quinta-feira, 15 de agosto de 2019
Tragam-me a cabeça de Carmem M.
"Tragam-me a cabeça de Carmem M.", de Felipe Bragança e Catarina Wallenstein (2019)
Vindo de uma tradição de filmes experimentais, Felipe Bragança lançou em 2017 o seu filme mais acessível para o grande público, "Não devore o meu coração", que tinha como protagonista Cauã Raymond em crise existencial por se apaixonar por uma jovem paraguaia, fazendo alusão ao conflito Brasil/Paraguai.
Agora com "Tragam-me a cabeça de Carmem M.", Felipe se une à atriz portuguesa Catarina Wallenstein e juntos dirigem esse jogo de metalinguagem que apresenta em ficção e um filme dentro do filme, a figura polêmica de Carmem Miranda. Catarina interpreta Ana, uma atriz portuguesa contratada para dar vida à Carmem Miranda em um filme dirigido por uma Cineasta excêntrica e cadeirante, interpretada por Helena Ignez. O filme apresenta uma difícil convivência profissional entre a atriz e a diretora, que, exigente, procura extrair o que idealizou de sua Carmen Miranda. Mas Ana, assim como a própria Carmen Miranda em vida, sofre uma grande crise de identidade. Agredida pela mídia, que a acusavam de ter se tornado americanizada, Carmen passou boa parte de sua vida frustrada com a falta de apoio do povo brasileiro. Ana interpreta o Brasil nos dias de hoje: uma atriz portuguesa precisando viver Carmem Miranda, um ícone brasileiro. O Brasil dos anos 40 e 50 de Carmen se torna um Brasil desconhecido por todos, onde juntas e paradas militares se fazem presentes nas ruas. Nas paredes, frases de protesto contra o Governo procuram chamar a atenção das pessoas. Na primeira cena do filme, Carmen Miranda é vista jogada nas ruas, ao lado de bananas podres, e os transeuntes simplesmente a ignoram. O Descaso dos brasileiros continua o mesmo de décadas atrás.
Toda essa premissa é contada com muita ousadia narrativa, costurada com artes plásticas e uma sub-trama que envolve uma trans e uma travesti que recolhem Carmem na rua e a acolhem em seu hotel da Lapa. Também temos números musicais com canções de Carmen Miranda, cantadas em ambientes de demolição: O cassino da Urca é dos cenários mais emblemáticos do filme, totalmente destruído e simbólico na construção de um ideal de decadência da cultura no Brasil.
Curioso notar como o Cinema independente brasileiro se apegou à figura de Carmem Miranda: Gustavo Pizzi, em seu filme "Riscado", também se apropria da figura da cantora, e tendo na narrativa também uma narrativa de metalinguagem com o cinema e a vida real. A se notar também o título do filme, pêgo emprestado de um clássico de Sam Peckimpah, "Tragam-me a cabeça de Alfredo Garcia", onde literalmente, uma cabeça é dada como prêmio. Aqui no filme, os prêmios inexistem. Existe um desejo forte de resistência, demonstrada em imagens de arquivo como o Incêndio do Museu histórico nacional e outros eventos que baixaram a guarda da auto-estima do carioca e do brasileiro.
Com um excelente elenco de apoio comandado por Higor Campagnaro, Marcos Sacramento e Lux Nègre, o filme foi selecionado em 2019 ara o prestigiado Festival de Rotterdan.
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