quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Nunca fomos tão felizes


"Nunca fomos tão felizes", de Murilo Salles (1984)
Um absurdo essa obra-prima do cinema brasileiro não estar presente na lista dos 100 melhores filmes elaborado pela Abraccine. Longa de estréia do então fotógrafo Murilo Salles, que o lançou em 1984 e arrebatou diversos Prêmios nos Festivais de Brasília, Gramado e Locarno, entre outros. Murilo já era um fotógrafo famoso pelos sucessos de Bruno Barreto, "A estrela sobe" e "Dona Flor e seus dois maridos".
O filme é uma adaptação do conto "Alguma Coisa Urgentemente", de João Gilberto Noll. A adaptação foi feita por Jorge Durán, Alcione Araujo e o próprio Murillo. Ambientado em 1970, ano em que o Brasil ganhou a Copa, e auge da ditadura militar, somos apresentados ao adolescente Gabriel (Roberto Bataglin), estudante em um internato católico. Um dia, o padre anuncia a Gabriel que o pai dele, desaparecido há 8 anos, veio buscá-lo para levar para casa. Beto (Claudio Marzo) é um homem misterioso que traz Gabriel para morar em um enorme apartamento vazio de frente para a Avenida Atlântica, emprestado de sua "amiga" Leonor (Suzana Vieira). Para surpresa de Gabriel, Beto sai constantemente, deixando-o totalmente sozinho, e sobre a advertência de não trazer ninguém para casa e levar uma vida discreta.
Um dos melhores filmes brasileiros retratando a tragédia da ditadura militar no país, "Nunca fomos tão felizes" faz do aparelho de televisão a ponte de Gabriel para o mundo externo. Nesse mundo da ditadura, a televisão apresenta filmes românticos, músicas estrangeiras e reportagens enaltecendo o Governo e suas realizações. O silêncio que surge durante o filme todo, de ritmo lento e com poucos diálogos, é a metáfora sobre a falta de comunicação entre as gerações e entre o Governo e a população.
Suzana Vieira está excelente na personagem, e lamento que ela não tenha feito mais papéis no cinema. Claudio Marzo, um poderoso galã na época, retrata o pai guerrilheiro de forma humanizada, sem caricaturas. Roberto Bataglin representa toda uma geração que está alheia ao que se passa no país: bonito, rico, ele poderia ter tudo o que quizesse, mas o amor é um sentimento que ele jamais conseguiu experimentar. Ao contratar uma prostituta, ele reproduz contra ela toda a violência que surge diante de sua infelicidade. O filme tem um close ousado: uma vagina sendo depilada. A ficha técnica do filme traz toda uma leva dos melhores profissionais de cinema atuantes nos dias de hoje: a produtora Mariza Leão, a técnica de som Zezé da Alice, o produtor Rômulo Marinho, o diretor de arte José Joaquim Salles, o fotógrafo José Tadeu Ribeiro, entre outros. Um filme obrigatório.

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