quinta-feira, 30 de abril de 2020

Cabaret mineiro

"Cabaret mineiro", de Carlos Alberto Prates Correia (1981) Listado entre os 100 melhores filmes brasileiros pela Abraccine, "Cabaret mineiro" é um hermético exercício de exploração de diversas linguagens narrativas, que vai da poesia ao surrealismo. Em vários momentos me remeteu ao cinema do chileno Jodorowsky, com uma mistura de erotismo, poesia e realismo fantástico. O roteiro é uma livre adaptação de um conto de Guimarães Rosa, ""Soroco, Sua Mãe, Sua Filha"". O filme ganhou 6 kikitos em Gramado 1981, além de melhor fotografia para Murilo Salles no Festival de Brasília. Nelson Dantas interpreta Paixão, um homem que durante uma viagem de trem, conhece uma mulher, Salinas (Tamara Taxman). Eles passam uma noite de amor no trem, mas no dia seguinte ela desaparece. Paixão busca o paradeiro da mulher, enquanto vive romance com outras mulheres. O elenco tem as participações de Louise Cardoso, Helber Rangel, Tânia Alves, Nildo Parente, Dora Pelegrino, Zaira Zambelli e Thelma Reston. Não sou muito fã do filme, mas é inegável a sua beleza imagética. O filme foi rodado em Montes Claros, cidade natal do diretor.

A cabana

"The lodge", de Severin Fiala e Veronika Franz (2019) Drama de terror psicológico dirigido pelos mesmos cineastas austríacos do excelente "Boa noite, mamãe". Veronika Franz é casada com o cineasta Ulrich Seidl, um dos realizadores mais interessantes que existem na Áustria. "A cabana" tem muitos pontos de identificação com "Boa noite , Mamãe". Ambos tem uma dupla de crianças assustadoras, e uma personagem de uma mãe substituta. Os dois filmes também se passam em uma casa isolada nas montanhas geladas. A grande referência direta de 'A cabana" é "O iluminado", sobre como o ambiente isolado faz com que as pessoas enlouqueçam. Mas é inegável que muito do filme também vem de "Hereditário", de Ari Aster. A referência óbvia da casa de bonecas e também do ritmo lento que vai em um crescendo de tensão até culminar em um desfecho apoteótico. Aiden (Jaeden Martell, um dos meninos de "It, a coisa") e sua irmã Mia estão de luto pelo suicídio repentino da mãe deles, Laura (Alicia Silverstone), após o pai deles, Richard, anunciar que irá se divorciar dela. Passado 6 meses, Richard anuncia que irá se casar com Grace (Riley Keough). Para comemorar, Richard resolve levar os filhos e Grace para passarem uma temporada na cabana que fica isolada nas montanhas. Os filhos não querem ir e muito menos ficarem amigos de Grace, mas o pai os abriga. Os filhos descobrem que Grace é a única sobrevivente de uma seita administrada pelo pai dela e que matou a todos. O pai viaja de volta para a cidade à trabalho e deixa Grace e as crianças sozinhas. Com o passar dos dias, as crianças percebem que Grace não está bem. Quem gosta de um filme de terror tradicional, certamente irá odiar esse filme. Ele tem um ritmo bastante lento e muito pouca coisa acontece. É um filme que, assim como "Hereditário", precisa ser construído lentamente, e tudo acontece na terça parte final. Eu gosto bastante, tem ótimos atores, um roteiro instigante e uma ótima atmosfera de suspense. O Desfecho é bem macabro, mas coerente com tudo o que vimos.

Moffie

"Moffie", de Oliver Hermanus (2019) Selecionado para a competição oficial do Festival de Veneza 2019, "Moffie" é um drama LGBTQI+ sul africano baseada em trágica história real. Em 1981, o governo sul africano obrigou a todos os jovens brancos com idade superior a 16 anos a se alistarem no exército para uma campanha que irá durar 2 anos: eles devem proteger a fronteira da África do Sul contra o conflito da Angola. Os soldados deverão aprender com rigor os princípios do Apartheid. Nicholas Van der Swart é um adolescente que desde criança sabe de sua homossexualidade, mas a esconde pois a sociedade machista e patriarcal da África do Sul não aceita a homossexualidade. Quando Nicholas é convocado para servir o exército, ele entra em uma grande crise interna, pois precisa explorar uma masculinidade que ele não possui, e ao mesmo tempo, se apaixona por outro soldado que nutre sentimentos por ele. Esse tema do soldado gay que é obrigado a servir ao exército j;a foi visto em diversos outros filmes. Aqui o interesse vem do fato de ser baseado em história real, adaptada de um livro autobiográfico. A sequência do tenente praticando bullying nos soldados é bastante cruel. É um filme com boa direção e bons atores, mas a crueldade é tanta que até dá angustia de assistir. Tem também uma sequência de flashback bastante dolorosa, quando Nicholas era criança e durante um dia de passeio com seus pais na piscina, foi acusado de estar olhando homens tomando banho nús no vestiário e humilhado na frente de todo mundo. A cena final é igualmente triste e cruel. "Moffie" na língua afrikander significa "viado", termo pejorativo.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Fuccbois

"Fuccbois", de Eduardo Roy Jr. (2019) Premiado drama de suspense LGBTQI+ filipino, que me lembrou bastante "Kinatay", de Brillante Mendoza, ganhador da Palma de Ouro de melhor diretor em Cannes, também filipino. Ambos são filmes crus e viscerais sobre o universo da prostituição, jogo de poder e dividas que envolvem morte e vingança. Ace, 18 anos, e Mico são dois amigos que participam de um concurso de Mr Galaxy, dedicado à beleza do corpo masculino. Ambos sonham em ser atores. Mas tudo o que conseguem é serem apadrinhados por um político corrupto, que os contrata como garotos de programa. Após o concurso, o político leva os meninos para passarem 2 dias em uma ilha. Durante uma orgia, quando o político grava os meninos fazendo sexo forçado entre eles, os garotos ficam assustados e acabam matando o político. Todos os capangas do político perseguem os rapazes pela Ilha. Repleto de cenas de sexo e nudez de um elenco iniciante, o filme assusta pela sua crueza e pela atmosfera totalmente grotesca do universo da prostituição de jovens garotos de programa que sonham com o estrelato. A 1a parte do filme é antológica: uma madrinha acomoda uma dezena de rapazes em uma casa e os prepara para a noite do Concurso. A preparação do concurso, os quesitos de premiação, a putaria, tudo é bastante inquietante e para quem curte fetiches, é um prato cheio. Depois o filme muda de tom e se transforma num filme de suspense dos bons. Os dois garotos são ótimos e se jogam em papéis difíceis e que exigem muita entrega.

De pai para filho

"Van Pao Te", de Hsiao Ya-chuan (2018) Drama escrito e dirigido pelo cineasta Taiwanês Hsiao Ya-chuan. concorreu no prestigiado Festival de Rotterdan, além de ganhar vários prêmios em Festivais asiáticos. "De pai para filho" é um drama que fala sobre a percepção da mortalidade da vida. Fan esta com 60 anos e nunca foi ao médico. Ele foi abandonado por seu pai quando criança, que seguiu para o Japão para seguir carreira. Fan é dono de uma loja de material elétrico e mora com sua esposa e seu filho já adulto. Faz dedica a maior parte do seu tempo bebendo e jogando papo fora com seu amigo de longa data do que com sua esposa e filho, com quem mal troca algumas palavras. Um dia, ao fazer um serviço em um hospital, Fan passa mal. Ao fazer exames, descobre estar com câncer terminal no pâncreas. Fan demora a cair a ficha de que vai morrer. Resolve então viajar para o Japão e tentar rever o seu pai, da mesma forma que procura se reaproximar de sua família. Um drama bastante depressivo, filmado como um pequeno drama intimista e artístico, alternando fotografia colorida nos dias atuais e preto e branco para flashbacks do passado. Lembra o estilo de cinema de Hou Shiao Hsieng, um cinema lento, contemplativo e com um fundo melodramátco.

terça-feira, 28 de abril de 2020

NY84

"NY84", de Cyril Morin (2016) Cinebiografia não autorizada sobre a relação entre a cantora e poetisa Patti Smith e seu amigo e amante fotógrafo de nús Robert Mapplethorpe na New York dos turbulentos anos 80, "NY84" é um pálido drama independente escrito e dirigido pelo francês Cyril Morin, que com um orçamento extremamente baixo, ousa falar sobre a cena gay e artística de Nova York de 1980 a 1984. O filme acompanha uma relação à três liderada por Kate, Keith e Anton. Kate é cantora e poetisa, Keith é fotógrafo e Anton, um artista plástico e grafiteiro (seria Keith Harrington?). O filme começa em 1980, e apresenta a vida sexual e bastante ativa e promíscua de Keith e Anton em guetos. A Aids estava apenas surgindo, até explodir nos próximos anos. Kate tem uma péssima relação com o seu pai conservador, que não aceita o seu modo de vida libertino. Até que Keith e Anton contraem o HIV. Indo e voltando no tempo, o filme não apresenta nada de novo dentro do tema, que já foi melhor explorado no drama "Mapplethorpe", da cineasta Ondi Timoner. Alguns números musicais cantados à capela por Sam Quartin, que interpreta Kate, salvam a produção. Mas quando ela surge declamando poemas de Baudelaire para as lentes de seu amigo Keith, tudo sôa extremamente artificial. Faltou uma mão mais ousada de um John Waters na produção.

A mulher de todos

"A mulher de todos", de Rogério Sganzerla (1969) Segundo longa dirigido por Rogério Sganzerla, "A mulher de todos" foi lançado em 1969 e protagonizado por Helena Ignez. O filme é segundo o próprio diretor, uma chanchada subversiva e debochada que tem como protagonista Ângela carne e osso (Helena Ignez), uma mulher casada com o Doktor Plirtz ( Jô Soares), um amante dos quadrinhos e que realiza os caprichos de sua esposa, com quem tem um filho pequeno ( o filme é tão iconoclasta que tem uma cena do pequeno fumando cigarro). Mas Ângela não é mulher de um homem só: ninfomaníaca e dona de seu corpo e seus desejos, ela coleciona uma quantidade enorme de amantes de todos os tipos: desde o negro mais rico do Brasil, Vampiro (Antonio Pitanga), até o assistente do seu marido, Armando, passando por malandros e toda sorte de homens machistas e vagabundos, mas que na mão de ângela, viram apenas corpos para saciar o desejo da carne e em seguida, são literalmente jogados fora. Stênio Garcia, Paulo Villaça, J C Cardoso e muitos outros são meros joguetes sexuais. A cineasta Helena Solberg foi assistente de direção do filme, rodado na capital de São Paulo e no litoral. Curiosamente, o filme tem uma cena que lembra muito o filme de Woody Allen, "Tudo o que você queria saber sobre sexo", que foi lançado em 1972: um enorme seio gigante, objeto de desejo do Doktor Plirtz. Helena Ignez representa uma personagem que é um ícone do feminismo na filmografia brasileira: uma mulher dona de sei, de seu corpo e de seus desejos, e que não se sujeita a nenhum tipo de comando de uma sociedade paternalista e machista. É uma personagem que deve muito à própria personalidade de Helena Ignez, uma artista muito à frente de seu tempo. Mas o grande barato do filme é mesmo a presença de Jô Soares, uma performance magnética, debochada e totalmente satírica.

Os bons companheiros

"Goodfellas", de Martin Scorsese (1990) A única pergunta que me vem à mente quando acaba o filme é: Porquê a carreira de Ray Liotta não explodiu após esse filme? Presença constante em qualquer lista de melhor filme de todos tempos, "Os bons companheiros" é adaptado do livro de Nicholas Pileggi publicado em 1985, 'Wiseguys". O filme concorreu no Festival de Veneza em 1990, de onde saiu com o Leão de Ouro de melhor Diretor. Indicado a 6 Oscars venceu o de melhor ator coadjuvante para Joe Pesci, no papel do irascível Tommy. O filme é baseado na história real do gangster Henry Hill (Ray Liotta), em um período que cobre a sua vida de 1955 a 1980. (Obs: Henry faleceu em 2012). Desde criança, Henry sempre teve verdadeiro fascínio pela vida dos gangsters: o glamour. o luxo, o poder. O filme apresenta sua ascenção e derrocada no mundo do crime, as mulheres, os assassinatos, as drogas, as amizades, as traições e no final, o apoio ao Fbi, de quem se tornou delator, entregando seus amigos James (Robert de Niro) e Paul (Paul Sorvino). O filme é um primor em todo lado que você apontar: da performance irretocável de todo o elenco, que vai dos veteranos de Niro, Sorvino, Pesci, aos estreantes que brigam pau a pau com a atenção das cenas: Ray Liotta, carismático, e Lorraine Bracco, como a tempestuosa e bipolar esposa de Henry, Karen, antológica no papel. Mesma coisa o elenco de apoio, principalmente as atrizes que interpretam as mães de Tommy e de Karen, que fantásticas! Uma mãe judia, a outra mãe italiana. A fotografia do Mestre alemão Michael Balhhaus também é arrebatadora, trazendo elementos classudos dos filmes de gangsters ao olhar épico dos anos 50 aos 80, variando a tonalidade para cada década. É do filme o famoso plano-sequência que vem da rua, desce a escadaria do restaurante, invade a cozinha e termina no salão da Boite Copacabana, em uma marcação genial de câmera e pessoas. E finalizando, o roteiro, dissecando vidas expostas em altos e baixos, com marcas de sangue carimbando cada vibração. A fiel parceira de trabalho de Scorsese, Thelma Schoonmaker, dá um show de montagem, só para variar.

30 anos blues

"30 anos Blues", de Dida Andrade e Andradina Azevedo (2019) No ano de 2013, uma dupla desconhecida de jovens cineastas com pouco mais de 20 anos de idade surpreenderam o júri do Festival de Gramado com o seu longa de estréia e arrebataram 2 importantes Kikitos O de direção e o de fotografia. "A bruta flor do querer" foi escrito, produzido, dirigido e protagonizado por Dida e Andradina, dois jovens paulistas que falavam sobre os anseios de 2 jovens que queriam descobrir o mundo. Seis anos depois, a mesma dupla lança seu segundo longa, "30 anos Blues" em Gramado e fatura o Prêmio especial do Juri em 2019. O formato foi o mesmo: dividira direção, protagonismo, produção e roteiro. Mas a dupla amadureceu, e o que vemos na tela é um filme desesperançoso sobre o fim do Brasil, o fim da Arte, o fim do Amor e das relações profissionais. Pais e filhos mal se falam, maridos e esposas trocam farpas. As pessoas traem no trabalho, em casa. Dida e Andradina resolveram falar sobre sonhos frustrados e interrompidos. É um filme melancólico. Tem u diálogo entre pais e filho que sintetiza o que vamos ver na tela: o filho, por necessidade, volta a morar com seus pais. O filho diz: "Quando se tem 30 anos e você vai morar na casa de seus pais, parece que você não deu certo na vida." A sensação de vergonha estampada na cara do filho é patente. Discute-se conceito de Arte de Amor, de Amizade, mas não se encontram respostas. É importante ressaltar a relação de amizade e profissional da dupla de amigos Dida e Andradina, dois batalhadores do cinema independente no Brasil. O tipo de filme que fazem se encaixa naquele termo que americano adora usar, o "Bromance". Os personagens mais erram que acertam, são carregados de conceitos antigos vindo de uma sociedade patriarcal e conservadora. Mas o filme, que para muitos tem uma referência ao cinema de Godard, no meu ponto de vista está mais para a busca de um sonho vindo de Fellini. A cena final me prova isso: assim como em "Noites de Cabíria", após tantas desilusões e fracassos, Cabiria esbarra na rua com uma trupe de mambembes que a encorajam a seguir adiante, e assim, ela dá um belo sorriso para a câmera. Dida e Andradina também se deparam com uma trupe mais conceitual de artistas circenses na rua, e a visão desses artistas que batalham, que fazem a sua arte sem se escorar em editais, criticados no filme, fazem brilhar os seus olhos. Desistir, jamais.

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Transtorno explosivo

"System crasher", de Nora Fingscheidt (2019) Nossa, fazia tempo que eu não ficava tão irritado em assistir a um filme e pior, de acompanhar uma protagonista tão insuportávelmente chata. Vencedor de diversos prêmios internacionais, entre eles, o Urso de Prata Alfred Bauer no Festival de Berlin 2019 e melhor filme de diretor estreante na Mostra de São Paulo, "System crasher" ainda foi o filme selecionado pela Alemanha a disputar uma vaga ao Oscar de filme estrangeiro. Não sei se foi o fato de eu ter assistido o filme durante a quarentena, mas de verdade, ficar 125 minutos de filme acompanhando a menina protagonista Benni, de 9 anos de idade, gritando, esperneando, quebrando tudo, maltratando a todos, xingando , não é uma tarefa fácil e muito menos, prazerosa. Para mim foi um exercício contínuo de abstração ou de simplesmente tirar o som do filme ou avançar. Benni foi abandonada por sua mãe que simplesmente tinha medo dela a agredir ou agredir aos outros filhos pequenos. Ao mesmo tempo, Benni sente saudades da mãe. Benni pula de acomodação em acomodação e simplesmente nenhuma casa educacional a quer: ela maltrata as outras crianças, maltrata seus tutores. Micha é o novo tutor e vai tentar "reeducar" Benni, que entre altos e baixos, vai se permitindo. Mas Benni é imprevisível, e sempre bota tudo a perder. A roteirista e diretora Nora Fingscheidt não faz o mínimo esforço de fazer Benni ser uma pessoa carismática ou passível de admiração pelo espectador. Qualquer atitude possível de humanização é logo sabotada pela mesma. Apesar de tanto sofrimento e desespero, é louvável o trabalho da atriz Helena Zengel: confesso que gostaria de saber como foi o processo da menina de preparação para o filme, pois com uma idade tão jovem e se preparando para uma personagem tão intensa e complexa, não tem como não dizer que ela acabou sendo consumida pela persona de Benni. É muito desgaste emocional. A cena final é de uma irritação que meu Deus.

Diz à ela que me viu chorar

"Diz à ela que me viu chorar", de Maíra Bühler (2019) Produzido por Anna Muylaert, "Diz à ela que me viu chorar" é um documentário expositivo que liga a sua câmera em 105 residentes de um projeto social que aconteceu em São Paulo. Nos créditos finais após 80 minutos de filme, surge a seguinte cartela: "Durante 20 meses, 105 moradores viveram no Hotel social Parque Dom Pedro , atendidos por um Programa Municipal para pessoas com perfil abusivo de crack, álcool e outras dorgas. A plítica de redução de danos oferecia acesso à moradia, alimentação, saúde e geração de trabalho e renda. Ao longo da filmagem, ocorrida entre agosto de 2016 e janeiro de 2017, a vid ano Hotel foi abalada pela eleição de um prefeito (diga-se Jorge Dória) contrário ao programa, que acabou fechado e seus moradores retornaram para às ruas."" O que vemos ao longo do filme são messes meses de convivência entre os moradores e a equipe técnica, que registra momentos aleatórios onde vemos casais brigando, casais reconciliando, discussões em corredores...é uma Big Brother que foca 24 horas nos rostos dessas pessoas, que saem de seu anonimato para estrelarem as suas próprias vidas. Li várias resenhas criticando a forma expositiva como o filme expõe pessoas sofridas com vidas trágicas apenas com a finalidade de mostrar um mundo cão para um filme que será apresentando em Festivais: e o que será feito dos protagonistas dos filmes, são as perguntas feitas. Como é difícil agradar a todos com um filme, fica aqui uma sugestão de documentário que traz um foque em um projeto social importante, e que se possível, merece ser resgatada para que essas e outras pessoas possam ter chance de reconviver socialmente e serem pessoas produtivas.

Santiago

"Santiago", de João Moreira Salles (2007) Desde que me entendo por cinéfilo, e isso tem muitas décadas, toda vez que eu assisto a um filme ou do João Moreira Salles, ou de seu irmão Walter Salles, sempre vem uma dúzia de Cinéfilos me enchendo o saco e dizendo a mesma ladainha que cansei de escutar: esses irmãos Salles fazem filmes para expiara culpa deles serem bilionários. Só fazem filmes do ponto de vista dos ricos sobre os pobres." Isso não é argumento para eu deixar de assistir a um filme, e mesmo porquê eu gosto de ter meu próprio juízo de valor. Admiro os filmes de ambos e mesmo gostando mais de uns filmes do que de outros, é inegável a contribuição artística e cultural de seus projetos para a história do cinema brasileiro. "Santiago" é um filme que era para ter sido lançado em 1992, época em que João Moreira Salles resolveu entrevistar o mordomo argentino que serviu à sua família por mais de 30 anos na famosa casa da Gávea, onde hoje existe o Museu Moreira Salles. Santiago Badariotti Merlo nasceu na Argentina em 1912. Ele serviu à Família Moreira Salles como Mordomo. Os irmãos Salles : Walter, Pedro, Fernando e João conviveram desde pequenos ao lado dos serviçais da casa e segundo João, quando haviam festas, os irmãos gostavam de se vestir de copeiros e era Santiago quem os ensinava a servir as bebidas. em 1992, Santiago já estava aposentado. João resolveu entrevistá-lo em sue pequeno apartamento no Leblon. Por 5 dias, João o entrevistou sem uma pauta certa. Foram gravadas mais de 9 horas de material, captadas pelas lentes de Walter Carvalho e pelo som de Jorge Saldanha. João chegou a filmar em estúdio imagens de lutador de box, flores e outras imagens aleatórias que pudessem ilustrar o depoimento de Santiago, mas não encontrou uma linha narrativa que desse uma liga perfeita e resolveu abandonar o projeto. Santiago veio a falecer 2 anos depois, em 1994. Somente 13 anos depois, João resolveu recuperar o projeto. A id;eia da nostalgia da mansão onde João e sua família morou , e de onde ele saiu aos 20 anos de idade, foi a moto propulsora do retorno à história de Santiago, que virou pano de fundo para o resgate de memórias. Muita gente gosta do filme, e outra mesma quantidade de gente não gosta, acusando-o de ser um filme elitista e que aponta a sua câmera para Santiago na mesma relação que um patrão tem com o seu empregado, um olhar inquisidor, que tem o poder de cortar a câmera e de fazer o o seu "ator" atuar na hora que o Diretor bem entender. É um filme bastante complexo eticamente falando. Mas o próprio João faz um mea culpa logo no desfecho, explicando o porquê da opção de sempre filmar Santiago distante, sem direito a closes. Como cinéfilo, amei as referências cinematográficas do filme: "A roda da fortuna", com Fred Asteire e Cyd Charisse, e "Era uma vez em Tóquio", de Yasujiro Ozu, um filme onde explicitamente João Moreira diz que se inspirou para os enquadramentos usados para se filmar Santiago. A trilha sonora do filme é um caso à parte: que lindeza, como compõem bem as imagens com as músicas listadas. A narração de Fernando Moreira Salles também é outro ponto positivo, dá uma atmosfera de tranquilidade e serenidade que combinam com a elegância do filme. Obs: amei as anotações de mais de 30 mil páginas de Santiago, que pessoa extraordinária. Pena que não se falou de sua vida pessoal, amigos, família. Pelo visto, a sua vida foi totalmente dedicada à família.

Mr Leather

"Mr Leather", de Daniel Nolasco (2019) Existe uma frase que circula entre as quadras de escola de samba que diz que são "várias as alas das baianas". Essa mesma expressão vale para a comunidade gay. Para quem acha que todo gay é igual, não faz idéia da diversidade de gostos e desejos entre gays que muitas vezes nem se misturam: existem os que apreciam as barbies, os que apreciam as plocs, e entre muitas outras variações, os que amam o couro. O filme explora a "lifestyle"de quem ama e aprecia o couro não só como objeto de desejo e fetiche, mas como modo de vida, que vai desde assistir a filmes clássicos quando crianças, como "O selvagem"e "Juventude transviada"ao clip de Madonna "Human nature", ou ao mais óbvio das referências, o finlandês Tom of Finland e as suas ilustrações pornográficas envolvendo homens musculosos às voltas com corou e sodomia. O filme é dividido em 2 partes: a primeira parte é uma brincadeira Kitsch e debochada fazendo um prólogo sobre a introdução ao Universo Leather no Brasil: temos um apresentador, que anuncia os primeiros Leathers, e isso representando em uma floresta de pegação, que ele chama de "Ilha da fantasia". A linguagem desse prólogo é muito semelhante ao que o cineasta sueco Ulrich Seidl utiliza: uma narrativa fria, imagens chocantes e fetichistas, trilha sonora pop, fotografia de cores fortes. Logo depois o filme se atém ao 2o ano do concurso do Mr Leather, que ira acontecer em uma boite de São Paulo chamada "Eagle", ponto de encontro de seguidores do fetiche do couro. Ficamos sabendo quem é o vencedor da 1a edição de 2017, um certo Mr Barbudo, que se orgulha de sua faixa, que segundo ele, "dorme com ele e até sexo ja fez na presença da faixa". O filme se atém a 4 candidatos à edição de 2018: o filme entrevista cada um, depois, segue em momentos da vida pessoal de cada um deles, até o dia do concurso. Para quem curte um fetiche do couro ( com direito a testemunhar uma cena "bondage" entre Mr Barbudo e um rapaz todo fechado no couro) vai ter material de sobra para assistir. Tenho zero atração por esse fetiche, então para mim o filme ficou como curiosidade mesmo.

domingo, 26 de abril de 2020

Atrás da estante

"Circus of book", de Rachel Mason (2019) Curioso documentário sobre a rede de lojas Circus of Books, localizada em Los Angeles. Inaugurada em 1982 pelo jovem casal Karen and Barry Mason para ser uma livraria, logo se tornou um famoso ponto de venda de material pornográfico gay. O sucesso foi tão grande que, além d aloja de West Hollywood, foi aberta outra em Silver Lake. Durante décadas, as lojas foram ponto de encontro da comunidade gay, numa época onde os gays eram descriminados. Muitos transavam nas lojas, e atrás da loja havia um beco da vaselina onde também praticavam sexo. Por décadas, o casal Karen e Barry Mason faturou muito dinheiro com a pornografia gay, inclusive passara a produzir e a distribuir filmes, como as do astro Jeff Stryker, um dos maiores ídolos gays dos anos 80 ( Stryker aparece no filme nos dias de hoje e só pude pensar: "Maldito Tempo que destrói tudo!". Logo depois veio a epidemia de Aids que quase destruiu os negócios da Circus of Books, além a perseguição do Governo Reagan ao comércio de produtos voltados para a comunidade Lgbtqi+. O filme tem maravilhosas imagens de época, com Los Angeles e a cultura gay dos anos 80 e 90. São imagens preciosas. Mas a melhor parte do documentário não tem a ver com a loja e sim com o filho mais jovem do casal, que são pais de 3 filhos ( a do meio, Rachel, é quem dirige o documentário): Josh, o filho menor, se assumiu como gay. Na comunidade judaica, é uma vergonha ter um filho homossexual. O pai, Barry, aceitou na boa. O problema foi a mãe, Karen. A questão que o filme levanta é: como uma mulher judia, que por mais de 30 anos, trabalhou para a comunidade gay, teve funcionários gays, e quando te um filho que se assume gay, ela não aceita? Karen dá o depoimento dizendo que não estava preparada como mãe para aceitar a homossexualidade na época, muito pela questão religiosa e cultural. Hoje em dia, ela e o marido fazem parte de uma Ong de pais que apoiam os filhos Lgbtqi+. As lojas fecharam em 2019, após o declínio de vendas ocasionadas pelas Internet e pelos aplicativos Grindr e Scruff, que praticamente destruíram o comércio de pornografia gay.

Rumo às estrelas

"To the stars", de Martha Stephens (2019) Drama LGBTQI+ em competição no Festival de Sundance 2019, além de premiado em diversos outros Festivais, é escrito, dirigido e protagonizado por mulheres. O filme tem uma mistura de "As horas", "O segredo de Brokeback monntain" e "Almas gêmeas", todos filmes com homossexualismo como pano de fundo e vivenciados em uma época onde o mesmo era visto como uma doença. "Rumo às estrelas" se passa nos anos 60 no interior de Oklahoma, berço do conservadorismo americano. Íris é uma adolescente tímida que mora com a sua mãe alcóolatra e ninfomaníaca e com o seu pai passivo. Todo dia, à cminho da escola, Íris sofre bullying por parte de um grupo de rapazes. Um dia, ela é salva de ser estuprada por uma adolescente, Maggie, recém-chegada na nascida com sua família. Maggie veio da cidade grande e mora com a sua família cristã. Maggie e Íris estudam na mesma sala, e aos poucos, Maggie vai fazendo Maggie se tornar uma jovem cada vez mais com auto-estima. Maggie no entanto tem um passado que ela procura esconder, mas os desejos se tornam cada vez mais fortes: Maggie é lésbica, e por isso seus pais se mudaram. Maggie se rebela contra quem ela é e Íris faz de tudo para ajudar a a miga. A roteirista Shannon Bradley-Colleary e a diretora Martha Stephens exageraram na dose: absolutamente todas as personagens femininas do filme têm alguma questão interna que as faz sofrer muito. Ambas resolveram fazer do filme um estudo sobre sociedade patriarcal e machismo no interior dos Estados Unidos dos anos 60, uma América branca, loira e cristã, que não consegue pensar fora da caixa. Os homens em sua maioria são todos uns idiotas, machistas, grosseiros e broncos. O único personagem masculino digno de respeito é o jovem Jeff, mesmo assim ele é representado como um nerd. No meio de tantos personagens estereotipados, e tramas óbvias, vale ressaltar a qualidade da performance das duas jovens protagonistas.

O assalto ao trem pagador

"O assalto ao trem pagador", de Roberto Farias (1962) Obra-prima do cinema brasileiro, um dos mais aclamados filme de Roberto Farias, é baseado na história real do assalto ao trem pagador que fazia a rota Japeri e Paes Leme, no subúrbio do Rio de Janeiro, no ano de 1960. Ua quadrilha de 6 integrantes explodem com dinamite o trilho do trem e levam 27 milhões de cruzeiros, repartidos entre o grupo. Tião Medonho (Eliezer Gomes, excelente), chefe do grupo, diz a todos não gastarem mais do que 10 por centro do roubo pelo período de um ano para não chamarem atenção. Caso alguém o faça, será morto por Tião. Grilo (Rrginaldo Farias), o único do grupo que não mora em favela, conhece uma cocota (Helena Ignez) e passa a gastar todo o dinheiro com ela. Tião possui 2 famílias, que nem sabem a existência uma da outra: Zulmira (Luiza Maranhão), com quem Tião tem 3 meninos, e Judith (Ruth de Souza), com quem ele tem uma filha. Tião tem bom coração e guarda o dinheiro para o futuro dos filhos, além de ajudar na comunidade. A polícia, comandada pelo Delegado (Jorge Dória) tenta descobrir o paradeiro da quadrilha. No entanto, a cobiça, a cachaça (Grande Othelo se entrega ao vício) e a desconfiança termina por destruir o grupo. A cena mais cruel e talvez antológica do filme seja a cena onde Grilo (Reginaldo Farias), ameaçado de morte por Tião, diz que ele jamais será como ele, que é branco, loiro e de olhos azuis: que ele pode gastar dinheiro sem chamar atenção. Já Tião, nem com todo o dinheiro do mundo, irá tirar a favela de dentro dele. É um momento de entendimento do País que é o Brasil, que privilegia os brancos. É uma cena dolorosa defendida com muita garra pelo excelente elenco. A curiosidade que mais me encanta é saber que o protagonista Elieser Gomes era na verdade um motorista de ambulância, e que foi escolhido para o papel de Tião após competir com outros 300 candidatos. Existe uma frase que é comum no meio artístico e que aqui funciona como uma luva: "Não é o Ator que busca o Personagem, É o Personagem que vai em busca do Ator.". E Tião encontrou o seu grande momento na 7a arte, imortalizado em um dos maiores filmes da história do cinema brasileiro. O filme foi todo rodado em locações reais, tanto na Estação de trem, quando na Favela da Mangueira, Coelho Neto e no Centro. A fotografia, em preto e branco, é do mestre Amleto Daissé, fotógrafo de muitas obras-primas da Atlântida. A trilha sonora antológica e rica em ritmos é de Remo Usai. O elenco, além dos grandes nomes citados, ainda tem Dirce Migliaccio, Wilson Grey, Átilo Iório, Clementino Kelé, Chica Xavier, Nelson Dantas, Oswaldo Louzada, nesse que é um dos maiores essambles nacionais. A registrar: a linda cena de Grande Othelo sambando e cantando, que maravilha!

Modo avião

"Modo avião", de César Rodrigues (2020) Primeiro filme protagonizado pela atriz Larissa Manoela para a Netflix, ele traz um modo de produção que acho excelente e que deveria ser exemplo para as produções de audiovisual como um todo, seja tela grande ou pequena: é uma mistura extremamente feliz e saudável de atores e atrizes mais voltados para projetos autorais, e convivendo com enorme organicidade e empatia com elenco mais comercial. Por exemplo, quem um dia poderia sequer imaginar em ver a atriz Sílvia Lourenço, musa mor do Cinema autoral paulista, protagonista de "O cheio do ralo" e "Contra todos", dois filme sínteses do melhor da produção independente brasileira, interpretando a mãe da Larissa Manoela? E para os detratores, péssima notícia: Sílvia Lourenço está ótima no papel! Fico imaginando nas escalações normais de elenco que são feitas, alguém dizendo: "Mas vocês estão doidos gente? Ela é cult! Ela é hermética! Ela não faz comédia. Ela é visceral! ". Parabéns a quem convenceu a escalar não somente Sílvia, mas um elenco talentoso que vai de Dani Ornellas, Michel Bercovitch, Mariana Amâncio, Phellyx Moura, André Luiz Frambach, todos rostos novos nessa seara da comédia romântica. "Modo avião" é veículo para o talento de Larissa, que tem mais de 31 milhões de seguidores no Instagram e portanto, tem um fã clube que exige consumir produtos de sua ídola que não os frustre. Larissa está muito bem acompanhada por um elenco de estrelas, que vai dos incríveis nomes já citados, aos de participações divertidas de Katiuscia Canoro e Erasmo Carlos. José Roberto Eliezer, parabéns pela Fotografia!!!!

sábado, 25 de abril de 2020

O melhor verão das nossas vidas

"O melhor verão das nossas vidas", de Adolpho Knauth (2020) Essa comédia musical adolescente brasileira é a estréia do Diretor Adolpho Knauth em longa-metragem e a estréia das Bff girls em cinema. Mas gente, quem são as Bff girls? Bom, eu tive que pesquisar antes de assistir ao filme, vamos lá: na 1a edição do The Voice kids, as meninas Bia Torres, Giulia Nassa e Laura Schadeck participaram como as Bff girls. O sucesso foi tanto que elas mantiveram o nome artístico e assinaram contrato com uma gravadora. Lançaram vários hits, entre eles, "Meu crush". Em janeiro de 2019, Laura Schadeck pediu para sair e em seu lugar entrou Laura Castro. São as 3 que integram o elenco de "O melhor verão de nossas vidas", dando vida à ...elas mesmas! Elas são finalistas de um concurso juvenil em Guarujá, mas por estarem em recuperação, terão que ficar na escola fazendo prova. Desesperadas, elas enrolam os pais e seduzem um nerd da escola e seu tio mais nerd ainda para levá-las à Guarujá. Chegando lá, claro que elas irão conhecer crushes, vão rolar intrigas, etc e tal, tudo como manda o figurino de uma sessão da tarde. O filme tem um roteiro tão ingênuo e previsível que é até maldade fazer comentários críticos. Assisti porque estava com saudades de ver comédias brasileiras recentes, e esse foi um dos últimos a entrar no circuito antes do fechamento das salas em março. Torcer para que no streaming ele faça uma visibilidade maior. Filme estritamente para os fãs das moças e para quem como eu assiste de tudo.

São Paulo Sociedade anônima

"São Paulo Sociedade anônima", de Luís Sérgio Person (1965) Clássico do cinema brasileiro de 1965, 'São Paulo Sociedade anônima" é o longa de estréia de Luís Sérgio Person. Uma crítica feroz à impotência do homem de classe média que busca um lugar ao sol em uma Sao Paulo dominada pela chegada de indústrias estrangeiras. O governo incentivava a industrialização no País e São Paulo é a capital aonde todos buscam uma chance de ficar rico. Carlos (Walmor Chagas) trabalha na Voskgwagen, no setor de controle de qualidade. Ao se aproximar de um fornecedor, o italiano Arturo (Otelo Zeloni), Carlos se deixa envolver com as falcatruas dele e acaba saindo da empresa e se juntando na empresa de auto-peças do italiano. Carlos vai conseguindo juntar dinheiro, ao mesmo tempo que precisa administrar uma empresa fraudulenta, onde boa parte dos empregados não são registrados. Paralelamente, Carlos se envolve com 3 mulheres: Ana (Darlene Glória), uma mulher consumista que só quer aproveitar a vida; Hilda (Ana Esmeralda), uma intelectual amante das artes que humilha Carlos por ele não ter cultura; e Luciana (Ewa Wilma), filha de burgueses com quem Carlos acaba se casando e tendo um filho. Com todas as 3, Carlos é infeliz. O filme tem uma estrutura narrativa toda desfragmentada: ele começa pelo final, com a separação e fuga de Carlos de seu casamento com Luciana, e daí vai para o início de sua história, percorrendo 5 anos de sua vida, de 1957 a 1961. O filme tem uma fotografia em preto e branco de Ricardo Aronovich, um Mestre que fotografou "Os fuzis" de Ruy Guerra e "O Baile", de Ettore Scola. A câmera na mão e os enquadramentos são muito bem orquestrados, trazendo um preto e branco opressor de uma São Paulo repleta de solidão. O filme traz influências do cinema existencialista de Antonioni, que também fala do homem em crise consigo mesmo diante de uma imensidão de uma grande cidade. O filme tem muitas cenas antológicas, mas a que mais admiro é a da família cantando dentro do carro de férias e de repente Carlos canta "O hino da bandeira": é uma cena muito simbólica e bastante intensa.

Night flight

"Night flight", de Leesong Hee-il (2014) Exibido no Festival de Berlin e em diversos Festivais internacionais. "Night flight' é um comovente drama LGBTQI+ sul coreano protagonizado por um time de excelentes jovens atores. Ambientado em Seul, É um épico intimista sobre amizade, traição, amor, abandono familiar, bullyng e homofobia. Yong Ju, Gi Woong e GI Taek sempre foram melhores amigos na época da escola. Mas a entrada no 2o Grau foi problemática: Gi Woong tem problemas familiares e se afasta dos amigos. Pior: ele entre para um grupo de alunos que praticam bullying. Disposto a recuperar a amizade de Gi Woong, Yong Ju faz de tudo para se reaproximar, sem sucesso. Os anos passam. Gi Woong reaparece na vida de Yong Ju ao roubar a sua bicicleta durante uma fuga. Gi Woong vai atrás. Ao se reencontrarem, Yong Ju diz que ainda é amigo dele. Mas Gi Woong sempre o repreende com rispidez. O que iremos saber depois, é que Yong Ju sempre teve paixão platônica por Gi Woong, que reprimiu seus sentimentos por não querer ser visto como um homossexual. A trajetória de ambos será de muito sofrimento para que entendem que a entrada na vida adula não será nada fácil. Com impressionantes 142 minutos de duração para narrar uma história de amor e de amizade, "Night flight" é o nome de um bar gay da cidade que está abandonado e onde Yong Ju vai com um amigo gay para falarem de homossexualidade. Apesar de sua longa duração, o filme consegue segurar a atenção do espectador, muito por conta do talento dos atores ( Kwak Si-Yang e Lee Jae-Joon são bastante carismáticos como o casal de amigos Yong Ju e Gu Woong), pela excelente fotografia, que registra tão bem as cenas diurnas quanto as de entardecer e noturnas, quanto pela bela trilha sonora. O filme é muito sofrido, toda hora tem gente apanhando ou por ser gay, ou por ser nerd, ou gordo. Para quem busca um romance ou filme mais light, deve evitar esse filme.

sexta-feira, 24 de abril de 2020

O caso dos irmãos Naves

"O caso dos irmãos Naves", de Luiz Sérgio Person (1967) Clássico do cinema brasileiro, dirigido por Luís Sérgio Person, que há dois anos atrás havia lançado "São Paulo S.A". Adaptação do livro escrito pelo advogado João Alamy Filho, e roteirizado pelo próprio Person e o crítico de cinema Jean Claude Bernadet, o filme ganhou em 1967 no Festival de Brasília 2 prêmios: melhor atriz coadjuvante para Lélia Abramo (que interpreta a mãe dos irmãos) , e melhor roteiro. O filme é baseado em trágico acontecimento real, acontecido na cidade de Araguari, Estado de Minas, em 1937, na implantação do estado Novo de Getúlio Vargas: 2 irmãos, Sebastião (Juca de Oliveira) e Joaquim Naves (Raul Cortez) são acusados injustamente de terem assassinado o primo deles, Benedito, e sumido com o dinheiro. Os 3 eram sócios em uma compra de caminhão. Mas Benedito, sem avisar ninguém, foi embora de madrugada com o dinheiro para outra cidade. Sem corpo e sem sinal do dinheiro, os irmãos e a mãe deles são torturados barbaramente. A mãe é solta e pede ajuda para o advogado João Alamy (John Hebert) para impedir que o novo Delegado, um ex-tenente (Anselmo Duarte) os torture ainda mais. Diante de ameaça de morte, os irmãos acabam confessando o crime. No dia do julgamento, no entanto, os irmãos negam tudo e dizem que foram obrigados a mentir para não serem mortos. O juri os absolve 6 contra 1. Mas a promotoria não se convence e pede um novo julgamento, que de ovo os absolve. O tribunal, no entanto, altera o veredito outra vez, com ajuda da Constituição de 1937. Os irmãos são condenados a 25 anos e 6 meses de reclusão, pena posteriormente reduzida para 16 anos. Após 8 anos e 3 meses encarcerados, em agosto de 1946, Sebastião e Joaquim ganham liberdade condicional ante comportamento exemplar. Em 1952, Benedito aparece. Somente em 1960 os herdeiros conseguiram indenização do Estado.Joaquim já havia falecido. O filme tem uma narrativa que mistura documentário, cinema reportagem e narração em off. Person misturou atores profissionais com moradores da cidade de Araguari. As cenas de tortura são bem intensas e cruas, e claro que o roteiro de Bernadet e Person já faria uma analogia à Ditadura militar vigente no País de 1967, ano da produção do filme. "O caso dos irmãos Naves" é talvez o melhor filme de tribunal feito no Brasil, realizado com bastante competência e realismo. Raul Cortez, Juca de Oliveira, Lélia Abramo estão antológicos

La Belle Époque

"La Belle Époque", de Nicolas Bedos (2019) Grande sucesso entre a crítica francesa durante a sua exibição no Festival de Cannes 2019, fora de competição, "La Belle Époque" é uma espécie de "O Show de Truman" na comédia romântica, protagonizada por 3 ícones do cinema francês, Daniel Auteuil, Fanny Ardant e Guillaume Canet, além da grande sensação de "Sr e Sra Adelman", Doria Tillier. "Sr e Sra Adelman" foi lançado em 2017 e fez muito sucesso de crítica e público, lançando o nome do roteirista e diretor Nicolas Bedos, que em "La Belle Époque" lança seu segundo projeto, ainda mais ousado e criativo. Ambos os filmes têm em comum um amor incondicional que percorre décadas, e tenta resistir ao tédio e ao envelhecimento psicológico e físico. Victor (Auteuil) é um desenhista desempregado, que odeia modernidades e se recusa a desenhar usando programas de computador. Victor foi um famoso desenhista de cartoons infantis, mas se tornou uma pessoa amarga. Seu filho, editor de uma revista, tenta a todo custo empregá-lo na revista, mas o pai recusa. A esposa de Victor, Marianne (Ardant) é uma psicóloga que já perdeu as esperanças de fazer Victor voltar a sentir prazer na vida pessoal e profissional. Victor recebe um presente inesperado de um fã de seus cartoons: Antoine (Caunet) quando criança era um grande admirador de seus desenhos e o presenteia com um vale-passe que dá direito à realização de um sonho. Antoine dirige um parque temático, espécie de Ilha da Fantasia, onde as pessoas comprar um sonho e tem ele realizado, através de uso de atores, figurantes e cenários montados. Expulso de casa pela esposa, Victor resolve aceitar o presente: ele pede para retornar a um dia específico em 1974, em um bar em Lyon chamado "La Belle Époque", onde ele conheceu sua futura esposa, Marianne. Chegando no dia e no local agendado, Victor se surpreende com o realismo do cenário e das pessoas, e se encanta com "Marianne" jovem (Tiller), que na verdade é namorada do diretor Antoine, com quem anda brigada. Sö que Marianne/Margot é adepta de improvisações, apesar das duras de Antoine, e vai mudando todo o rumo da história de Victor, transformando a vida de todos. Quem reclamou do romantismo exacerbado de "Sr e Sra Adelman" certamente também irá chiar aqui. O filme não esconde que quer falar de amor, de possibilidade de recomeços. O filme traz momentos divertidos, dramáticos e românticos com direito à uma trilha sonora recheada de clássicos dos anos 70, incluindo Dionne Warwick e Baccara. O filme foi indicado para 12 prêmios César 2020, levando 2: melhor roteiro, melhor direção de arte e melhor atriz coadjuvante para Fanny Ardant.

Curiosa

"Curiosa", de Lou Jeunet (2019) Dirigido pela Cineasta francesa Lou Jeunet, que também co-escreveu o roteiro, "Curiosa" segue o padrão de dramas eróticos franceses, que já rendeu grandes clássicos. Baseado em história real, o filme narra a a história de Marie de Regnier (Noémie Merlant, de "Retrato de uma mulher em chamas"), apaixonada por Pierre Louÿs (Niels Schneider, o objeto de desejo de Xavier Dolan em 'Amores imaginários"). O ano é 1897, Paris. Os dois são poetas, e para surpresa de ambos, Marie é obrigada a se casar com o melhor amigo de Pierre, Henri De Régnier. Isso porque a família de Marie está com dívidas e o casamento dela com Henri vai ajudar a ascender socialmente. Desolado, Pierre viaja para a Argélia e passa dois anos por lá. Ao retornar para Pais, Pierre traz consigo a argelina Zohar, uma fogosa nativa que é também modelo fotográfico de Pierre em fotos eróticas, sua nova paixão artística. Marie reencontra Pierre, e ambos se tornam amantes. Ao saber das fotos eróticas, Marie se entusiasma e também quer ser modelo, além de criar gosto pela fotografia, provocando ciúmes em Zohar e em seu marido, Henri. Com cuidadosa reconstituição de época, o filme tem requintada fotografia e direção de arte. A curiosidade fica no uso da trilha sonora eletrônica para dar vida às cenas, recurso já utilizado por Sophia Coppola em "Maria Antonieta", quebrando o protocolo de que filmes de época tem que vir com músicas clássicas. Os dois atores protagonistas, que interpretam Marie e Pierre, exalam sensualidade à flor da pele, passando metade do filme totalmente nús. É bonito ver a nudez dos dois tão bem fotografada. Infelizmente, o filme tem um ritmo bastante arrastado e o roteiro já pela metade do filme vai se tornando repetitivo, parece não sair do mesmo lugar. Fica clara a mensagem da roteirista e diretora sobre a libertação feminina de uma mulher ousada e vanguarda na França do final do século XIX, que não seguiu padrões acerca de relacionamentos e seguiu seus desejos e impulsos para ser feliz.

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Otto Lara Rezende...ou Bonitinha mas ordinária

"Otto Lara Rezende...ou Bonitinha mas ordinária", de J.P. Carvalho (1963) Nelson Rodrigues escreveu a peça em 1962. Jece Valadão comprou seus direitos e adaptou 1 ano depois, produzindo na sua produtora Magnus Filmes. J.P. Carvalho, nome artístico Billie Davis, fez a adaptação cinematográfica bastante fiel ao texto original. Jece Valadão no mesmo ano viria a trabalhar em outro filme adaptado da obra de Nelson, "Boca de Ouro", dirigido por Nelson Pereira dos Santos. A adaptação de "Bonitinha"foi feita pelo próprio Jece e Jorge Döria, e as músicas, compostas por Carlos Lyra. Edgar (Valadão) trabalha em uma empresa de seguros. Ele é apaixonado pela sua vizinha, a professora Ritinha (Odete Lara), que mora com a mãe doente e outras 3 irmãs, que Ritinha cuida com bastante rigidez. Edgar é procurado por Peixoto (André Villon), seu amigo, que lhe propõe um negócio que vai deixa'-lo rico: se casar com a filha do patrão dele, Heitor (Fregolente), a ninfeta Maria Cecília (Lia Rossi). O motivo: ela foi estuprada por 3 negros e para abafar o caso, o pai quer casá-la de qualquer jeito. Edgar recebe um cheque como parte do acordo, mas entra em grande crise ética. Encabeçado por um grande elenco, que inclui Ida Gomes, Monah Delacy e Maria Gladys, como uma das irmãs, o filme aposta mais no drama, ao contrário da versão de 1981 de Braz Chediak, que ficou famosa pelas cenas altamente eróticas. O filme ainda viria a ter uma outra versão de Moacyr Góes em 2012. Apesar de ser um clássico, essa primeira versão tem altos e baixos: as cenas com Odete Lara, Jece Valadão e André Villon são as melhores, Ambrósio Fregolente, no papel de Heitor, às vezes varia sua interpretação para o caricato e para o teatral. Lia Rossi, estreando no cinema traz leveza e doçura para Maria Cecília, mas faltou uma melhor virada para a sua personagem, quando a verdade é revelada. A atriz que faz a mãe de Edgar é uma bela revelação, a cena onde ela implora ao filho o cheque é muito boa. O filme ficou com um ritmo arrastado nas cenas internas, muito por conta da fidelidade do texto e aí a teatralidade fica em voga.

O silêncio do pântano

"El silencio del pantano", de Marc Vigil (2019) Longa de estréia do diretor de series de tv na Espanha, Marc Vigil (Vis a vis), "O silêncio do pântano" segue a tradição de filmes de suspense espanhóis, que já rendeu excelentes filmes, como os recentes "O poço", "A casa", "Um contratempo", "Depois da tormenta", "O corpo". O filme parte de uma premissa já vista em outros filmes: um escritor de romances policiais de sucesso, na verdade é um serial killer que sequestra e executa suas vítimas e daí faz um relato realista pelo ponto de vista do personagem nos romances. O que o romancista Q (Pedro Alonso, o Berlin de "La casa de papel") não poderia imaginar, é que a sua última vítima era um professor de economia corrupto e envolvido em escândalos envolvendo policiais e autoridades. Todos vão em busca do desaparecimento do professor, inclusive um assassino de aluguel, que acaba rastreando a moto de Q. O filme começa bem, mas depois começa a se abrir em tantas sub-tramas e personagens que fica bastante confuso. O filme quiz ampliar seu foco para falar de corrupção na política e na polícia e acabou deixando de lado o seu protagonista, Q, que em determinando momento até some da trama. A cena final, em aberto, é totalmente sem sentido e irritante, aqueles maneirismos de roteirista para deixar o espectador cabreiro.

quarta-feira, 22 de abril de 2020

A queda

"A queda", de Ruy Guerra e Nelson Xavier (1978) Único filme dirigido pelo ator Nelson Xavier, que dividiu a direção com Ruy Guerra. O filme é continuação do clássico do cinema novo "Os fuzis", de 1964. "A queda"acompanha Mário (Nelson Xavier), um ex-soldado que agora na cidade grande trabalha como operário nas obras do metrô, junto do seu amigo José (Hugo Carvana), que também largou a farda. Quando José sofre um acidente na obra e vem a falecer, o sogro de Mário, Salatiel (Lima Duarte), que é supervisor da obra, tenta abafar o caso, pois José estava sem equipamento de proteção. Mário é coagido por Salatiel para falar com a viúva e pedir para ela não processar a construtura. A esposa de Mário e filha de Salatiel, Lindalva (Isabel Ribeiro) no entanto, discute com seu marido e pede para ele reagir e não ser um boneco nas mãos de seu pai. Misturando linguagem documental com imagens de "Os fuzis", o filme traz uma narrativa curiosa que era típica de filmes políticos dos anos 60 e 70: várias cenas são compostas de stills e narração dos personagens. principalmente nas reuniões dos empreiteiros, um simbolismo ao aspecto inumano dos poderosos. O filme faz uma crítica muito cruel da tragédia que é o Brasil, que deixa correr solto casos de acidentes da trabalho defendendo os magnatas. Mário é um personagem que descobre tarde demais que foi usado como peça de um jogo sujo: tanto a imprensa, como os advogados, já estão todos concomunados com o Poder. O filme ainda explora a ditadura e o militarismo, em uma cena onde policiais procuram por Mário, acusado de ser subversivo. O trabalho da câmera de Edgar Moura lembra os melhores trabalhos do craque Dib Luft, o mestre do Cinema novo. A canção de Milton Nascimento composta para o filme vai fundo no sentimento de tristeza e derrota. O filme tem um elenco de peso: Paulo Cesar Pereiro, Tonico Pereira. Robertp Frota, Helber Rangel, Maria Silvia e o cineasta Luiz Rosemberg FIlho. Destaque para duas cenas primorosas de ayuação: a de Isabel Ribeiro discutindo contra o seu pai e seu marido, e a cena final, de Isabel Ribeiro com Nelson Xavier, um monólogo maravilhoso e comovente. O filme recebeu em 1978 o Urso de Prata do Festival de Berlin.

O Gangster, o Policial e o Diabo

"Akinjeon", de Lee Won-Tae (2019) Para quem é fã de filmes sul coreanos com muita ação e suspense, esse filme é excelente pedida. Exibido no Festival de Cannes 2019 em Mostra paralela, o filme remete ao tema da obra-prima de Frtiz Lang, "M, o Vampiro de Dusseldorf": a polícia e os gangsters precisam unir forças para conseguir prender um serial killer que age impunemente em Seul no ano de 2005. Jang Dong-soo (Dong-seok Ma, de "Trem para Busan" e um dos maiores astros da Coréia do Sul) é um gangster que domina ilegalmente as máquinas caça niqueis. O policial Jun faz de tudo para prendê-lo, mas não tem provas. Um serial killer age na cidade, matando suas vítimas à facadas. Quando o próprio Jang Ding é vítima do serial killer, mas consegue sobreviver, resolve iniciar uma caçada para prender o assassino. O policial Jun, visando promoção, se une ao gangster. O filme é cheio de cena de ação, muita pancadaria, muito kung Fu, muito gore, sangue. O filme já apresenta quem é o assassino logo de cara, para tornar o espectador cúmplice de suas ações. O filme fica arrastado la pelo 2o ato, devido a sub-tremas que envolvem brigas de facções. A fotografia noturna intensifica bastante as cores e os neons da cidade.

terça-feira, 21 de abril de 2020

Anna Karina: para você lembrar

"Anna Karina, souviens-toi", de Dennis Berry (2017) Documentário obrigatório para fãs da nouvelle vague, fãs de Godard e claro, fãs de uma das maiores musas do cinema francês, Anna Karina. O filme é dirigido por Dennis Berry, diretor e ator americano com quem Karina foi casada de 1982 a 2019, ano de sua morte, aos 79 anos de idade. Dennis, curiosidade, foi casado com as duas musas de Godard: de 72 a 79 casou-se com Jean Seberg. O filme apresenta a própria Anna Karina, 2 anos antes de seu falecimento, dando depoimentos em uma sala de cinema e vendo cenas de seus filmes e peças de teatro. A narração é de Dennis Berry, que narra em tom de carta de amor à sua mulher amada, com quem ficou casado há 27 anos. Anna nasceu em Copenhague, em 1940. Sua mãe flagrou o pai de Anna, um capitão, cm uma amante e se separou dele. A mãe de Anna a maltratava, não lhe dava carinho nem preparava refeições para ela. Quem cuidava dela eram seus avós. Com a morte da avó e a partida do avô para trabalhar fora do país, a mãe de Anna casou-se novamente. O primeiro padrasto era apaixonado por discos de jazz e Anna ficava ouvindo em casa e se apaixonando por música americana. Anna, criança, foi trabalhar como vendedora de jornais na rua e com o dinheiro, ia para as salas de cinema assistir a musicais, sua grande paixão. O próximo padrasto baia nela, e Anna tomou a decisão de sair de casa e ir tentar a sorte em Paris, com pouco dinheiro no bolso e sem falar francês. Para sua sorte, uma agente de uma agência de modelos va viu na rua, toda suja, mas viu nela uma beleza rara. Logo, Anna foi trabalhar como modelo fotográfica de revistas e desfiles de moda. Coco Chanel se encantou com Anna e perguntou o nome dela: Hanne Karin Bayer. Coco pediu para que ela usasse um nome artístico, e a batizou de Anna Karina. Anna sempre teve sonho de ser atriz. Estrelou vários comerciais, e um comercial de sabonete Palmolive chamou a atenção de Godard. Ele a convidou para uma ponta em que tinha que estar nua em ‘Acossado”, mas como a própria Anna diz: “ele usava óculos tão escuros que eu tinha medo dele. Recusei.”. Um mês depois, ela recebeu outro telegrama de Godard, e ela achava que ela vingança: mas ele queria convidá-la para estrelar seu próximo filme, “Le petit soldat”. Foram as filmagens mais longas de um filme de Godard, pois ele tinha medo de perder Anna Karina e nunca mais vê-la. No último dia de filmagem, ele lhe mostrou um papel com a mensagem: ‘Eu te amo”. A partir daí foram morar juntos. Godard a apresentou a cineastas e intelectuais. Se casarm em 1961. Filmaram muitos longas juntos. Agnes Varda celebrou o amor dos dois em um curta que existe dentro de “Cleo de 5 às 7”. Godard morria de ciúmes de convites de outro cineastas para Anna Karina protagonizar os filmes, e frequentemente dizia para ela não fazer. Esses convites começaram a se tornar mais frequentes depois dela ter ganho o Urso de Ouro em Berlin por “Uma mulher é uma mulher”. Jaques Rivette, Volker Schloendorff, Anna começou também a interpretar para palcos de teatro. Em 1967, passou a integrar manifestações políticas e feministas pela Europa. “Made in Usa”, de 1966, foi a última parceria de Anna com Godard e o fim do relacionamento. No ano seguinte, ela foi convidada pelo diretor e Pierre Koralnik a protagonizar um musical, com letras de Serge Gainsburg. Anna sempre sonhou em fazer musicais, e para o filme, ela aprendeu a cantar e dançar. E o filme, Anna", em sua homenagem, foi um grande sucesso. Em 67, ela filma com Visconti e Marcello Mastroiani em “O estrangeiro”. A partir dai, Anna começou a seguir carreira internacional. Ela chegou a trabalhar com George Cukor, que para ela, é um dos seus diretores preferidos, tendo assistido a todos os filmes dele quando criança e adolescente. Em 1973, Anna Karina se torna a primeira atriz francesa a dirigir um filme: “Vivre ensamble” foi rodado em Nova York, e relata uma vida a dois com altos e baixos. O filme foi selecionado para Cannes, e Anna recebeu uma carta de François Truffaut, dizendo-se encantado pelo filme e estimulando para que ela continuasse a dirigir mais. Anna ornou-se romancista, escreveu vários livros e em 97, retornou aos palcos atuando em uma adaptação de um texto de Ingmar Bergman. No ano seguinte, ela fez pela primeira vez uma turnê musical, viajando pela Europa e Japão. Seu produtor musical disse para ela, encantado: “Você viu que na plateia tinham várias meninas vestidas como a sua personagem de “Pierrot le fou’? Tenho que dizer que fiquei muito encantado com o filme, e certamente vou querer assistir a todos os filmes citados nele. É uma declaração de amor ao cinema.

Os fortes

"Los fuertes", de Omar Zúñiga Hidalgo (2019) Premiado drama LGBTQI+ chileno, realizado com recursos de crowdfunding. O filme lembra bastanre "O segredo de Brokeback Mountain", trocando as ovelhas por pescaria e as montanhas americanas pela cidade litorânea de Valdívia. Lucas é um jovem da cidade grande,d e Santiago, que vai até Valdívia para visitar sua irmã e aproveitar as comemorações da independência chilena, onde acontecem encenações históricas. Lucas conhece o pescador Antonio, e imediatamente acontece entre eles uma paixão. Só que a cidade é bastante conservadora e aos poucos, ambos passam e sofrer ataques homofóbicos. Filmado com muita delicadeza, "OS fortes" tem atuação naturalista de todo o elenco. O filme tem uma forte presença de linguagem documental, e isso explica o ritmo bastante arrastado do filme. Mas não esperem uma história trágica. O roteirista e diretor Omar Zúñiga Hidalgo evitou trazer um tom pesado ao filme, e explora bastante o romance dos dois protagonistas, em belas cenas de sexo e paixão.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Culpa

"La culpa" de Moises Aisemberg (2018) Excelente curta mexicano de temática LGBTQI+, escrito e dirigido por Moises Aisemberg. Durante um final de semana, Diego e seu pai vão acampar junto do patrão do pai de Diego e o filho desse, Patricio. Diego é um menino de 10 anos, Patricio tem 16. Durante as atividades que fazem juntos, Patricio sempre dá um jeito de molestar Diego, que, inocente, não percebe as más intenções. Até que Patricio o leva até uma construção abandonada, e lá o estupra. Patricio diz que se Diego contar pro pai dele, vai dizer que é mentira e que ele é gay. O pai de Diego estranha o comportamento do filho e na volta para casa, Diego finalmente revela o corrido. Para sua supresa, seu pai ao invés de apoia-alo, bate nele, dizendo que é mentira e que não irá perder o emprego por causa dele. Um filme angustiante por deixar o protagonista Diego sem forças e sem apoio. O filme é dirigido com bastante firmeza e as cenas mais brutas são amenizadas pela lente do diretor. Com um tom naturalista e quase documental, o diretor usou inclusive os nomes reais dos atores para nomear seus personagens. O filme tem uma mensagem muito cruel, de calar a boca em prol de lutar por justiça. Ótima performance dos dois rapazes, em um filme bastante complexo para o entendimento deles desse universo. O filme concorreu ao prêmio máximo no SXSW Festival.

A falecida

"A falecida", de Leon Hirszman (1965) Adaptação da peça de Nelson Rodrigues, "A falecida" é o primeiro longa de Leon Hirszman, que o lançou em 1965, e também a estréia de Fernanda Montenegro no cinema. O roteiro foi escrito pelo próprio Leon e Eduardo Coutinho. Ambientado no bairro do subúrbio carioca de Sampaio, acompanhamos Zulmira (Montenegro), uma dona de casa casada com Toninho (Ivan Candido). Toninho está desempregado e gasta todas as suas economias na sinuca e nas apostas do futebol.. Zulmira consulta uma cartomante que diz para ela tomar cuidado com uma mulher loira. Zulmira acredita que a cartomante está falando de sua prima Glorinha, sua vizinha. Zulmira acredita que irá morrer em breve e quer que seu enterro seja o mais caro já visto no bairro. Ela vai até uma funerária e faz o orçamento do caixão mais caro. Após pegar uma chuva torrencial, Zulmira fica gravemente doente e diz a Toninho procurar um homem chamado Pimentel para ele doar o dinheiro para a compra do caixão. Com uma magistral fotografia preto e branco de José Medeiros e câmera do craque Dib Luft, que trabalhou em muitos filmes do cinema novo, o filme é uma impressionate estréia na direção de Leon Hirszman, que comanda a narrativa com muita segurança e sem tornar o filme com cara de adaptação de peça teatral. O trabalho dos atores é brilhante, começando por Fernanda Montenegro e Ivan Candido. As participações de Paulo Gracindo, Nelson Xavier, Vanda Lacerda e Joel Barcelos também são dignas de nota. Pelo menos 2 momentos antológicos: a já clássica cena da chuva, com Zulmira tomando o seu banho que a prepara para o seu destino, uma cena linda, poética e muito bem filmada com câmera na mão. E o plano final de Toninho no estádio de futebol, quando ele desaba emocionalmente. Um momento sublime.

Screen, Queen! My nightmare on Elm Street

"Screen, Queen! My nightmare on Elm Street" de Roman Chimienti e Tyler Jensen (2018) Excelente documentário que fala sobre vida e obra de Mark Patton, ator de "A hora do pesadelo 2- a vingança de Freddy", e de como o filme destruiu a sua carreira de ator. A homofobia que crescia em Hollywood nos anos 80, por conta do avanço da Aids, obrigou muitos atores gays a abandonarem sua profissão. Atrizes exigiam que seus parceiros de cena apresentassem teste de sangue. Iniciou-se uma verdadeira caça às bruxas, e por conta disso muitos atores gays permaneceram no armário. Mark Patton foi um dos que ficaram no armário para poder vencer na carreira de ator. Nascido em Missouri, ele veio para Nova York em 1977 para buscar o seu lugar ao sol. Aos poucos, conseguiu entrar em uma peça na Broadway, ao lado de Cher e Sandy Dannis, e essa mesma peça foi adaptada por Robert Altman no cinema. Mark fazia muito papel coadjuvante, e esperava o seu grande momento para estrelar um filme. Muitos atores começaram em filmes de terror B, de baixo orçamento: Patricia Arquette, Johnny Depp. Quando Mark passou no teste para interpretar Jessie, o mocinho de "A hora do pesadelo 2", ele vislumbrou ali o início do seu sucesso em Hollywood. As expectativas com o filme eram enormes, afinal, o filme anterior foi um grande sucesso de crítica e público. Assim que estreou, muitas matérias falavam que o filme era gay e que Jessie era um homossexual que estava prestes a sair do armário. Mark passou a receber mensagens homofóbicas, acusando-o de ser gay, numa época onde a Aids dizimava a comunidade. Mark acusou o roteirista David Chankins de ter escrito um roteiro gay. David negou, e disse que quem fez o filme se tornar gay, foi a performance dele. Para quem não assistiu ao filme, Jessie grita com voz feminina, sofre quando vai transar com sua namorada e resolve procurar a cama de seu melhor amigo, frequenta um bar gay e quase é estuprado por seu treinador. Freddie Krueger acaba sendo um protetor de Jessie, Tem uma frase que ficou história: Ele está dentro de mim. Ele quer me possuir!"" "A hora do pesadelo 2" revolucionou os filmes de terror porque o protagonista não é uma "final girl", a mocinha que fica no final e é obrigada a lutar contra o assassino. O protagonista aqui é um "final boy", e muitas pessoas não gostaram: pela cartilha dos filmes de terror, o mocinho tem que ser durão, e a mocinha, indefesa. Quando colocaram Jessie como uma vítima indefesa, viram ali uma fragilidade que induzia ao homossexualismo. Diante da pressão do seu agente, que após ter visto o filme disse que Mark só poderia interpretar gays, porque ninguém mais o veria como um ator hetero, Mark ficou frustrado. Todos os papéis que lhe eram oferecidos eram para personagens gays. Desiludido, Mark resolveu abandonar a carreira. Muitos filmes dos anos 80, por conta do estigma da Aids, apresentavam os assassinos como gays ou lésbicas. Mark não queria mais fazer parte dessa Hollywood. Foi estudar arquitetura e se mudou para o Mexico. Quando foi lançado um documentário para comemorar os 30 anos da franquia "A hora do pesadelo", o roteirista David Chankis admitiu pela primeira vez que havia um subtexto no roteiro, e que era sobre a homofobia. Mark Patton resolveu então produzir esse documentário, onde ele pudesse dar o seu ponto de vista sobre a sua participação no filme, o sofrimento pelo qual ele passou quando os produtores acusaram ele de ter destruído o filme pelo fato dele ser gay, o seu relacionamento com um ator do seriado "Dallas" que morreu de Aids e contaminou Mark, Com o filme pronto, Mark participou de várias convenções de filmes de terror, e descobriu que "A hora do pesadelo 2" se tornou um filme cultuado. Vários espectadores gays dão depoimento dizendo que Mark foi crush deles, e que o primeiro contato que tiveram em um filme do universo gay foi ao assistirem ao filme, que nunca tinham visto um bar gay na vida. Mark reencontra o elenco e a equipe do filme, e o diretor Jack Shoulder insiste que não fazia idéia de que o filme tinha subtexto ga. Aï um dos atores o questiona "Como não sabia, se o bar gay onde foi filmada a cena era o bat gay mais famoso de Los Angeles?" Mas o momento ápice do filme é quando Mark encontra o roteirista David Chankins e fazem um verdadeiro jogo da verdade. David pede perdão para Mark por ter dito o que ele disse na época, botando a culpa nele pelo fato de chamarem o filme de ser gay.

domingo, 19 de abril de 2020

Andrei Tarkovsky: uma oração de cinema

"Andrey Tarkovsky. A Cinema Prayer", de Andrey A. Tarkovsky (2018) Quando li nos créditos desse documentário lançado em 2018, caí duro: como assim Tarkovsky deixou um filme póstumo? Depois vi que o filho de Tarkovsky também tem seu nome. Andrey, o filho, fez um documentário fundamental para quem aprecia a obra do grande cineasta russo, realizador de 8 filmes em vida e que morreu no ano de 1989, de câncer de pulmão, que muitos dizem, contraído durante as filmagens de Stalker" em uma locação repleta de radiação. O filme não é para iniciados em Tarkovsky, e sim, para quem assistiu aos seus filmes. Tarkovsky narra um por um ( os áudios são de entrevistas) onde ele fala do seu processo de direção, como ele conseguiu ser convidado para dirigir seu primeiro filme, seu método de direção com atores. Logo no prólogo, o filme faz uma bela apresentação do pai de Tarkovsky, o poeta Arsenyl, que abandonou a família quando Tarkovsky tinha 3 anos de idade. Mas eventualmente ele visitava a família. Tarkovsky fala da importância de seu pai e de sua mãe para ele decidir se tornar um diretor de cinema. As reflexões do pai sobre a existência humana, sobre espiritualidade, e ao mesmo tempo, a sensação de abandono de sua mãe. Tarkovsky fala do desprezo da crítica com os seus filmes, dizendo que nunca entenderam e dá um exemplo de uma faxineira de cinema que explicou o filme direitinho. Fala do seu exílio da Itália, do boicote de cineastas russos ao seu filme "Nostalgia" em Cannes, que foi rodado na Italia. E por último, fala de "O Sacrifício" seu último filme rodado na Suécia. O filho Andrey evita ficar babando o ovo do pai no filme, e faz com bastante imparcialidade. O filme é dividido em capítulos, o primeiro fala sobre a infância de Tarkovsky, e os outros, sobre cada um de seus filmes.

País da violência

"Assassination nation", de Sam Levinston (2018) Para quem gosta de Girl's revenge, esse filme é imperdível. Mesmo dirigido e escrito por um homem (Sam Levinston, criador da série de sucesso da HBO "Euphoria"), o filme bota a classe dos homens no chinelo: a maioria é pedófila, homofóbica, racista, sexista, misógena. E esse recado é dado logo no iníico do filme, com uma cartela anunciando que o filme não é para qualquer espectador, devido ao seu tema e seu conteúdo. O filme lembra muito "Uma noite de crime", só que voltado contra as mulheres: Sam Levinston utiliza o mote das Bruxas de Salém e revisita o tema da caça às bruxas. A cidade se chama Salem , e lá moram Lily e suas 3 amigas: Em, Sarah e a trans Bex. Elas estão na faixa dos 18 anos e como qualquer pós adolescente, querem curtir a vida com sexo, festas e muita diversão. Quando um hacker posta publicamente fotos do prefeito homofóbico em trajes femininos e transando com garotos de programa, ele sofre uma manifestação pedindo sua renúncia, até que se suicida na frente de todos. A partir dai, o hacker resolve postar fotos íntimas de toda a população, provocando um caos por conta dos segredos íntimos revelados. Lily é acusada de ser a autora das postagens, mas ela nega. Ela e suas amigas passam a ser perseguidas pela população. Assim como na série "Euphoria" a linguagem usada aqui na narrativa é nem dinâmica e pop: tela dividida, cores saturadas, muita música pop. As 4 atrizes são ótimas e carismáticas, importante para provocar comoção dos espectadores. Quem não gosta de filmes violentos, mantenha-se afastado daqui: é espadada, tiro na cabeça, e muitas atrocidades.

sábado, 18 de abril de 2020

Bete Balanço

"Bete Balanço" de Lael Rodrigues (1984) Clássico do cinema musical de 1984, "Bete Balanço" foi uma das maiores bilheterias do cinema nacional do ano, e foi responsável por lançar Débora Bloch ao estrelato. O filme ficou datado, mas vale como um registro histórico de uma época de ouro para o rock nacional: Cazuza aparece como personagem, interpretando a ele mesmo, junto do Barão Vermelho. Ver todo o grupo tão jovem, com 20 e poucos anos, é uma delícia. O elenco então, é uma preciosidade: Diego Vilella, Maria Zilda, Andrea Beltrão, Hugo Carvana e Lauro Corona, um dos maiores atores da década de 80 e que veio a falecer de aids em 1989. Bete (Bloch) mora em Governador Valadares, Minas Gerais. ela está para completar 18 anos. Acaba de passar no vestibular e namora um rapaz por 3 anos. Mas Bete tem ambições: ela quer ser uma estrela do rock. Ela decide ir embora pro Rio de Janeiro, sem avisar ninguém. Ela se hospeda na casa do amigo Paulinho (Diogo Vilella) e tenta de todas as formas arrumar um bico para poder se sustentar. O produtor musical que ela procura lhe dá um cano. Desesperada e sem dinheiro, Bete está para desistir, quando conhece o fotografo Rodrigo (Corona), que lhe procura porque ela testemunhou um menino de rua ser espancado por militares. O filme faz parte de uma trilogia do rock de Lael Rodrigues: "Rock estrela" e "Rádio pirata". "Bete Balanço" inaugurou a onde de filmes musicais que enxertam clips musicais de artistas famosos (Lobão, etc), para seduzir um público afoito a ver seu astro na tela do cinema. O clip da sessão fotográfica de Bete é antológica e ficou bastante famosa, exalando sensualidade e estilo. Debora está bastante carismática no papel título, e é meio impossível não associar a atriz ao personagem, que iria ser interpretado por Paula Toller, do kid Abelha, mas que recusou o convite.

Muito cuidado com o casamento

"Shubh Mangal Zyada Saavdhan", de Hitesh Kewalya (2020) Bollywood fazendo história: "Muito cuidado com o casamento" é a primeira comédia romântica musical LGBTQI+ da Índia. Em setembro de 2018, a Índia revogou uma proibição ao sexo gay, e desde então, muitos filmes e séries de tv têm trazido conteúdo LGBTQI+ para seus projetos. O filme se passa justamente antes da revogação. Kartik (Ayushmann Khurrana, super astro indiano) e Aman são namorados. Aman esconde de sua família que é gay. Quando sua prima decide se casar, a família toda se reúne em uma grande festa. Aman não quer ir, mas Kartik o obriga cumprir as obrigações com a família. No trem, toda a família de Armin está reunida, até que o pai dele, Shankar (Gajraj Rao, excelente) flagra os dois se beijando. Os pais de Armin querem que ele se case com uma jovem, mas Kartik fará de tudo para salvar o seu amor de um casamento infeliz. Bolyqood sem musical não existe, e aqui tem 3 números deliciosos, repletos de purpurina, cafonice e cores. O musical dentro do trem é sensacional, com toda a família cantando e dançando. O filme reúne todos aqueles clichês sobre impedir um casamento, mas é tudo feito com muita alegria. O curioso é que o pai homofóbico é tão violento que bate com uma vara de bambu no namorado do filho até ele desmaiar. Ao mesmo tempo que é uma cena aparentemente divertida, apresenta uma grande tragédia dentro da cultura indiana, que é o conservadorismo da sociedade patriarcal. É uma cena que lembra os escravos sendo chicoteados. Mesmo assim, o roteirista e cineasta Hitesh Kewalya faz graça em muitas cenas, tentando aliar com dramaticidade. O filme foi proibido em países do Emirado árabe, onde o homossexualismo é crime. O casal principal, os atores Ayushmann Khurrana e Jitendra Kumar são muito carismáticos e são responsáveis pelo sucesso do filme, que entre erros e acertos, vale pelas mensagens de aceitação e respeito.

O olho mágico do Amor.

"O olho mágico do Amor" de José Antonio Garcia e Ícaro Martins (1982) Que delícia eram os anos 80 no cinema brasileiro da Boca do Lixo. filmes totalmente pervertidos, repletos de fetiche, sacanagem, explorando as taras de pessoas comuns que entre quatro paredes, extrapolam os seus desejos. "O olho mágico do Amor" é um dos grandes clássicos dessa época, e a sua importância se deve ao combate do caretismo implementado pela dupla de cineastas e roteiristas recém formados pela USP em seu filme de estréia. Lembrando que esse filme foi rodado ainda durante a ditadura. Como esse filme conseguiu ser liberado pela Censura, é um grande mistério. O filme também é histórico por ser a estréia de Carla Camurati no cinema, que chegou a rodar mais 2 filmes com a dupla: "Onda nova", e "A estrela nua". São filmes que jamais teriam sido rodados hoje em dia, tal o desbunde, a entrega dos atores e das celebridades envolvidas no filme, todos em cenas de alta sacanagem explícita: Arrigo Barnabé, Jorge Mautner, Sergio Mamberti e Cida Moreira. Para ter uma idéia: Tem uma cena que Vera (Camurati) dá um banho no seu pai que chega bêbado: ela tira toda a roupa dele e o ensaboa da cabeça aos pés, com muita sensualidade. Parece até pela expressão do pai que ele está em êxtase. O filme é uma metalinguagem que brinca com o universo do próprio cinema e do voyeurismo: Vera é uma mulher tímida e recatada. Ela procura por emprego e acha na Boca do Lixo, em um escritório da sociedade dos ornitólogos. Entediada com o trabalho de secretária, ela é flertada constantemente pelo patrão, Prolíxenes (Mamberti). O patrão lhe deixa a chave do escritório. Vera descobre que no apartamento do lado existe um quarto onde uma prostituta, Penélope (Tania Alves) atende os seus clientes. excitada com esse universo que desconhece, Vera abre um buraco que lhe permite assistir as cenas de transa. O filme é uma mistura das idéias de "A bela da tarde" e de "Psicose" uma mulher que vai descobrindo a sua sexualidade, através do submundo da Boca do Lixo, e o buraco que de certa forma, representa a câmera do cinema, o olho que tudo vê. Tânia Alves e Carla Camurati :estão totalmente desprovidas de qualquer tipo de pudor, fazendo cenas intensas de muito erotismo, sem ser pornô. Os diálogos são tão exculachados que eu ri quase o filme todo.

Meio irmão

"Meio irmão", de Eliane Coster (2018) Premiado drama de estréia da roteirista e diretora paulista Eliane Coster, "Meio irmão" é descendente de um cinema naturalista, daqueles que você fica com a impressão de que o elenco trabalhou sem roteiro e tudo é improvisado, sem grandes acontecimentos. Ambientado na periferia da Zona leste de São Paulo, o filme traz um olhar triste e sem perspectivas de um futuro melhor para os personagens. As ambições são muito poucas ou quase nenhuma, e todos andam a esmo. Sandra (Natália Molina) é uma adolescente de 16 anos que mora com a sua mãe. Sandra é rebelde e impulsiva, guarda seu rancor de uma vida de merda e explode quando precisa. Quando sua mãe desaparece por dias, Sandra vai atrás do paradeiro dela, mas todos que ela pede ajuda praticamente a ignoram: a polícia, seu pai que abandonou a família, o local de trabalho da mãe. Sandra resolve procurar seu meio irmão, Jorge (Diego Avelino), que é negro e gay enrustido. Os dois não se falam ha muito tempo e a comunicação entre ambos é quase nula. Jorge tem paixão por um de seus amigos, e acaba gravando com seu celular um ataque homofóbico envolvendo o amigo e o amante dele. Jorge fica em um dilema se envia o vídeo, sabendo que vai sofrer ameaças de morte. Li em uma entrevista que o elenco do filme e formado por estudantes de interpretação da periferia de São Paulo, e isso explica muito a falta de envolvimento melhor com a cena e a câmera. Muitas cenas parecem ser decoradas. Mesmo assim, as questões que o filme pontua, como racismo, abandono do lar, homofobia são muito importantes e acabam diluindo as críticas às performances. O destaque vai para Natália Molina, que tem alguns bons momentos, como a cena em que ela recebe a ligação falando sobre sua mãe.