terça-feira, 18 de setembro de 2018

Uma criatura gentil

"Krotkaya", de Sergey Loznitsa (2017) Pegando emprestado o título de uma obra do escritor russo Fiódor Dostoiévski, o filme "Uma criatura gentil" não é adaptação do conto. Concorrendo no Festival de Cannes em 2017, o filme é uma metáfora contra o Governo do Presidente Putin. Eu poderia até dizer que é quase que uma versão russa do clássico "Brazil, o filme", de Terry Gillian. Uma forte crítica ao Governo, à burocracia do estado, às tentativas fracassadas do Herói de poder cumprir a sua missão. Uma mulher ( a protagonista não tem nome, e é creditada como "Uma criatura gentil") mora no interior sozinha, pois seu marido foi acusado de um assassinato e está preso em uma penitenciária na Grande cidade. Pobre, ela manda pelos correios constantemente, uma caixa com roupas e comida para ela. Um dia, ela recebe de volta a última remessa de caixa. Intrigada pela devolução, e sem notícias de seu marido, ela decide juntar dinheiro e ir até a penitenciária. Ao chegar lá, ela é confrontada com uma máfia de todo tipo de gente, que tenta lhe extorquir dinheiro para entrar na prisão, para poder dormir uma noite em uma pensão, que tenta lhe roubar a caixa de provisões do marido. Funcionários burocratas e mal humorados, uma legião de prostitutas que moram na cidade para atender aos visitantes do presídio, cafetões, bandidos, etc. A mulher tenta, em vão, lutar contra todo esse sistema. Com inacreditáveis 150 minutos de duração, o que torna a experiência de assisti-lo um ato praticamente heróico do espectador, e também com um ritmo extremamente lento, "Uma criatura gentil' tem uma performance vigorosa da protagonista e também um ótimo time de atores fazendo os inúmeros personagens secundários. O diretor Sergey Loznitsa se apropria de planos longos para contar a sua história, que tem um ato final alegórico, quase uma encenação do cineasta Emir Kusturica, com os seus excessos e ambiente quase carnavalesco e bufônico. O que mais gostei no filme, foi que em muitas cenas, a narrativa começa com personagens que não fazem parte da história, fazendo algum tipo de comentário social e político, e daí, a câmera vai até a protagonista, mostrando que ela é testemunha desses registros, como se ela fosse o espectador. Um recurso bem interessante.

Um comentário:

  1. "Uma Mulher Gentil" já peca pelo título. Pode-se chamar a personagem principal tranquilamente de "apática", ausente da realidade que a cerca e, certamente, ingênua, porém, nunca "gentil". Para quem conhece as origens do diretor e sabe quem financiou o filme, deve estar ciente que é um filme de propaganda anti-Rússia, envolvendo o país em suas querelas com a Ucrânia. Um filme realista que, de repente, se torna um tanto feliniano e bunuelesco, com um final onírico, tornado realidade, sem que o expectador saiba os motivos pelos quais. Boa interpretação da protagonista, mas, o absurdo da burocracia mostrada no filme como um "mal russo", é na realidade, o mal em quase todos os rincões da terra, principalmente no Brasil, onde já teve até um Ministério da Desburocratização, com resultados pífios, durante a tenebrosa gestão Collor de Mello/Zélia Cardoso. Um filme a ser visto, mas, entendendo as intenções claras do diretor e seus financiadores.

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