa os figurantes, idosos, sofridos, vestidos a caráter. O que é real e o que é ficcional, esse é o grande barato desse set de filmagem, onde pessoas de hoje ( provavelmente os figurantes idosos até vivenciaram) fazem uma viagem ao passado, revivendo os tempos dos campos de concentração. Assistir ao filme também é uma linda viagem ao tempo, a uma Berlin que não existe mais, ao som de Nick Cave ( que aparece em cena em um show). Uma época do punk, do gótico, de uma geração devastada pelo comunismo que os afastou de seus entes queridos. Antológica também as cenas que acontecem na Biblioteca da cidade, lugar onde os anjos se reúnem. Ali, no berço da cultura, é que eles se alimentam das angústias relacionadas `a filosofia e ao existencialismo dos frequentadores. A personagem de Marion, a trapezista, também é bastante emblemeatico. Ela é uma trapezista que atua com asas falsas, mas reproduz o anjo pelo qual Damiel se apaixona. Ela pendurada no céu, e ele aqui, na terra. Um belo contraste. O filme tem fotografia em preto e branco e colorido. Dentro da filosofia do filme, preto e branco e o mundo dos anjos, e o colorido, dos humanos. O fotografo Henri Alekan ( de “A bela e a fera”, de Jean Cocteau”) brinda o espectador com algumas das imagens mais lindas e comoventes de Berlin. A atuação de Bruno Ganz é magnética. Seu anjo Damiel é de uma dimensão acachapante, só com os seus olhares, a gente já fica seduzido. As imagens dele sentado na estátua da Coluna da Vitória, ficaram para a história do cinema. A atriz Solveig Dommartin, que é francesa, chegou a se casar com Wenders e ficaram juntos até 1993. No final, Wenders homenageia o filme aos “anjos” OZu, Truffaut e Tarkovsky, alguns de seus cineastas favoritos ( entre tantos que sabemos, como Nicholas Ray, Bergman e Antonioni).

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